Claro que a intervenção tem fins eleitoreiros, mas as
eleições passam e estão cada dia mais desmoralizadas, e nos anos recentes tem
crescido uma opinião favorável à intervenção militar não no Rio de Janeiro, nem
na segurança, mas em Brasília, e na política! As raposas políticas que devoram
a República resolveram então se livrarem desse fantasma. Como? Mostrando que o
Exército não é capaz de resolver nem os problemas policiais do Rio de Janeiro,
quanto mais todos os complexos problemas nacionais.
Meus “camaradas” previsíveis certamente desde que leram a
manchete estão respondendo que o alvo é a população pobre, negra e favelada.
Seria chover no molhado. Não é necessária um intervenção, atraindo a mídia,
para fazer o que sempre se faz. Ademais é outra forma de dizer que o objetivo é
somente eleitoral.
O Exército Brasileiro foi enviado para uma missão
impossível, sabe disso, mas não se negou. Não poderia se negar, por lei, e
segue o princípio de que “missão dada é missão cumprida”. Ao afirmar que o
principal objetivo da intervenção é resolver os problemas da Polícia do Rio, o
General Netto acertou um alvo! Os principais “inimigos” organizados, de mesma
periculosidade e complementares, são o tráfico, os policiais criminosos, e as
milícias. Existe um “inimigo” ainda mais difícil de derrotar, a criminalidade
desorganizada, os pequenos bandidos, que causam grande mortandade entre os
pobres, além dos prejuízos materiais.
De fato os problemas de segurança do Rio de Janeiro são
muito mais sociais e de legislação nacional (caso do tráfico) do que policiais.
Para 200 milhões de habitantes, o Brasil chegou ao máximo de 50 milhões de
empregos, e caiu agora para 37 milhões. O Rio de Janeiro é uma cidade de clima
quente (influi na criminalidade como se constata em várias estatísticas), com
cerca de 10 milhões de habitantes, e o tamanho das cidades também é um fator
que multiplica a criminalidade. O país vive uma crise política e a decorrente
crise de autoridade que sempre acompanha as crises políticas, e isso também
aumenta a criminalidade. Ainda do ponto de vista cultural, o Brasil é a lixeira
de Hollywood, e se não se pode culpar um (1) filme pela violência, pode-se
culpar, sim, uma “unanimidade” de centenas de filmes em que tudo só se resolve
com violência, que é a única coisa que grande parte da população assiste
durante a vida toda, por uma cultura da violência. Por fim, as escolas não
estão conseguindo ensinar nem a ler e escrever há mais de 20 anos, de forma que
temos uma geração que só teve a parte ruim da educação escolar, nenhum
conteúdo.
Com base no que aconteceu em 2014 (embora tenha sido muito
diferente a presença militar para segurança das Olimpíadas e o que acontece
agora) é fácil prever que certos tipos de crimes refluirão com a intervenção,
mas temporariamente. É o caso da criminalidade de rua, desorganizada, que
reflui com o aumento das patrulhas de rua. Mas é óbvio que o Exército não pode
ser eternamente reduzido a patrulhar o Rio de Janeiro, e que passados alguns
meses, destacadamente as eleições, as tropas terão que voltar aos quartéis e os
assaltantes poderão tirar a forra.
Nenhum país do mundo, nem os EUA com muito mais recursos e
leis muito mais duras, nem os países que executam os traficantes, conseguiu
vencer a “guerra” às drogas, até porque não se pode vencer o que não é uma
guerra, mas comércio. A proibição é que gera o tráfico. A proibição é mantida
porque assim se ganha mais dinheiro! Sem proibição não faria sentido, não
renderia uma fortuna, trazer pasta de coca em aviões, como fazem os senadores
de nossa República. Os ganhos com a coca e a maconha se espalhariam por milhões
de pequenos produtores e comerciantes locais, dada a facilidade da produção
desses dois capins. Quando a polícia atua contra os traficantes, está só
fazendo subir os preços, e os lucros. Isso quando não está servindo um
traficante contra o outro (afinal quem faz as denúncias anônimas se não o
concorrente?). É o máximo que o Exército poderá fazer contra esse inimigo –
aumentar os lucros dos traficantes!
