Desenvolvimento Nacional versus Imperialismo: A candidatura de Ciro Gomes



André Luan Nunes Macedo – Professor de História
Doutorando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto

Qual é a contradição sob a ótica da luta de classes a ser encarada no pleito eleitoral em 2018? Quais são os projetos em disputa que estão em jogo?

Pensando em uma grande narrativa sobre a história brasileira, Aldo Rebelo afirma que a história moderna do Brasil foi dividida entre grupos políticos que se associavam ao getulismo enquanto projeto nacional e seus opositores. Estes, em grande maioria, às burguesias estrangeiras e, em síntese, ao conglomerado dominante edificador do capital rentista e financeiro. No caso do getulismo, as forças que compõem esse possível “bloco histórico” seriam o povo trabalhador, setores intelectuais nacionalistas e uma burguesia nacional “produtora” – ou, nos termos da economia política- a chamada burguesia industrial. Esse antagonismo sintetizaria, na opinião do ex-Ministro da Defesa, a Questão Nacional brasileira.

Partindo desse pressuposto, há aqui uma eleição clara do tipo de visão estratégica a ser assumida. Assumindo uma dialética bem próxima àquela proposta pelo Filósofo Álvaro Vieira Pinto, entende-se que existem, na luta de classes, contradições principais e secundárias. Nesse sentido, a contradição principal é a luta direta contra o imperialismo e sua utopia de fazer do Brasil um comprador de iPads e automóveis produzidos localmente por seus satélites multinacionais. Concomitantemente, deseja também que o Brasil seja um bom vendedor de carne bovina, soja e minério de ferro. Para isso, é necessário garantir uma superestrutura cultural capaz de enxertar o tesão pelo consumo dos produtos industrializados de alta tecnologia chiquerrimamente produzidos outside the country no coração e mente de cada brasileiro, seja ele do Araripe ou de Bagé. É a aliança entre as multinacionais instaladas principalmente em São Paulo e Roliúde que fazem com que a novela das sete da Globo seja uma imitação abrasileirada de Game of Thrones. Garante-se com isso, uma classe média enfurecida e anti-protecionista a priori, louca com o fim dos impostos e, lá no fundinho de sua subjetividade inconsciente -  a anexação do Brasil aos Estados Unidos.

A contradição principal seria a luta direta contra essa amálgama que faz com que ocorra a desindustrialização da Nação. Afinal, pra quê desenvolvermos parques industriais se ter um Nike é muito mais legal? Para que produzir um computador próprio se nunca conseguiremos atingir a qualidade de um Dell? Pra quê ter uma indústria farmacêutica se o bom mesmo é tomar Tylenol? Pra que defender o espaço aéreo com uma indústria militar própria se nosso monitoramento é tão bem feito pelos Brothers of AmeriKKKa?

Para o banqueiro Made in AmeriKKKa, tudo em paz. O Ministro da Fazenda é sócio menor do Bank of Boston. A conta para o brasileiro é simples, na visão da intelligentsia lacaia e burguesa pró-EUA:  Aumenta-se gradativamente os níveis de consumo a partir de concessões de crédito. Medidas protecionistas são desprezadas. O mercado interno aumenta sua demanda por consumo a partir de um aumento do crédito. Por fim, o 1 real emprestado para cada cidadão brasileiro vira 470 a serem pagos no fim do ano. A receita de bolo do Armínio Fraga para a manutenção dessa maluquice vendida como ciência é o que sustenta o anti-getulismo e o que sustentou o consenso PeTucano. Aliás, coitado do Getúlio, mesmo suicidando-se para a defesa da indústria nacional e a soberania do povo brasileiro, tanto FHC quanto Lula quiseram assassiná-lo em tempos históricos distintos...

Essa polaridade entre desenvolvimento nacional versus imperialismo ganha força nos dias de hoje. Temos uma dívida externa impagável e, em grande parte, fraudulenta, que busca desmontar toda a resistência institucional das maiorias como Bloco Histórico e que, gramscianamente, garantiu uma mínima ampliação do Estado para a classe trabalhadora. O vampiresco golpista que ocupa a cadeira presidencial busca drenar parte dos recursos destinados ao trabalhador - que sentiu no lombo a trajetória da superexploração do seu corpo -  perder direitos antes tratados como universais pela CLT. A estratégia de Temer na sua Reforma da Previdência é o mesmo que solicitar a um paciente que necessita de transfusão de sangue o resto de sua hemoglobina para doação.

Diante deste quadro, alguns espectros voltam a rondar o círculo de interesses e de visão de mundo do povo brasileiro. Espectros programáticos e ideológicos que compuseram a luta política dos anos 50 e 60 e provocaram tamanho rebuliço nas elites deste país.  E, sem dúvida, são espectros advindos de uma escola política oriunda da tradição getulista e, consequentemente, forças motrizes do Bloco Histórico Trabalhista: as Reformas de Base promovidas por João Goulart com seu Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).

