GENOSUÍCIDIO POLÍTICO

Wlamir Silva é professor e historiador

 

O Datafolha publica pesquisa de opinião destacando a "rejeição a Bolsonaro na gestão da pandemia" de 54%. A forma da apresentação na Folha de São Paulo é peculiar, é preciso "peneirar" para descobrir que, de fato, somam 54% os índices de "aprovação [30%] e o julgamento como regular [24%]", uma inversão interessante realmente interessante...

Afinal, não pudemos localizar - aceitamos ajuda - em soma de índices os tais 54% da manchete, com exceção de um gráfico de "Resposta estimulada e única", aliás, da mesma forma se diz que "44% reprovam governo Bolsonaro" e que "45% nunca confiam nas declarações do presidente". E se dilui muito nas respostas fragmentadas por renda, idade, gênero etc.

E aí Chama a atenção o seguinte dado: "Bolsonaro segue mais rejeitado entre os mais instruídos (55% de ruim e péssimo) e entre os mais ricos (54%). Sua aprovação é maior também entre quem ganha de 2 a 5 salários mínimos (35% de ótimo e bom). O que talvez explique a estranha equação dos 54% de rejeição conviverem com os 54% de aprovação e avaliação regular somados. É bom lembrar que cerca de 90% da população está nesta faixa até os 5 mínimos...

As pesquisas várias de opinião sempre mostram em torno de 55% a 60% de aprovação ou avaliação como regular do governo Bolsonaro. Esta última, feita em momento grave da pandemia, não foge à regra. Também é correta a avaliação de que há os mesmos 55 a 60% "a disputar" politicamente. Que não são os mesmos, até porque em eleições é presente a abstenção que não se põe quanto às pesquisas. E neles está parte dos votos tidos como certos no eleitorado lulista e bolsonarista, que não possuem a homogeneidade que alguns pregam.

A pesquisa Datafolha se dá no auge da campanha do "genocida", do “assassino”, o que é provado pelo faro oportunista do youtuber, nas redes. E há os que apostem nesta impropriedade conceitual e política como "explicação" e caminho. São tolos. A "tese" memética é a de que Bolsonaro pratica um genocídio porque deseja, atua deliberadamente, a morte dos brasileiros. Ela leva a hipérbole memética ao extremo, ao atribuir mais do que incompetência ou ignorância a desumanização mesma. 

Ora, deixando de lado a importante fatia da população que o aprova, os 24%, que somados àqueles formam uma maioria, que o veem como "regular" são infensos à tal pregação: não seria “regular” um assassino, um genocida, alguém cujo desiderato é a morte... E mesmo entre os que consideram o seu governo ruim - entre os quais nos incluímos - creem nesta hipérbole discursiva. São muito mais que 54% os que não se enganam com tal construção simbólica, e que são passíveis de manter sua percepção de “regularidade”, ou mesmo mudar da rubrica de “ruim” para a de “regular”, quando o pior passar.

E tudo isso se dá num momento grave de, e da, pandemia. Que não vai se estender eternamente. Para muitos brasileiros, inclusive, tais exageros de diagnóstico político soam, e soarão mais, à perseguição midiática, reforçando o discurso "antissistema". Há quem creia que negar o epíteto de "genocida" é preciosismo conceitual. Não nos é estanha a defesa deste relaxamento conceitual, ela é reflexo de uma presunçosa e condescendente avaliação das pessoas comuns, de um elitismo de “bem pensantes”.[1] Forma que, se inútil frente ao conjunto da sociedade, garante pertencimentos em corporações e bolhas sociais.

O exagero simbólico esbarra na percepção do senso comum – do seu núcleo sadio, diga-se – que rejeita tais invenções. E rejeita com base em quatro elementos: 1) experiência com as pessoas reais, e não com suas caricaturas;[2] 2) experiência com diversos governos, e não com as mitologias deles; 3) a consciência de um fato novo e impactante de uma pandemia que, somado ao item anterior, relativiza os erros do atual governante; 4) a percepção, pela experiência e memória, de que as dificuldades diante de uma pandemia no Brasil dizem respeito, em muito, a problemas estruturais, de longa data.

O objetivo imediato de tal caracterização é o impeachment, ou formas nebulosas de afastamento de Bolsonaro. O primeiro é cada vez mais longínquo, a cada dia mais improvável, o segundo é uma quimera perigosa. Em especial com a recente eleição de presidentes da Câmara e do Senado, não tanto pelo alinhamento das casas com o governo, mas pela rejeição evidente de fazer de seu afastamento uma pauta importante. Também aí a hipérbole do “genocídio” é obtusa: que classe política aceitaria tratar como condenação moral nestes termos os seus erros?

Os 55 ou 60% dos brasileiros “em disputa” vão exigir mais do que “radicalismos” verbais, slogans sensacionalistas e imagens impactantes. Memes não vão conquistá-los. Mas está aí o X do problema: para além do simbólico memético não há projetos, nem específicos, muito menos agregadores. Para isso é preciso a crítica substancial e minimamente propositiva. Insistir neste caminho é um suicídio político.



 



[1] Por trás disso, afirma-se o abismo entre o jargão “acadêmico”, assim como seus pudores relativistas, e a vulgata destinada às massas. Lembre-se que esta presunção elitista remete ao tragicômico #EleNão, com o qual guarda liames evidentes.

[2] É importante observar que os epítetos pespegados a Bolsonaro, como a qualquer político popular, se estendem a simpatizantes, reforçando a sua rejeição. E isso se multiplica quando se fazem os “róis” do que faria de alguém um “genocida”, o que atinge espectro variado de cidadãos, desde quem, eventualmente, aglomerou, ou trabalhou durante o isolamento, por exemplo...

Comentários

Anônimo disse…
Por que será que o colunista não menciona mais as pesquisas do DATAFOLHA?