Os robôs, a reforma da (im)previdência, a jornada de trabalho e o socialismo

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Em vinte anos se prevê que robôs tomarão metade dos atuais postos de trabalho! Categorias inteiras, que fazem os trabalhos mais simples, desaparecerão, substituídas por máquinas, computadores, em uma palavra, robôs. A solução lógica para que a robotização não gere catástrofes sociais e crises econômicas por exagero de desemprego é a redução da jornada de trabalho. Também será necessário aposentar as pessoas mais cedo, e garantir que elas não retornem ao mercado de trabalho, o que só se pode fazer aumentando o valor as aposentadorias.

Trata-se, portanto, de uma realidade bem oposta à narrada pelos governantes e pela mídia. Sobre redução de jornada de trabalho simplesmente não se fala, e a contra reforma trabalhista de 2017 pretendia criar mecanismos que ampliassem a jornada para além das 44 horas atuais. Na Alemanha a jornada é de 35 horas semanais, e os alemães já lutam para reduzi-la abaixo disso, e realmente precisarão disso, se quiserem sobreviver como potência econômica.

Em uma cabeça simples a redução da jornada de trabalho significa queda na produção. É o “pensamento” de um empresário, mas não tem nada a ver com a realidade social. Todo o mundo está com o que se chama capacidade ociosa, ou seja, máquinas paradas por muitas horas, exatamente porque o número de pessoas empregadas, ou seja, de consumidores, é baixo! No Brasil, por exemplo, com 200 milhões de habitantes temos menos de 40 milhões de empregos formais. Em São João Del Rei, com 90 mil habitantes, estamos com menos de 20 mil empregos. Mesmo nos anos de Lula, em que se contou a mentira de que havia pleno emprego, o Brasil chegou no máximo a 50 milhões de vagas formais, e São João Del Rei a pouco mais de 20 mil.

Portanto, reduzindo a jornada aumenta-se os empregos, aumentando os empregos aumenta-se o consumo, e daí aumenta a produção. Simplesmente mais gente será necessária para produzir uma quantidade proporcionalmente maior de mercadorias. A única coisa que cai é a taxa de lucro (não o montante)! É pela taxa de lucros que a imprensa imperialista (grandes TVs, grandes jornais diários, notícias dos fornecedores de e-mail) não toca no assunto.

Segundo a narrativa do governo é necessário dificultar as aposentadorias porque em caso contrário a Previdência quebraria! A quantidade de mentiras contidas nessa afirmação é impressionante! Comecemos pelas questões legais e depois tratemos de economia.

1 – A Previdência não existe em separado do caixa da União desde FHC. Antes de FHC grandes somas da Previdência foram usadas para uma série de obras, como Itaipú e a Ponte Rio Niterói. Ou seja, se fizermos as contas a sério, a Previdência é credora de quase tudo o que União tem! A União, sim, teria que decretar falência ou moratória se fosse obrigada a devolver tudo. Diga-se de passagem, os militares não fizeram errado em usar esse dinheiro, mas o fizeram em não contabilizar como empréstimo da União com a Previdência.

2 – O governo mente sobre as rendas da Previdência, pois, a despeito do que diz a lei, argumenta como se somente as contribuições previdenciárias compusessem essa renda. Mas não é assim! Vários impostos são destinados à Previdência, e os governantes querem desviá-los para a corrupção legal e ilegal. Metade do orçamento da União em 2017 foi para os banqueiros e agiotas, sócios dos governantes, que querem abocanhar mais!

Observemos agora pelo ponto de vista econômico. Até um candidato sério e capaz como Ciro Gomes levantou o argumento demográfico para dizer que precisaremos, embora não desta, de uma reforma da previdência. Trata-se do mesmo erro de Malthus no século XIX. Dizia Malthus que a fome era natural, porque a população cresceria mais que a produção de alimentos. Estava redondamente errado!

A questão é exatamente a mesma. A população estaria vivendo mais e isso tornaria insustentável tantos aposentados. Ainda citam a relação entre empregados e aposentados, dizendo que há algumas décadas eram 10 empregados por 1 aposentado, e hoje são somente 3 por aposentado. Neomalthusianismo completo!

