Entre o Projeto de Desenvolvimento Nacional , a Ação Partidária e a Tábula Rasa: a trajetória política de Ciro Gomes - Parte 1


André Luan Nunes Macedo- Professor de História
Doutorando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto

Itália, décadas de 10 e 20. Mussolini e Gramsci fazem parte da mesma organização política, o Partido Socialista Italiano (PSI). Diante de divergências partidárias e, consequentemente, expulso do PSI, o fundador do fascismo italiano assume um projeto político anticomunista a partir de suas milícias – os camisas negras -, recebe o respeito e apoio da burguesia nacional e é prezado pelo Rei Vitor Manuel III, tornando-se Primeiro Ministro e Primeiro Marechal do Império da  então República Social Italiana. A habilidade que Mussolini teve para reprimir os movimentos de resistência, devido ao fato de ter profundo conhecimento do socialismo, levou a Itália a ser a ponta de lança/ provocadora de uma das maiores barbáries da humanidade: a Segunda Guerra Mundial.
A biografia de Mussolini deu condições para estabelecer uma identidade homogeneizante entre comunistas e fascistas por meio da categoria de totalitarismo. Afinal, as experiências históricas sugadas da União Soviética – como o regime de partido único e a repressão contra opositores – grosso modo dão condições para realizar essa identificação direta. No entanto, se tivermos como ponto de partida essa vã sociologia, esquecemos da experiência histórica, da adesão de uma frente imperialista composta por França, Alemanha e Inglaterra de combate ao “bolchevismo soviético”, em pleno processo de reestruturação e crescimento, dentre outras nuances incapazes de se encaixarem no conceito de totalitarismo sem que haja um antagonismo de significados.
Vamos ao Brasil dos anos 80. Francisco Weffort, importante cientista social uspiano e claramente anti-trabalhista, anti-nacionalista e anti-getulista, foi um dos fundadores do PT. Lá ficou de 1981 a 1994. Quando convidado por Fernando Henrique Cardoso para assumir o Ministério da Cultura, “vira a folha” e se filia ao PSDB. A troca de cadeiras também acontece para o lado oposto. Bresser-Pereira, economista que hoje faz parte do campo progressista, foi membro do alto escalão tucano durante os governos FHC. Cabe lembrar que ambos partidos se identificavam com uma visão “modernista de esquerda”, disposta a combater o “getulismo” e o “populismo” no Brasil.
A realidade não cabe nos moldes do purismo esquerdista. Como podemos perceber, não é possível compreender a luta política e a movimentação das elites em determinadas conjunturas por uma lupa superficial. Existem determinados fatos que dividem a opinião pública e geram uma dinâmica fluida de posições. Para analisar a realidade, é preciso, parafraseando Brizola, “navegar em águas mais profundas, ir além da espuma do mar”.  E é assim que devemos encarar a política de Ciro Gomes.
Antes de qualquer coisa, estamos falando de um político que veio do interior do Ceará. Ciro foi convocado por seu pai para fazer parte do PDS, partido do setor conservador e que arregimentava os defensores da ditadura a nível nacional. Seu pai foi um político advindo do setor público. Segundo o próprio Ciro, ele fazia parte do movimento estudantil da Universidade Federal do Ceará, mais próximo da esquerda católica e do Partidão[1]. Assim que eleito em 1982 e conseguido os votos necessários para sua vitória, Ciro foi para o PMDB. Posteriormente, o gramsciano de Sobral – como gosto de chama-lo – passou por PSDB, PPS, PSB, PROS e, atualmente, se encontra no seio do trabalhismo brasileiro, vanguarda fundadora do desenvolvimentismo – o PDT. [2]
Não entrarei em pormenores quanto à participação de Ciro nos demais partidos. Posso afirmar, no entanto, que sua troca constante de agremiações partidárias é muito mais uma virtude que necessariamente uma fraqueza. Explico:
Primeiramente, Ciro estabelece sua biografia dentro de um regime pluripartidário. Por razões jurídicas e políticas, ele tem o pleno direito de se sentir desconfortável e mudar de organização partidária como bem entender. Ainda mais se suas ideias e ações políticas estiverem sendo duramente confrontadas internamente. Ou, até mesmo, se a relação entre seu projeto político e impacto de poder deste projeto estiver ameaçado ou drasticamente recuado.
A luta política é uma luta de trincheiras. A organização partidária é uma mediação desse processo. Um instrumento. Não é somente um objeto de paixão, e sim de raciocínio político. Não podemos nos deixar enganar e acreditar que a política é uma simples profissão de fé. Ela envolve uma série complexa de tomada de decisões que, se pensadas a partir de um purismo ideológico, sequer consegue ter adesão no seio do povo, nossa pluralidade e complexidade por excelência.

