CONTRADIÇÕES E PERCEPÇÃO POPULAR: MORO E LAVA-JATO

Wlamir Silva
Professor e historiador


Pesquisa de opinião realizada em 4 e 5 deste mês têm sido utilizadas para defender certas teses, já a partir das manchetes. Muitas destas manchetes têm destacado a reprovação da conduta de Sérgio Moro e a queda de sua aprovação. O que é real, mas é também uma abordagem seletiva e, mais, que foge das contradições presentes na sondagem.[1]

Moro e Lava-Jato resistem



De fato a popularidade de Sérgio Moro caiu, mas de 59% para 52%, e isto sob o bombardeio dos vazamentos amplamente repercutidos pela grande mídia. Um índice poderoso na atual conjuntura do país, que mostra singular resistência no provavelmente pior cenário possível para o ex-juiz. Índice que, inclusive, o difere da queda de popularidade de Jair Bolsonaro[2].






A mesma resistência vale para a operação Lava Jato, que caiu em aprovação popular, e bastante: 6 pontos percentuais. Mas que ainda preserva significativos 55% de aprovação, contra apenas 18% que a consideram ruim ou péssima. O que renova as dificuldades de atacá-la em conjunto e, assim, as de destacar um caso específico de imparcialidade.




Popularidade resistente ao índice de 58% que acham que a sua conduta foi inadequada e que isso poderia implicar na revisão de “eventuais decisões”. E que se torna ainda mais impressionante porque 54% da população considera que Moro deve permanecer na cadeira de ministro. O que denota que desvios de conduta podem ser relevados no conjunto das questões envolvidas para parte da população[3], e também a fragilidade de certas teorias conspiratórias.




Condenação de Lula é vista como justa

O contraste é particularmente intrigante quando acareamos os 58% que entendem que a conduta foi inadequada com os 54% que consideram justa a condenação de Lula, índice inabalado com a crise dos diálogos entre Moro e procuradores. Índice que também deve ser considerado junto à “tempestade perfeita” das denúncias midiáticas.






O retorno à polarização


Segundo a própria Folha/UOL, “[a]s estratificações da pesquisa Datafolha tendem a reproduzir entre grupos diversos a polarização política do país cristalizada na campanha presidencial do ano passado”. Polarização que interessa a certas forças políticas em cena. Aqueles que orbitam Lula, mais menos próximos do “astro-rei”, e os pequenos corpos celestes que são por ele sugados, e os que gravitam em torno de Bolsonaro, ou são pelo poder cooptados.


É alimentada a polarização que absorve as forças que intentam rompê-la. Mas o elemento contraditório mais impactante é que a crise reforça a polarização – grande arma do governo – e o faz, paradoxalmente, em torno de Moro. Na tempestade, sobrevivem agarrados à gávea o desprezo à corrupção e à criminalidade. O saldo, quando da bonança, vai decepcionar muita gente.

Recaída e atraso

Cada recaída no sentido desta polarização é um atraso no trabalho já por demais adiado de dar substância à vida política brasileira. Mais um capítulo no fortalecimento de bonapartismos que se complementam e se alimentam mutuamente. Como sempre, as tarefas de organização, debate e explicitação de questões e projetos é adiada ao sabor de hiperbólicas hecatombes.








[1] Maioria reprova conduta de Moro, mas vê como justa prisão de Lula, diz Datafolha. Folha/ UOL, 6.7.2019. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/maioria-reprova-conduta-de-moro-mas-ve-como-justa-prisao-de-lula-diz-datafolha.shtml. No segundo dia da pesquisa veio à lume um novo conjunto de diálogos, pela revista VEJA, o que não deve ter impactado o resultado. Cremos que não rompe a lógica estabelecida, mas, a conferir...
[2] Segundo a matéria, Bolsonaro teria hesitado em apoiar Moro, se é fato, a resistente popularidade do ministro ganha outra dimensão.
[3] Some-se a isto o fato de que apenas 63% doa entrevistados se dizem informados acerca dos diálogos em pauta e, dentre estes, apenas 55% bem ou mais ou menos informados, o que relativiza o peso que isso tem em avaliações políticas mais firmes e duradouras.

Comentários

Em seu ensaio A corrupção política na era do capitalismo, Peter Bratsis procura demonstrar o significado de uma nova noção de corrupção para a compreensão dos desenvolvimentos recentes do Estado capitalista, bem como para entender a ideologia espontânea que surge como reação às desigualdades globais. Como uma tática-chave dentre as várias formas que agentes e representantes do capitalismo transnacional mobilizaram para aumentar a autonomia dos Estados nacionais em relação à sua população interna e maximizar a mobilidade do capital, as recentes iniciativas anticorrupção, por parte da comunidade internacional, devem ser entendidas como pertencentes à mesma natureza das medidas internacionais em nome da segurança e dos direitos humanos, que têm sido usadas para pavimentar o caminho da expansão imperialista. Em ambos os casos, um conjunto de juízos normativos e ideias tentam apresentar a agenda política particular de poderosos interesses internacionais como um bem universal, como algo a ser feito em benefício dos fracos e oprimidos, e não como parte da dominação neocolonial ou imperial.

Esse significado mais recente de corrupção pode ser melhor compreendido como um produto de dois fatores intimamente relacionados. Primeiramente, essa nova e internacionalizada compreensão de corrupção, como opacidade, é uma tática usada pelo capital transnacional em seus esforços para reduzir os custos de transação e calcular de forma mais precisa suas expectativas de custos e benefícios ao tomar decisões de investimento. Essa tática é parte da estratégia mais ampla de aumentar a autonomia das burocracias de Estado em relação às elites e interesses locais, de modo a tornar tais burocracias mais receptivas ao capital transnacional, e as políticas e ações do Estado, muito mais previsíveis e transparentes para os de fora. Encorajando, bem como se nutrindo de, uma florescente literatura econômica que considera corrupção como opacidade e busca de privilégios no âmbito do Estado, os agentes do capitalismo transnacional têm popularizado e apoiado vigorosamente uma nova compreensão de corrupção que procura promover o objetivo de um capitalismo global, com mínimas barreiras políticas ou limites para os seus fluxos. Na terminologia marxista, os esforços internacionais contra a corrupção política empenham-se em estabelecer e estender a internacionalização dos Estados capitalistas por todo o mundo e em aumentar a autonomia relativa que eles podem ter em relação a muitos dos interesses particulares presentes em suas sociedades nacionais.

Em segundo lugar, essa internacionalização da questão da corrupção também funciona como a mais recente repetição do ponto de vista colonialista. O foco sobre a corrupção serve para explicar as diferenças globais de riqueza e desenvolvimento como sendo, acima de tudo, um produto da inferioridade das culturas, padrões éticos e/ou estruturas políticas e legais das regiões e nações do mundo economicamente desfavorecidas. Assim, ela também funciona, como parte da justificação normativa para a dominação política e econômica exercida pelas nações “avançadas” do centro do capitalismo global. Em suma, uma análise marxista sobre as mudanças do significado de corrupção nas sociedades capitalistas demonstra ser importante elemento para se compreender grande parte da trajetória atual de dois fenômenos: tanto a mudança de foco para a governança e a tecnocracia, que são características do Estado tão onipresentes no capitalismo contemporâneo, quanto o moralismo crescente que opõe muitas das sociedades do capitalismo central àquelas da periferia e semiperiferia. (Peter Bratsis, A corrupção política na era do capitalismo, Historical Materialism, Volume 22, Issue 1, 2014, https://choldraboldra.blogspot.com/2019/07/a-corrupcao-politica-na-era-do.html)