Na verdade, um trabalhador de hoje produz dez vezes mais que um trabalhador de décadas atrás, o que é o mesmo que dizer que, para a sociedade, sustentar uma pessoa tornou-se 10 vezes mais barato!

A única reforma da previdência que precisamos é abolir os supersalários e as aposentadorias acumuladas, ou seja, é por motivos morais, não econômicos!

A relação entre número de empregados e número de aposentados só tem importância se mantemos a ficção de uma Previdência independente, que se sustenta com as contribuições dos empregados. Porém, essa ficção prejudica a economia, pois taxa a criação de empregos! Resolve-se isso com uma canetada – abole-se completamente as contribuições previdenciárias e cria-se outro imposto, sobre os ricos, para as substituir.

Para a economia aposentar tem a mesma função de reduzir a jornada, que é empregar mais pessoas. O aposentado, se não voltar ao mercado de trabalho, abre uma vaga e continua consumindo! Em uma cidade como São João Del Rei, com mais de 22 mil aposentados, é nítido o quanto os aposentados são bons para a economia e quanto se perderia com a reforma da (im)previdência.

Entre as mentiras ditas pelo presidente da República (que vergonha) está uma especialmente asquerosa – disse o golpista que se o Brasil não fizer a reforma da (im)previdência ficará igual à Grécia!!! Se ele acredita nisso, é realmente burro, e se sabe o quanto isso é mentira, é de uma desonestidade doentia. Primeiro, fique claro que a Grécia mesmo em crise tem condições sociais muito melhores que o Brasil. Segundo, a Grécia não emite mais moeda! A Grécia perdeu essa parte de sua soberania, de sua independência, que passou para a Alemanha. A situação da Grécia pode ser comparada, sim, à do Rio de Janeiro, que também não pode emitir moeda, e precisa arrecadar para cobrir seus gastos. É que na cabeça colonial de nossos governantes moeda seria uma coisa santa, intocável, e não um instrumento de política econômica. Trata-se de um presidente da República que na prática abriu mão, ou quer abrir, do poder de emitir moeda. Contudo, mesmo que o Brasil não pudesse emitir moeda a Previdência não está deficitária e o presidente continuaria mentindo.

Para arrematar, vamos repetir que metade do orçamento da União em 2018 foi destinado aos agiotas internacionais, e acrescentar que o Brasil não tem impostos sobre grandes fortunas, nem sobre grandes propriedade rurais, nem sobre especulação na bolsa de valores, nem sobre igrejas. Em resumo, o que sobra por aqui é dinheiro, e uma classe dominante mesquinha, incapaz, imprevidente, anti-nacional.

O socialismo e os assuntos chatos

A luta em torno de temas fiscais, orçamentários, da jornada de trabalho e direitos previdenciários é grande parte da luta pelo socialismo, que os vários setores da esquerda brasileira negligenciam completamente.

Para Marx, é o capitalismo, mais precisamente a revolução industrial, que socializa a produção! Só resta à revolução socialista socializar seus frutos!!! Claro que os frutos da produção não são separáveis da produção em si, e que as coisas não são fáceis como propôs Stuart Mill, que achava possível manter o capitalismo na produção e fazer justiça social só na esfera da circulação. Ora, quando se produz ou um iate, ou uma ambulância, já se definiu a distribuição!

Mas a questão permanece – o que é socializar os frutos da produção socializada? Não adiantaria nada tentar distribuir a mais-valia (o que o trabalhador produz mas não ganha como salário) aos próprios trabalhadores em forma de dinheiro, pois este simplesmente se desvalorizaria para se adequar aos produtos de consumo popular existentes no mercado. Aumentar a produção desses produtos, sim, aumenta o consumo dos trabalhadores, mesmo que não aumente o salário nominal, como a Revolução Industrial tem feito.

