ESQUERDA UNIVERSITÁRIA E PSICOLÓGICA?


Wlamir Silva
Professor e historiador

A definição do que são direita e esquerda parece muito clara para alguns. No entanto, com o achatamento das grandes transformações sociais - e nele podemos encaixar desde a derrocada do socialismo de viés soviético e as peculiaridades da organização socioeconômica chinesa -, a definição migrou para aspectos pouco claros no que tange às origens históricas que consolidaram a dicotomia.

A caracterização de uma esquerda definida por uma agenda de costumes como que "exila" num âmbito de refinamento educacional - a universidade e seu entorno - o que se configura como "esquerda". O que recrudesce com a pouca ou nenhuma clareza quanto aos aspectos socioeconômicos, que se restringe ao que "não se quer" e a demandas humanitárias que pretendem seu atendimento a partir das estruturas existentes.




O predomínio de posições de esquerda denunciado pelos conservadores hoje no governo se insere neste horizonte. Predomínio real, a nosso ver, em áreas específicas das ciências sociais e humanas. Hélio Schwartsman, em artigo recente na Folha de São Paulo[1], com base em estudos estadunidenses, conclui que isto é mundial, ou ocidental, o que se daria por razões psicológicas. No inverso de instituições como quartéis e polícias, nas quais predominaria a direita.

A leitura é, para a "esquerda", elogiosa mas preocupante. As personalidades à esquerda são "abertas ao novo", enquanto as à direita marcadas pela "conscienciosidade, a preferência por previsibilidade e por ações planejadas". O que sobra em uns, faltaria nos outros, e vice-versa. Não tanto pela crença no medir quase tudo dos pesquisadores dos EUA, afinal, a esquerda que eles consideram inclui os liberais (democratas) – e aí voltamos à vacuidade das questões socioeconômicas –, ou pelo método em si. Exatamente pelos critérios de definição que, como vimos, gira muito em torno de costumes[2]. Percepção que, sem medições, se dá também por aqui.

A história das experiências sociais socialistas – à esquerda no contexto capitalista – certamente deve muito a intelectuais abertos ao novo, mas não só. E mesmo eles enfrentaram questões plenas de “conscienciosidade”, que exigiram previsibilidade e ações planejadas. Aliás, o planejamento foi – e é, com a China – uma característica destas experiências. E mais, estas experiências comportaram contradições e conflitos profundos – como a coletivização forçada e a ocupação econômica estratégica na antiga União Soviética – que alimentam uma “narrativa” à direita e costumam ser sublimados pelas delicadas personalidades “de esquerda”. O novo é difícil de ser construído.

Uma esquerda que descuide de um projeto global de sociedade, das suas dificuldades históricas de realização, seus conflitos e escolhas difíceis, não é de muita serventia. Uma esquerda que aquiesce com uma identidade assentada em costumes – cujos elementos muitas vezes vão de encontro com percepções de setores amplos da sociedade (incapazes do novo?) – está condenada, se tanto, ao seu inerte principado universitário.




 


[1] Universidades são antros de comunistas?
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2019/04/universidades-sao-antros-de-comunistas.shtml
[2] Além de certo psicologismo, do que não trataremos aqui.




 



Comentários