As eleições municipais de 2020 em São João del Rei

 


Existe em São João del Rei uma insatisfação generalizada com o resultado das eleições municipais. O curioso é que não se pode afirmar que trata-se de manifestações antidemocráticas, porque na verdade só uma minoria do eleitorado votou nos vencedores. O sistema eleitoral, que nem foi decidido nem é compreendido pelo povo, permite essa bizarrice e outras.

Comecemos pelas eleições de prefeito. O vencedor foi reeleito com menos de 17 mil dos mais de 65 mil eleitores, perdendo 5 mil votos desde 2016. Os demais, três em cada quatro eleitores, votaram nos outros seis candidatos, ou se abstiveram – mais de 15 mil. Como São João del Rei não tem 200 mil eleitores, não tem segundo turno, e terá que aguentar um prefeito que não escolheu, em um regime político no qual o chefe do poder executivo, seja na esfera que for, tem enormes poderes.

No legislativo a coisa foi similar. Quase todos os vereadores se reelegeram. A insatisfação é geral. E não, não foi a escolha do povo.

Somados, os eleitos tiveram ainda menos votos que o prefeito. Claro que eles não se elegeram com esses votos. O que nem os candidatos, nem os partidos, e na verdade nem as autoridades fazem o mínimo de esforço para contar é que o voto para o legislativo é no partido (antes era na coligação, mudou pouco), ou seja, são os partidos que somam, com seus vários candidatos, votos suficientes para eleger ou não. Só depois de decidido quantos vereadores cada partido elegeu é que têm importância os votos dos candidatos um por um, para saber qual deles ficará com a(s) vaga(s). Mas como o povo não sabe disso, nem imagina que ajudou a eleger alguns dos que estão lá, se irrita com o fato de seus candidatos não terem sido eleitos. Se soubesse, talvez ficasse mais insatisfeito ainda, por ter eleito quem não queria.

O curioso é que a desilusão política gerou essas eleições, e o resultado delas fez crescer ainda mais a desilusão política, com razão. A maioria absoluta da população, três entre cada quatro eleitores, queria mudanças, e o sistema eleitoral não permitiu. As pessoas culpam o próprio povo, porque não fizeram as contas, e não perceberam que a maioria do povo, na verdade, votou contra Nivaldo.

Os votos que elegeram em 2020 foram os clientelistas, em muitas cidades do país. A desilusão política é terreno fértil para o clientelismo – se o voto não tem poder nenhum de mudança, porque não vendê-lo, ou dá-lo para quem fez algum “favor”?

Analistas políticos diversos têm destacado que os pólos não elegeram, e que isso sinalizaria uma despolarização do país. Está longe de ser tão simples. Acontece que a desilusão e a polarização têm a mesma origem – o fracasso do regime político. Pesquisa de meados de 2018 indicava 83% de insatisfação dos brasileiros com o funcionamento da democracia, contra 45% da média mundial. Essas eleições não devem aumentar a satisfação em nada.

Como ninguém espera nem teme nenhuma revolução por parte de um prefeito, então não faz sentido a polarização em eleições municipais chegar ao ponto de eleger alguém. Pelo contrário, a desilusão política tira o sentido de qualquer voto programático. Contudo, ainda merece destaque que a existência da polarização ficou marcada nas eleições municipais, com candidatos de extrema direita e extrema esquerda se destacando, inclusive em São João del-Rei. O grande número de candidatos no país todo é também sintoma tanto da crise quanto da polarização - os partidos de centro não estão conseguindo aglutinar ao seu redor os partidos dos extremos.

Os extremos políticos crescem exatamente porque propõem mudanças profundas, e depois crescem um com medo do outro. A percepção de que mudanças são indispensáveis alimenta essa polarização, tanto por vontade de que aconteçam quanto por medo disso. E o fracasso do regime político é cada vez mais nítido.

Das sete candidaturas duas foram de esquerda, a do PT e a do PSTU. O PSOL só lançou candidatos à vereança. Merece destaque o completo fracasso da candidatura petista, que amargou o último lugar, atrás do PSTU. O PSTU até cresceu, embora não tanto quanto o esperado por muitos de seus simpatizantes, mas o que aconteceu foi um enorme enfraquecimento do PT. Foi a derrota da estratégia política do grupo dominante no PT local. Os dois vereadores eleitos pelo PT não são dessa mesma panelinha, que impôs suas posições desde que elegeu um deputado federal, não só internamente, mas também aos aliados.

O PSTU fez o que sempre faz. Apresentou candidatos que denunciam o capitalismo, como se não estivessem disputando eleições municipais, e assim são vistos pelo povo. Se esforçam por não fazer alianças, não têm recursos financeiros, não apresentam projetos locais, em resumo, não jogam o jogo. São ótimos militantes, aguerridos, corajosos, praticamente colocados fora da política por uma estratégia sem sentido.

O PSOL não elegeu ninguém, mas cresceu muito. Com somente cinco candidatos teve quase mil votos, de forma que se tivesse chapa completa poderia chegar ao coeficiente eleitoral e eleger um vereador. Deve-se saber que em 2016 o PSOL de São João del-Rei não conseguiu lançar candidatos a vereadores.

O PCB desapareceu depois de várias intervenções desastradas da direção estadual.

PCdoB, PSB e PDT não tiveram candidatos. Esses partidos eram usados em São João del-Rei por outros partidos. Eram controlados respectivamente pelo PT, PSDB e nivaldistas. Com as novas regras eleitorais, que acabaram com as coligações para o legislativo, eles perderam boa parte de sua utilidade.

Embora o quadro seja de devastação, o campo nunca esteve tão limpo.

PS: Os candidatos que tentaram surfar no bolsonarismo foram derrotados, o que se explica no oitavo parágrafo desse texto.


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