Em segundo lugar, sugiro para aqueles desconhecidos analisarem a trajetória desenvolvimentista de Ciro. Sempre teve um “idioma cepalino”[3] quanto às suas ideias na área da Economia Política. Também tem consigo um apelo anti-neoliberal[4]. Ciro fez parte do PSDB de Mário Covas, que defendia as teses advindas da CEPAL e da necessidade de uma política industrial que conseguisse combater a inflação. Não aceitou as concessões feitas ao presidencialismo de coalizão de FHC e seu regime de venda do Estado Nacional a preço de banana[5]. Ao mesmo tempo, investe em infraestrutura para as maiorias de seu estado. Seu governo reduziu 34% da mortalidade infantil e foi premiado pela UNICEF.

Nas eleições de 2002, quando já fazia parte do  PPS, recebeu o apoio de Leonel Brizola para sua candidatura e construiu uma Frente Trabalhista. Após as eleições, assiste o líder do Partido Roberto Freire se associar com José Serra e o tucanato. Assim como todo o campo progressista, inclusive Brizola, assume o lado político do PT. Entendia que ali havia uma “vocação desenvolvimentista” e assume a pasta de Ministro da Integração Nacional. Em alguma medida estava correto. Por mais tímido que fosse a energia mudancista do governo Lula, ela garantiu benfeitorias de larga escala no que diz respeito à concessão de crédito para a classe trabalhadora e quanto ao investimento em infra-estrutura, se comparado com os governos tucanos, principalmente quando o assunto é o nordeste brasileiro. Ciro foi o dirigente que conduziu a obra mais histórica do governo Lula para o desenvolvimento regional do nordeste: a transposição do Rio São Francisco[6].
Diante da sua biografia, o que querem seus difamadores? Desejariam que ele se mantivesse no campo político da fisiologia do PDS e não compor a resistência mais frentista estruturada no PMDB? Que ele se mantivesse, por exemplo, ao lado de Roberto Freire e José Serra? Que assumisse uma posição alheia ao campo político mais progressista da nação?

Continua...




[1] Ver https://www.youtube.com/watch?v=7cem3_ExpFM
[2] O PDT obviamente é a referência trabalhista após o Golpe de Golbery e Ivete Vargas em Brizola, quando ambos vetaram a entrega da legenda. O PTB sucumbiu ao fisiologismo e à reação. Tornou-se o Partido de aluguel do promotor do mensalão Roberto Jefferson. E, absolutamente, nada tem a ver com o projeto nacional de desenvolvimento proposto pelo trabalhismo brasileiro dos anos 60 e do brizolismo.
[3] Ciro é um seguidor das correntes teóricas e políticas de Celso Furtado, Raul Prebisch. Ambos foram importantes intelectuais da Comissão Economica para o Progresso para a América Latina das Nações Unidas (CEPAL). Corrente conhecida basicamente por defender um protecionismo industrial e, concomitantemente, uma perspectiva de substituição de importações em detrimento da deterioração dos termos de troca comerciais estabelecidos entre as nações centrais e periféricas.
[4] Sugiro a leitura de seu livro, em parceria com Mangabeira Unger o Próximo Passo: uma alternativa prática ao neoliberalismo, de 1996.
[6] https://www.youtube.com/watch?v=QcDMePmAu_M



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