A NOVA POLÍTICA E O ASSALTO AOS CÉUS

Na campanha eleitoral de 2014, Eduardo Campos e Marina Silva cunharam a expressão "nova política", encampada com mais ênfase pela acreana. A "nova política" seria a alternativa à "velha política", substituindo o toma-lá-dá-cá e o abismo para com a sociedade por uma postura ética, programática e em diálogo com a sociedade, forma que deve balizar as negociações no Parlamento.

É fácil estigmatizar a ideia de uma nova política. A força maior para isso advém de um conjunto de circunstâncias vistas como irresistíveis - o fisiologismo, o funcionamento da máquina, o caráter intrínseco da classe política e, mesmo, dos brasileiros. Naturalizadas estas circunstâncias, resta o conformismo com o que não se pode mesmo mudar. Aqui e ali se diz, como agora repetiu o presidente da Câmara, que não há nova ou velha política, há política...

E a ideia não é um cinismo conservador. Miro Teixeira, do partido mesmo, de Marina Silva, dizia, em meados do ano passado, que "[N]ão há nova política. Política é política. [...] É a política que nos impede de ser selvagens". De fato, a desqualificação da política é um desserviço civilizacional. Mas este mesmo viés é utilizado de forma preocupante à esquerda, não em defesa "[d]a maior criação social da inteligência humana", como quer, com razão, Teixeira.

Política é política, algo sujo a se fazer, ou algo sujo a se evitar, é um aforismo utilizado à esquerda. De três formas: 1) como justificativa para aderir à práticas tidas como inexoráveis; 2) como negação dela como meio eficaz de transformação social; 3) numa fusão da segunda com a primeira, a desqualificação da política justifica a conivência com as práticas condenáveis mais ou menos à esquerda. Um conjunto que envolve leituras equivocadas de Marx e degenerescências ético-morais num amálgama complexo.

No momento, a expressão "nova política" foi mobilizada por Jair Bolsonaro, como um desdobramento de sua política "anti-sistema". É pertinente a crítica ao caráter novo ou antissistêmico de Bolsonaro, deputado com sete mandatos e tipico do "baixo clero", que é a base mesma do "sistema". Há, no entanto, elementos contraditórios nisso: a vitória eleitoral sem os meios tidos por inexoráveis - apoios partidários, tempo de TV e recursos financeiros - e a campanha direta à sociedade, por meio das redes sociais.

O fenômeno que vemos é prenhe de contradições. Bolsonaro rompeu com aspectos do sistema, mas se mostra incapaz de ser programático, formular ou liderar. Pode-se dizer que esta é característica da proposta conservadora, mas é mais sintoma da derrota de um conservadorismo mais orgânico. Em curto prazo, eu diria, curtíssimo prazo - verificaremos adiante -, pode-se comemorar a paralisia que isso produz. Mas a solução do impasse dificilmente se dará fora de uma acomodação "sistêmica", até porque os conflitos existentes são menores do que parecem.

A médio e longo prazos, especialmente no segundo caso, considerar a forma como se faz política no país algo natural, inexorável, é uma terrível armadilha. Parte dela já deixou sequelas de dificílima superação, que é a impressão popular de que à esquerda ou à direita isso não muda, o que foi elemento determinante na vitória de Jair Bolsonaro, como o foi da predominância conservadora eleitoral, inclusive no Congresso. A outra, que se espera radical e revolucionária, aponta para sublevações inverossímeis, porque teriam de se originar de forças populares emersas de forma quase mágica.

A ideia de uma nova política não é nova à esquerda. Ao contrário, está no cerne mesmo desta tradição, desde a formação da social-democracia européia até a atuação dos comunistas nos parlamentos: ética, capacidade de formulação e relação com a sociedade, e aí dizer trabalhadores é obviedade estatística. Seguir estes princípios, e evitar cantos-de-sereia, deveria ser algo natural. E o é mais diante da nossa tradição clientelista, patrimonialista e fisiológica.


Talvez isso não nos leve à revolução, mas não fazê-lo certamente nos afasta dela, qualquer forma que ela possa vir a ter... Ética e capacidade de formulação e debate, nos espaços vários, é que são inexoráveis, necessidades inexoráveis. Pois já se disse que insurreições e barricadas nos levariam aos céus, mas certamente elas não cairão dele...

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