Atualizando esse pensamento para os tempos atuais, Ciro Gomes se filiou ao PDT e começou a construir uma plataforma política nos moldes das Reformas de Base, intitulando-o como Projeto Nacional de Desenvolvimento. Mesmo antes do golpe do Jaburu contra Dilma Rousseff, esse gramsciano de Sobral – prestem atenção nas suas noções de hegemonia intelectual e moral nos debates e vídeos disponíveis no YouTube– tem conseguido circular suas ideias país afora. O cearense assumiu a contundência retórica de Leonel Brizola e tem dado grandes contribuições para a solução da Questão Nacional.

Impressionante tem sido sua erudição popular. Para explicar a situação fraudulenta e complexa do pagamento da dívida externa, Ciro relembra Brizola com suas metáforas ao detectar que os últimos ministros da fazenda colocam o “Tatu no Toco” sem explicar as razões pelas quais esse Tatu faz parte do orçamento da União, por exemplo. Utiliza-se de uma coloquialidade própria do seu regionalismo e não se deixa vencer pelos marqueteiros, convencidos de que para ser um presidente no Brasil é necessário ser um “lorde inglês”.

Evitando falsas polaridades (coxinhas x mortadelas) tem passeado sobre seus adversários e sido bastante propositivo, em meio ao vácuo deixado após o colapso do consenso PeTucano (PT +PSDB) e da vergonhosa- e quadrilesca – posição imperialista do (P)MDB frente à história nacional. Isso sem contar que seu adversário ideológico em termos de disputa da liminaridade cultural (utilizando-me aqui do conceito de Nação proposto por Homi Bhabha) -Jair Bolsonaro - nada tem a dizer e ainda sobrevive graças à um conservadorismo difuso, pouco inteligente e contundente.  Não ousaria chamar o coitado de fascista porque, ao menos, Hitler e Mussolini foram inimigos de classe inteligentes e capazes de realizarem análises mais profundas sobre a conjuntura. Hitler jamais se daria ao luxo de dizer que os problemas econômicos da Alemanha seriam resolvidos por Goebbels ou quem quer que fosse selecionado autoritariamente como Ministro pelo Partido Nazista. Jair Bolsonaro é “pura estupidez”, parafraseando o camarada Ciro.

Não se pode vacilar nesse momento histórico. Todas as nações latino-americanas apresentaram soluções progressistas a partir de uma disputa pelo poder, mesmo que a circunscrição ideológica do Estado (burguês e liberal) se desse em condições adversas. Até mesmo o campo progressista quando elegeu Lula em 2002 e manteve o lulismo no poder a partir de Dilma Rousseff até 2016 se sustentou a partir da via democrática. Os tempos agora são outros. No entanto, o acúmulo de forças para a intensificação das lutas ainda depende do combustível das eleições. Não existem atalhos: ou elegemos um representante das forças populares ou não travaremos o golpe em curso.

Muito queria que Lula pudesse ser candidato. Não por sua vinculação ideológica, pautada num reformismo fraco e pendular quanto à questão trabalhista e de desenvolvimento nacional. Mas porque sua absolvição poderá ou não ocorrer (até me mantenho otimista quanto à sua não-condenação). Apesar disso, não é saudável para o ex-presidente se recandidatar. E, caso não se candidate, é preciso que a candidatura de Ciro Gomes seja fortalecida, como tática política de enfrentamento e de compromissos futuros. E, quem sabe, num segundo turno entre Ciro e os tucanos, com o apoio de Lula e sua forte base social para a candidatura do cearense. Caso Lula se candidate, é bem provável que a disputa eleitoral das esquerdas, divididas entre trabalhistas e petistas, se dê de maneira inversa daquela ocorrida em 1989...


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere.
Sobre Aldo Rebelo, veja seu debate sobre a questão nacional em : https://www.youtube.com/watch?v=c3N_8UNBFgY
                                                                                                         (Continua)

Quero dizer que é um prazer estar de volta escrevendo no Del-Pueblo mais de meia década depois de minha saída do PCB. As curvas da luta política me deram a oportunidade de reencontrar nesse espaço que foi uma importante escola de formação. Agradeço ao dirigente do Blog, o camarada Alex Lombello, pelo convite para colocar minhas ideias aqui.


Comentários

Esse blog não tem propriamente um "dirigente". A pretensão é construirmos um espaço de debates de alto nível. Por isso, seja bem vindo de volta!
Wlamir Silva disse…
Bem vindo, companheiro! Uma dica: distribua o texto nos bons e velhos parágrafos... rsrs
AF Sturt Silva disse…
A atual política do PCB evita o debate de ideias na internet, só com a saída do "Del-Pueblo" do PCB blogs que isso passa a ser possível.