Nota-se também que não se pode resolver a maior parte das questões humanas na base do consumo. Por exemplo, saúde, é uma questão pública, uma epidemia atingiria ricos e pobres, a poluição atinge ricos e pobres, o stress atinge ricos e pobres. Aumentar o consumo dos trabalhadores, por melhor que seja, não resolveria todos os problemas do sistema de saúde. Também não resolveria da educação, do trânsito, de quase nada! Os trabalhadores precisam de melhores salários, mas precisam de muito mais que isso. As verdadeiras formas como a sociedade pode ser apossar dos produtos da indústria, embora pareça uma redundância, são sociais.

Para Marx a principal conquista que os trabalhadores podiam obter era a redução da jornada de trabalho, e o objetivo final é a abolição quase completa do trabalho (o comunismo de Marx), substituído pelas máquinas. O que qualquer pessoa tem de mais valioso é seu tempo, que não pode ser comprado de volta por dinheiro nenhum do mundo! A redução da jornada, que agora se torna uma necessidade econômica, é também um dos principais objetivos marxistas.

Mas na época de Marx não existiam sistemas públicos de saúde, só começavam a existir os de educação, nem se tinha o conceito atual de esporte, e ele próprio foi um dos primeiros a se preocupar com a natureza. Também não existiam previdências realmente públicas e muito menos universais, mas só as primeiras tentativas de previdência sustentada pelos sócios.

Em nossos dias podemos concluir que a sociedade pode se apossar das riquezas também de outras formas além de aumentar o consumo e o tempo livre: aposentando seus membros; fornecendo-lhes saúde, educação, artes, lazer etc.; preservando a natureza; criando espaços públicos; investindo em ciência.

Já que começamos falando de robôs, temos que tratar de um problema novo. Marx não achava que o capitalismo chegaria tão perto do lucro zero (para ele cairia antes) de forma que não pensou a respeito. O lucro zero, ou próximo de zero, exigirá que vários setores onde o lucro chegar a esse nível sejam assumidos como serviços públicos ou parcerias público-privadas. Em artigo no Estudos Vermelhos já tratei dos robôs e da tendência constante à queda dataxa de lucros, de forma que aqui só preciso lembrar que a taxa de lucro média cai constantemente e para os mais apressados tende a zero dentro de uns 20 ou 30 anos, o que seria um curto-circuito no capitalismo. Exemplifiquemos: Se a produção de X caiu ao lucro zero, provavelmente devido aos robôs, nem por isso a sociedade deixa de precisar de X. Mas o capital não procurará mais esse setor, porque procura os maiores lucros. Para que não parasse a produção de X, a não ser que X tivesse se tornado tão espalhado quando o ar, a sociedade teria que assumir seu controle. Claro que se trata somente de um exercício intelectual, pois calcula-se que antes de atingir o lucro zero o capitalismo já teria entrado em colapso.

Para entender melhor o caso do lucro próximo a zero, note-se que alguns setores da economia têm o retorno tão demorado, ou seja, taxas de lucro anuais tão baixas, que o capital não flui para eles, o que, aliás, é o motivo pelo qual tem sucesso a chamada Via Prussiana de Desenvolvimento – os setores pesados da economia, a indústria de base, se forem abandonados à sorte do mercado crescem muito lentamente, porque somente quando sobra muito capital sem destino certo é que este flui para esses setores. Portanto, o Estado prussiano tomou a seu cargo impulsionar esses setores, o que é não só a base da riqueza alemã, como foi o modelo seguido por Japão, União Soviética, China etc., e mesmo a pouca indústria brasileira é fruto da Via Prussiana, que foi o modelo seguido por Getúlio Vargas.

Em outras palavras, outra forma como a sociedade pode se apossar das riquezas que produz, é ampliando os setores da economia que são serviços públicos, e não mercado. É o exemplo acima dito de outra forma. A produção de X, no caso, ao ser assumida pela sociedade, faria do fornecimento de X um serviço público. Então, obviamente, existem setores em que se pode e deve fazer isso sem chegarmos ao lucro zero. É o caso dos setores monopolizados da economia, que muito ao contrário de lucro zero, têm as maiores taxas de lucro possíveis. Mas ai já estamos falando de outra fase da Revolução Socialista, quando o proletariado já tiver o poder, o que não cabe nesse artigo.

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