HOMEM VIVO CAMINHANDO III

 Wlamir Silva, professor e historiador


Quando a última pesquisa do Datafolha sobre a popularidade de Jair Bolsonaro apontou para a sua estabilidade, e consequente competitividade eleitoral, doutos “de pincenez” pontificaram: é resultado do auxílio emergencial![1] Bem, nova pesquisa realizada entre os dias 8 e 10 de dezembro deste 2020 repetiu a dose.[2]

Não há mais a menor dúvida de que amplos setores da população sabem que o auxílio emergencial foi cortado à metade, os contemplados já o receberam assim, e caminha para ser extinto. A leitura primária dos que viram uma relação imediata entre o auxílio e a avaliação do presidente da República lembra a ironia feita pelo historiador britânico Edward P. Thompson, sobre a percepção dos subalternos como oriundas “do estômago”.[3]



A nova pesquisa confirma a resiliência de Bolsonaro com 37% de ótimo/ bom e 29% de regular, que somados dão 66% de não rejeição, contra 32% de ruim/ péssimo. Comparados com agosto, manteve-se o ótimo/ bom, aumentou em dois pontos o regular e caiu dois pontos o: ruim/péssimo.[4] E isso deve considerar dois elementos importantes: 1) isso se dá em meio à crise da pandemia; 2) a expectativa da oposição a Bolsonaro é sempre a de que ele está em implosão: um “desgoverno” prestes a cair, um homem morto caminhando, como ironizamos.

O que mudou desde a última pesquisa? Pouca coisa. A pandemia complicou-se e, para alguns, o importado Black Live Matters, potencializado pelo caso Carrefour, teria um impacto significativo.

Não tiveram. A avaliação do governo quanto à pandemia não é catastrófica. Nesta última pesquisa, 52% não atribuem a Bolsonaro culpa alguma por mortes da pandemia, e 38% dizem que é um dos culpados, junto a governadores, prefeitos etc. E, como se vê, não impacta a avaliação geral do mandatário.

 



Já o esperado impacto do Black Lives Matter é uma miragem das bolhas universitárias e ativistas. O horizonte dos conflitos raciais estadunidenses não é intercambiável com a realidade brasileira. Não se pode comparar o racismo histórico dos norte-americanos com o nosso, pela ausência aqui do nível de violência e discriminação lá praticado - Ku Klux Klan, segregação legal, leis Jim Crow – e, sobretudo, pela nossa estrutural mestiçagem. O que reverbera mesmo e decisivamente na aparentemente igual violência policial. 

O que explica tal resiliência, sob fogo cerrado da grande mídia e da oposição nas redes? Assim como a resiliência de Bolsonaro, devemos repetir o diagnóstico: “Confirma-se a vacuidade dos ‘arroubos festivos ‘de esquerda’ e faz mais delirantes os ‘diagnósticos e prognósticos intelectuais’ [...]. Definitivamente Bolsonaro não é um cadáver político, um homem morto caminhando no corredor da morte, repetindo a imagem por nós cunhada”. Nosso diagnóstico, em especial sobre o uso político da morte, se confirma olímpico...[5]

Apenas esta incapacidade política e um acachapante divórcio com a realidade explica a crença mágica da “esquerda” na estratégia de acusar Bolsonaro de crimes diários, de xingá-lo, e a seus eleitores e simpatizantes, com um sem número de epítetos desqualificadores. Tudo isso, repetimos, com um “orgulhoso monopólio da moral” e “carteiradas acadêmicas”. Assassino, fascista, genocida, racista, Bozo, liberecos, bolsominions, gripezinha, misógino, machista, homofóbico, desgoverno, rachadinhas, fake news... Parece já óbvio que, até por serem, amiúde, exageros, quando não falsidades, não possuem o poder demolidor que seus criadores e papagaios imaginam que tenham.

A grande mídia não é tão politicamente poderosa quanto imaginava-se, e as bolhinhas universitárias e dos “bem pensantes” muito menos. A população não compartilha de certos antirracismos, feminismos e LGBTismos – o que não faz dela um poço de preconceito e intolerância –, e sua experiência social a faz justamente cética quanto às origens de tais ataques sistemáticos e às intenções e qualidades da fragmentada e confusa oposição.

Em parte esta miragem de se estar “destruindo Bolsonaro” é fruto da nossa incapacidade de produzir projetos políticos consistentes. Projetos que rompam com a mitologia da Idade de Ouro lulista e com utopias etéreas sem nem um dedinho na realidade. E a primeira realidade a ser enfrentada é a de que o povo não crê nelas. Ele não é “estômago” nem “bicho-papão”.



[1] Wlamir Silva. Homem vivo caminhando II. Blog São João del-Pueblo. 14 de agosto de 2020. http://saojoaodel-pueblo.blogspot.com/2020/08/homem-vivo-caminhando-ii.html

[2] Avaliação de Bolsonaro se mantém no melhor nível, mostra Datafolha. 13 de dezembro de 2020. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/12/avaliacao-de-bolsonaro-se-mantem-no-melhor-nivel-mostra-datafolha.shtml

[3] No contexto original, de que “[o]s tumultos eram 'rebeliões do estômago'". Ver Edward P. Thompson. A economia moral da multidão inglesa no século XVIII. In: Costumes em comum. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998, p. 151.

[4] Uma pesquisa de meados de novembro do Exame/ Ideia já apontava tal tendência, ainda mais forte para Bolsonaro. https://exame.com/brasil/exame-ideia-aprovacao-de-bolsonaro-vai-a-41-a-mais-alta-em-quase-2-anos/?fbclid=IwAR2PqSiDg_Y_gHnuJWgTfhLLjWNnxydqiU-6F8O-H1VDWmn34AvnoEwRbR0 

[5] Wlamir Silva. Homem vivo caminhando II. Blog São João del-Pueblo. 14 de agosto de 2020. http://saojoaodel-pueblo.blogspot.com/2020/08/homem-vivo-caminhando-ii.html







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