HOMEM VIVO CAMINHANDO

Wlamir Silva
Professor e historiador


Deve-se sempre desconfiar de pesquisas eleitorais, mais ainda com tanta antecedência. Costumamos usar as do DataFolha, mais para manter um padrão. Comentamos aqui esta pesquisa do Instituto Paraná.[1] Mais do que para fins eleitoreiros, para uma reflexão sobre o quadro atual. 



Ela serve para um fim, para além da possível inexatidão: como um saudável banho de água fria em certos arroubos festivos "de esquerda" e certos diagnósticos e prognósticos intelectuais delirantes. Afinal, a crer em parte significativa da grande mídia e no fervilhar de bolhas das redes sociais, ficamos com a impressão de que Bolsonaro é um cadáver político. Homem morto caminhando, como se diz dos condenados à morte nos EUA. 

A resistência política de Bolsonaro impressiona. Todavia impressiona muito mais a incapacidade de boa parte da sua oposição de pôr o pé na realidade. E isto considerando que será muito difícil que o atual governante tenha um momento tão ruim quanto o atual. Com a investigação sobre Flávio Bolsonaro e em meio a uma pandemia. E sob um cerco inegável da grande mídia e o ataque crescente nas mídias sociais. E na perspectiva eleitoral Bolsonaro parece ainda mais resiliente.[2]

Os dados brutos destas pesquisas não explicam os motivos deste abismo entre a percepção de um governante que estaria dissolvendo, do qual se prevê a queda sistematicamente, e a sua aparente resiliência e força política. De saída, fica relativizada a importância da grande mídia e das redes sociais “universitárias”[3] no jogo político atual. Não apenas num erro de avaliação dos humores da população, mas também da eficácia do discurso sobre ela. Pode-se aventar aqui dois possíveis elementos: 1) há uma distância considerável entre as bolhas das redes sociais e amplos setores da população; 2) a grande mídia é consumida pela população, mas não possui a credibilidade do julgamento político.[4]

A crítica da grande mídia fica comprometida pelo fato de que algumas questões mostram contradições de tal ataque. É o caso das reformas – Previdência, Estado, tributária – que denunciam certa confluência “liberal”.[5] As bolhas “universitárias” fazem críticas no campo econômico e institucional, mas elas costumam ser frágeis e carregar o fardo da herança lulista de semelhança ou não questionamento das questões envolvidas. E no que mídia e bolhas “universitárias” convergem é na crítica à suposta ruptura civilizatória representada por Bolsonaro, que se esvai em censuras morais e estéticas do seu estilo peculiar. Parece-nos que para boa parte da população o ataque sistemático é inócuo, talvez contraproducente, pondo Bolsonaro como alvo de uma campanha incessante.[6]

A oposição feita a partir da dissecação de frases, expressões e, mesmo, palavras, lidas como hecatombes, é cansativa e denota uma prática persecutória. As manchetes e memes muitas vezes de interpretação duvidosa só servem ao reforço dos já convencidos. Aos demais também parecem um interesse destrutivo. E parte da oposição “civilizatória”, com pontos de contato entre mídia e “bolhas”, agrupa elementos, ou pautas, difundidos como condições civilizacionais: ativismo negro, LGBTQI, feminismo, pró-aborto, liberação das drogas e os “direitos humanos”. E não o são como pautas abertas, mas com duas características fatais: 1) são dadas como prontas, com paradigmas fixos;[7] 2) são postas como um programa fechado, contendo todas as questões; 2) a rejeição de um dos elementos apenas basta para uma “exclusão civilizacional”. A imposição desta peneira política se dá pelo epíteto “bolsominion” e um interminável desfiar de xingamentos infantis.[8]

Parece que a oposição a Bolsonaro é incapaz de entender que a luta política que interessa não é entre os “civilizados” e os “bárbaros”. Ou entre as bolhinhas irredutíveis da suposta polarização da sociedade brasileira. Mas a da conquista da imensa maioria da sociedade, e do eleitorado, que não ocupará nem as ruas nem as urnas com base no que ela fez até agora.[9]





[1] Pesquisa exclusiva: Bolsonaro é o favorito da corrida eleitoral em 2022. Revista Veja. 24.7.2020.
https://veja.abril.com.br/politica/pesquisa-exclusiva-bolsonaro-e-o-favorito-da-corrida-eleitoral-em-2022/?fbclid=IwAR2Ws5N1kXVVxLYDzbt45yn8jflrBElF9O5WlwVhePw8dnpbx78f-rzEcxo
[2] Nas eleições os agrupamentos “antibolsonaro” se desfazem em posições diversas e adquire significado um sentido propositivo.
[3] Bolhas originadas do ambiente das universidades públicas e o seu entorno.
[4] É curioso observar que para isso concorre a crítica à esquerda com relação à grande mídia, por vezes exagerada.
[5] Não vamos entrar no assunto aqui, mas é bom assinalar que a lógica liberal é predominante no mundo e que recentemente uma pesquisa de opinião insuspeita surpreendeu-se com a força de um “liberalismo popular” em uma importante periferia brasileira. Percepção e valores políticos nas periferias de São Paulo. Perseu Abramo (FPA). 2017. https://fpabramo.org.br/wp-content/uploads/2017/03/Pesquisa-Periferia-FPA-040420172.pdf
[6] Neste contexto, uma crítica específica válida, como, por exemplo, o desmatamento na Amazônia, se perde na enxurrada de “crimes diários” que seriam cometidos pelo mandatário.
[7] Assim, rejeitar as “cotas raciais” faz das pessoas racistas; ser contrário ao uso do banheiro feminino por transexuais faz delas “transfóbicas”; ser contrário ao aborto é ser contra as mulheres; opinar pela redução da maioridade penal é ser contrário aos direitos humanos etc. etc.
[8] Assim, quem é enquadrado é dito “bolsominion”, muitos, como vemos, compram a ideia. Nem que seja para afrontar a prepotência dos “iluminados”. E dentre os xingamentos o, que se pretende a síntese, de "fascistas".
[9] Nas últimas eleições tivemos uma abstenção de 42,4 milhões de votos, somando os 11, 4 milhões de
nulos e brancos e os 31,3 de não votantes. Gente que não se animou com Bolsonaro, nem com seu opositor, ou em barrá-lo, como quis o desastroso #EleNão.

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