Qual o único verdadeiro serviço público, além de patrulhar
ruas, que o Exército poderá fazer no Rio de Janeiro? Desbaratar as milícias e
limpar a polícia, que é praticamente um trabalho só, e hercúleo! Dificilmente
essa missão será cumprida. Mas se o Exército Brasileiro sair do Rio de Janeiro
deixando milícias dominando partes do território nacional, terá fracassado
redondamente, e se mostrado fraco, incapaz de recuperar o próprio território!
Será uma desmoralização tremenda!!! O que pensarão os estrangeiros? O que
pensarão as tribos de índios que já pensam em nos enfrentar? O que pensarão os
lunáticos que sonham com uma guerrilha? Perderão o respeito pelo Exército Brasileiro!
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) foi
também um desafio, um teste, feito pelos bandidos fardados (milícias incluídas)
ao General Netto. Eles agora vão conhecer os limites do General! Se é um General
de verdade, ou um frangote. Se ele se mostrar fraco, se não fizer punir logo os
responsáveis pelo assassinato, a intervenção já fracassou. A honra do Exército
Brasileiro, e claro que a honra pessoal do General Netto, estão em jogo! A vida
de Marielle certamente virará um curta ou longa metragem, que rodará os
festivais de cinema do mundo, e toda vez que for reapresentado informará ao
público do resultado das investigações, e do papel do General Netto, e do
Exército Brasileiro, nas mesmas! Está em jogo no Rio de Janeiro se o Exército
Brasileiro aparecerá para o mundo com um exército moderno, civilizado, ou como
um bando de capangas fardados de uma republiqueta de bananas. Me pergunto se a impunidade
de meia dúzia de policiais criminosos que devem ser responsáveis pela execução
de Marielle valem a honra do Exército.
Outro General, Villas Boas, que não está no comando da
intervenção no Rio, e que em outros momentos já disse muitas coisas corretas,
deu uma declaração infeliz, desmoralizante mesmo. Disse que o Exército
precisava da garantia de que não haveria outra Comissão da Verdade, para no
futuro investigar possíveis crimes que cometam agora no Rio. Um exército
moderno, civilizado, diria muito pelo contrário que conta com a cobertura dos
jornalistas brasileiros e estrangeiros todo o tempo, e que fará tudo com completa
transparência. Diria que fará tudo corretamente e que portanto não teme nenhuma
futura investigação. Fato é que foi só uma declaração infeliz, e que muito ao
contrário desse desejo antiquado, sobretudo depois da execução da vereadora
Marielle, essa intervenção estará sob constante cobertura da imprensa
internacional, denunciando cada deslize do Exército a uma Comissão da Verdade
mundial que é o público.
Conhecendo como conheço nosso povo e nossa “esquerda”, posso
adivinhar que alguns “gênios” devem estar indignados com minha preocupação com
o Exército Brasileiro, e até com sua imagem. Ainda não vivemos em um mundo sem
fronteiras, no qual exércitos serão desnecessários. A população brasileira
precisa virar um povo, uma nação, cuidar de seus interesses, ou seja, dos
interesses nacionais. Quem não tem sentimento de nação, não tem sentimento de
coisa pública, não sabe diferenciar seu próprio bolso dos cofres públicos. A
dificuldade que a população brasileira tem de compreender os bens públicos, de
defendê-los, tem profunda ligação com o anti-nacionalismo das elites
brasileiras. Sem sentimentos nacionais, sem Pátria, de quem é o dinheiro
público? Por que não colocá-lo no bolso? Ou seja, quem não tem Pátria já é
quase um ladrão.
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