Wlamir Silva é professor e historiador
Quase fui às lágrimas com a carta de economistas e banqueiros sobre a pandemia.[1] Capitães do capital financeiro, ex-ministros etc. Dão a receita e exigem eficácia! Emocionante, não é mesmo? Afinal, tudo o que vivemos se deve à maldade de um homem. Ou de alguns homens. Ou deles e quem os apoia. Ou ainda de quem não vê, por cegueira, burrice ou canalhice, que há um plano assassino, genocida! Os canalhas, aliás, se não todos os que não xingam o culpado todos os dias, são também assassinos, genocidas!
Considero o atual governo incompetente. Já o disse várias vezes. Incapaz de coordenar ações complexas. E isso se vê na pandemia. Além disso, não simpatizo com as ideias que defendeu, e disse muito cedo que não gostava de suas tendências autoritárias. Também disse que ele não levou à frente tais tendências, o que continua acontecendo. Há no nosso sistema político arroubos autoritários, e ele não destoa disso. É o que penso. Com base na informação cotidiana e o exercício da análise objetiva. O que é difícil, frente ao arraigado hábito de mentir, exagerar, deformar, as tais "fake news". E neste quesito o personagem e seus apoiadores também não estão sozinhos, nem possuem primazia ou destaque.
Na pandemia, muito me chamaram a atenção as manchetes abaixo.[2] É acachapante que um módico auxílio de 57% do salário mínimo leve a extrema pobreza no país ao mais baixo patamar em mais de quatro décadas! E impacte positivamente - não apenas evite o pior - o consumo de alimentos, e mais, de eletrodomésticos! Estes dados "escondem" outros, como as condições de moradia, transporte e outras, como as formas sociais pelas quais os avôs participam da criação dos netos, e outras.
Os bravos signatários da Carta, economistas ou grandes empresários, claro, não têm nada a ver com isso. Nada a ver com a financeirização extrema, desindustrialização, baixo nível tecnológico, baixos salários, empregos de baixa remuneração, ausência de planejamento urbano e de transportes... Assim como não têm nada com isso os que estiveram no poder até cinco anos atrás, ou em décadas passadas. Como são mais de quatro décadas, tem pra todo mundo...
Não, não acho o atual governo tenha o caminho para encaminhar as soluções de tais problemas, nem mesmo de iniciá-lo. Mas não tenho dúvidas de que nossos maiores problemas "pandêmicos" se devem a este profundo contencioso econômico e social. E também político, ou sua ausência de bases partidárias é assim tão inversa à "geleia" de nosso sistema, no qual líderes messiânicos e oligarquias "representativas" esvaziam o que há de partidos, os programas são fantasias e o fisiologismo campeia?
Também não resta dúvida de que, para além da descoordenação e dos defeitos largamente compartilhados, a patacoada de uma intenção assassina, de um genocida, é uma hipérbole que vai do desespero ao oportunismo político. Algo que resulta na distração da sociedade, e na desfaçatez de políticos que, claro, também não têm nada com isso... Não são "negacionismos" que fazem com que nossa sociedade esteja fragilizada, não há genocídio. Há grandes questões a serem enfrentadas, e o diversionismo hiperbólico, quase cômico, não nos auxilia em nada.
https://www.terra.com.br/.../auxilio-turbinou-venda-de...
https://jornal.usp.br/.../baixa-adesao-ao-isolamento-e.../
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