Wlamir Silva
Professor e historiador
Professor e historiador
Não, o incidente trágico da morte da família em Guadalupe
não fará com que a massa da população brasileira repudie ações das Forças Armadas,
ou o endurecimento por quaisquer forças de segurança pública, contra a
criminalidade. E não, isso não quer dizer que o povo seja mau, reacionário ou
racista. Quer dizer que ele entende aquilo como um incidente que, por mais
trágico que seja, não nega a tragédia cotidiana da violência criminosa.
A população sabe que os incidentes acontecem, e com triste
recorrência, embora não superem nem de longe a violência estrutural instalada. Uma
pesquisa rápida localizará mortes de inocentes em excessos policiais e
militares, ao longo de décadas. No caso das Forças Armadas, desde que elas passaram
a ser requisitadas para este desvio de função, há uma década. As mortes “múltiplas”
resultantes da intervenção militar no Rio de Janeiro foram muito criticadas[1].
Para citar casos escabrosos que se tornaram paradigmáticos, a confusão de uma
furadeira com uma pistola e do guarda-chuva com um fuzil, ambos com fim trágico,
ocorreram, respectivamente, em 2010 e 2018, o último às vésperas das eleições,
dado importante...
Os dois casos citados acima, em especial o segundo, por ser de
vésperas de eleição, são significativos. Afinal, um dos fatos relacionados à
tragédia de Guadalupe é a implementação de snipers (atiradores de elite) pelo
governo do Rio de Janeiro. Maior significado porque os snipers foram promessa
de campanha[2]. O
que quer dizer que uma população conhecedora dos incidentes trágicos citados, e
das “mortes múltiplas”, elegeram uma proposta de endurecimento no combate à
criminalidade com quase 60% dos votos, contra um segundo colocado, também do
campo conservador, que ressaltava a necessidade da inteligência nas ações
policiais, mas defendeu a manutenção da intervenção militar no Rio[3].
Os candidatos que rejeitaram a intervenção militar e tiveram um discurso
contrário ao endurecimento da repressão policial tiveram, somados, 16,5% no
primeiro turno das eleições[4].
Uma acusação dos defensores do endurecimento policial aos
seus adversários - que chamam de “a turma dos direitos humanos” – é a de que
eles “gostam de bandidos”. Acusação repelida com certa razão, mas não toda. Há
aí dois fatores complicadores. Um é de uma leitura enviesada da luta de
classes, pelo engano de confundir classe trabalhadora com o lumpemproletariado,
ou seja, os marginalizados, que inclui os criminosos. O outro é consequência do
anterior, que é o de ver nestes marginalizados um potencial revolucionário –
anti-sistêmico –, transformador. Nada disso é novo, já em meados do século XIX
o anarquista/ socialista Wilhelm Weitling e o anarquista Mikail Bakunin
defendiam o potencial revolucionário dos criminosos. Tudo isso contra Marx, um
feroz crítico do lumpemproletariado[5].
A dita Nova Esquerda, pós-moderna, embebida de Michel Foucault, recuperou esta
esperança revolucionária ou anti-sistêmica e a envolveu numa releitura
dogmática e distorcida de “direitos humanos”. De modo que a massa da sociedade,
em especial os mais pobres[6],
é sensível a esta leitura esgrimida por setores conservadores.
Isso se dá porque o povo é conservador? Certamente. Porque
ele é manipulado? Em parte, como, aliás, todos nós. Em parte porque mobiliza
sua experiência social. Com base nela, e com carradas de razão, não hipoteca
sua segurança a futuros improváveis ou, sendo otimistas, longínquos cenários
nos quais a igualdade trará a tranquilidade. Até porque percebem, e também com razão, que estes "libertários" não oferecem uma perspectiva de transformação global da sociedade. Também de sua experiência social
percebe claramente que os criminosos não são revolucionários, combatentes contra
qualquer sistema, ou mesmo, apenas, “vítimas da sociedade”. Como sabem? Porque os
conhecem de perto, os diferenciam facilmente dos trabalhadores. Eles são
solidários, mas não confundem isso com quimeras românticas marginais. Eles
compreendem a luta de classes melhor que a esquerda pós-moderna, e são suficientemente
sofridos para não se impressionarem mais do que o devido com a tragédia da hora.
Enquanto ignorarmos esta experiência social popular,
enquanto negarmos etereamente as demandas populares de exercício legítimo da
violência pelo Estado, seremos engolidos por uma variada gama de
conservadorismos. Desvios marginais ou arroubos civilizatórios – que, como
vemos, levam a certo horror ao povo – não resolvem a questão real: enfrentar a
tarefa de uma pedagogia política que respeite duas coisas: 1) a experiência
popular, da classe trabalhadora, e 2) o fato de emancipação da classe
trabalhadora deve ser obra dos próprios trabalhadores.
[1] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/07/16/com-intervencao-ocorrencias-com-mais-de-3-mortes-no-rio-sobem-e-apreensoes-de-armas-caem-diz-estudo.htm
[2] https://www.brasildefato.com.br/2018/11/08/propostas-de-wilson-witzel-para-a-seguranca-publica-sao-inconstitucionais/
[3] https://www.destakjornal.com.br/brasil/detalhe/intervencao
[4] Conferir https://placar.eleicoes.uol.com.br/2018/1turno/rj/
[5]
Ver, principalmente, O Dezoito de Brumário de Luis Bonaparte (1852)
[6] Já
tratamos disso antes. Ver https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=1750449270180017171#editor/target=post;postID=4767146054846744845;onPublishedMenu=allposts;onClosedMenu=allposts;postNum=5;src=postname
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