COMO BOLSONARO SE TORNOU UM MAQUIAVEL?

 Wlamir Silva é professor e historiador

Em entrevista ao Globo há uns três dias, o cientista político Marcos Nobre diz que "Bolsonaro não está enfraquecido, como acredita parte da oposição".[1] E tem razão, ao menos na medida que muitos imaginam.

Ele aponta algo que destacamos faz tempo: o contingente que avalia "que o governo é regular", que é uma massa que não "compra" a figura demoníaca que se crê ter sido construída por certa oposição. Ele tem razão em dizer que "essas pessoas podem voltar se não encontrarem uma candidatura alternativa".

Somaríamos a isto os quase 50% de gente que não se anima a votar em ninguém, na pesquisa espontânea, mostrados em pesquisas e vistas no crescente absenteísmo de eleição para eleição. De fato, mesmo entre os que hoje têm o governo como “ruim ou péssimo” não necessariamente avaliam isso pelos motivos imaginados pela oposição.


Acerta também Nobre ao lembrar que a pandemia vai se extinguir e de que existe um cenário de algum crescimento da economia, e que isso deve melhorar a percepção sobre o governo. Para além, é preciso juntar que a memória popular não reconhece o "paraíso" que se quer fazer do período pré-Bolsonaro, ou embarca no discurso hiperbólico de assassino e genocida, de crimes diários e exegese de frases. Porque se isto fosse verdade a rejeição a ele seria muitíssimo maior, afinal, quem acharia "regular" um assassino genocida?

Não é má análise de Nobre que “Bolsonaro está forte o suficiente para ir ao segundo turno e fraco o suficiente para mostrar a seu eleitorado que ele luta permanentemente contra o sistema”. O que é fantasiosa é a atribuição deste resultado a uma "encenação dele parecer que está fraco, que está lutando contra o sistema". Tal fantasia é figura fácil na oposição: ora Bolsonaro é um imbecil, ora é um gênio maquiavélico. A suposta encenação é fruto do segundo polo desta esquizofrenia “de esquerda”.

A fantasia serve bem a um outro devaneio: o de que é eficaz e demolidora a estratégia hiperbólica das atribuições de fascismos, golpismos e intenções assassinas e genocidas por uma oposição “de esquerda”. Quimera que se alimenta de uma leitura equivocada da percepção popular dos defeitos e problemas do atual governo. Nobre, como tantos outros, é incapaz de trabalhar com conceitos que superem a artificial divisão da sociedade entre “esquerda” e “direita”, limitando-se a alertar de que “[v]ocê tem pessoas da direita não bolsonarista”.

É este erro de fundo de análise, e assim de estratégia política, que ainda sonha com impeachment ou, pior, com afastamentos baseados em contorcionismos inconstitucionais. Que leva a sério um picadeiro liderado por Renan Calheiros e companhia. Mas, sobretudo, que vê os milhões de brasileiros como peões do binarismo político insuportável. Ao invés de encará-los como o que são: um povo desconfiadíssimo, justamente, da classe política, da grande mídia e de hordas de “apontadores de dedo”, de donos da verdade, de arautos do Apocalipse. Numa reedição do desastroso #EleNão.

A hegemonia da oposição pelos arautos do Apocalipse, como se refere Nobre, “a possibilidade de catástrofe”, exige frentes improváveis e termina em Lula, invariavelmente. O Apocalipse eclipsa mais uma vez qualquer possibilidade – de fato necessidade – de política a médio e longo prazos. De roldão, a única candidatura em vista que ensaia uma crítica à nossa duradoura e contínua crise econômico-social-política e esboça um projeto nacional, a de Ciro Gomes, que se pretende matar na concepção.

É por isso que Bolsonaro se torna este improvável Maquiavel, capaz de calcular o tanto que deve parecer fraco... Esta avaliação estrambótica se impõe frente à incapacidade de autocrítica da estratégia política desastrada...


[1] ‘Faz parte da encenação de Bolsonaro parecer que está fraco’, diz o cientista social Marcos Nobre. O Globo. 10/06/2021. https://oglobo.globo.com/


Comentários

Anônimo disse…
O colunista não menciona mais as pesquisas do DATAFOLHA, por que será?