O ZERO À ESQUERDA

Faz pouco tempo, em discussão com amigos, disse que Guilherme Boulos não representa (no sentido político) nada na sociedade brasileira. Fui atalhado pela lembrança de uma marcha de 10 mil sem-teto. A isto deve-se somar a sua controversa escolha pelo PSOL e a presença junto à Lula. Isso em momentos de grande exposição midiática, pelo assassinato de Marielle e a prisão do ex-presidente.
O redondo zero de intenções de voto nas pesquisas Data-Folha é uma expressão das contradições que envolvem Guilherme Boulos e o que ele (não) representa. Como liderança "sem-teto", Boulos é um rapaz de classe média alta que mobiliza e "organiza" no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) uma pequena massa indistinta socialmente. Que não é, nem de longe, o horizonte da imensa maioria da classe trabalhadora do país.
Mas Boulos - e o PSOL? - visa a transferência dos votos de Lula. Ocorre que os "votos de Lula" são "conservadores", e não se coadunam com a perspectiva "revolucionária" de Boulos. E explico as aspas. Se são conservadores, a massa trabalhadora mostra-se capaz de um senso crítico. A "revolução" de Boulos é, na verdade, uma ilusão, longe da realidade política do país, dos interesses do conjunto dos trabalhadores e uma espécie de "atalho" para o nada.
Não é de hoje que que setores de esquerda contornam as realidades e percepções da massa trabalhadora. Reflexo disso é o fato de o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ter assumido um estranho protagonismo. Num país com população rural de pouco mais de 15% (IBGE, 2015) e com boa parte dos trabalhadores rurais desinteressados em divisões parcelárias da terra. Outros é a centralidade de movimentos identitários (negros, de gênero, LGBT, "direitos humanos", indígena periferismo etc.). Movimentos legítimos, mas cuja extrapolação não une ou aponta para um horizonte comum centrado no trabalho.

Boulos intenta ser um líder de um periferismo invasivo concessor. E é justo apontar que há aí uma manipulação do imaginário popular, que identifica primariamente o "sem-teto" com o morador de rua, que inspira solidariedade. A exposição no MTST mostra, cada vez mais, que é uma "licença poética", e são gente como outros muitos milhões sem casa própria, em especial os que se engajam politicamente com ele. De fato, o mesmo se pode dizer já do MST, cujas ações se mostram cada vez mais atreladas ao cadente projeto lulista, sem que, aliás, se tenha avançado significativamente em suas demandas.
O movimento eleitoral de absorver a empatia de Lula e somá-la com um “radicalismo” heroico soçobra diante de duas evidências: 1) é uma falsa radicalidade, periférica e marginal; 2) invasões não são concessões.


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