O FETICHE DAS ESQUERDAS PELAS ELEIÇÕES DOS EXECUTIVOS

Wlamir Silva
Professor
Historiador


“[O] direito de voto universal [...] trouxe muito mais [...]. Durante a campanha eleitoral, ele nos forneceu um meio sem igual para entrar em contato com as massas populares [...] e obrigar todos os partidos a defender-se diante de todo o povo dos nossos ataques às suas opiniões e ações; e, além disso, ele colocou à disposição dos nossos representantes uma tribuna no Parlamento, do alto da qual podiam dirigir a palavra tanto a seus adversários no Parlamento como às massas do lado de fora com muito mais autoridade e liberdade”. F. Engels, 1895.[1]

A polêmica da exclusão de candidatos nos debates no Rio de Janeiro[2] traz uma questão transversal e, de fato, maior. Trata-se do fetiche da esquerda com as candidaturas aos executivos. Cujo desdobramento denunciador é o paradigma de, eventualmente no Poder Executivo, se atribuir os fracassos e as contradições programáticas às armadilhas das coalizões, dando à tragédia anunciada ares de acidente de percurso.

As eleições e o sistema representativo são alvos de diversas discussões num campo “de esquerda”. Desde a negação extrema da atuação parlamentar, em nome de um exclusivismo da política não institucional ou de uma mal explicada “democracia direta”, até uma pragmática e conveniente adesão ou conivência com os vícios da política tradicional clientelista. Ou seja, do ascetismo inócuo à promiscuidade desqualificadora.

Detalhe da bancada do PCB na Constituinte de 1946, 10%
dos votos, influência pela consistência de programa e argumentos.

A história do sistema representativo nega a tese da atuação parlamentar de todo inócua. Os parlamentos tiveram um papel importante na institucionalização de direitos da classe trabalhadora, do Estado do bem estar social e das liberdades políticas. Desde a social-democracia europeia no século XIX e, no Brasil, desde a atuação do PCB em 1946, ao PTB e passando pelo MDB, ambos, aliás, tendo sido espaços de atuação política legal dos comunistas.

A ânsia de saltar os óbices da conquista de espaços parlamentares, quando honesta, mostra a impaciência para com a pedagogia política de longo prazo, de fundamentos claros e exercício cotidiano da coerência política. Numa mal disfarçada descrença na capacidade do exercício da autonomia pelos trabalhadores e setores populares. Por meio da qual brotam esperanças em arroubos espontaneístas e vanguardismos tolos.

Já a ambição desonesta pelos apressados poderes do político tradicional, que prospera pelo acesso às “tetas” do Executivo, bem sabe da imersão na lógica vigente. Sabe também como utilizar-se de discursos fantasiosos de promoção de benesses à população mais desassistida e, até mesmo, de simbolismos revolucionários simplórios. Seus manipuladores conhecem e alimentam a inércia política que lhes interessa e sustenta, em especial a da anomia dos trabalhadores.

A luta aberta por espaços parlamentares não colide com as ações de organização da classe trabalhadora em outros níveis. Ao contrário, se for feita com clareza de princípios e práticas, pode ser um meio de politização. Tanto nas campanhas como nos eventuais exercícios de mandato. Afinal, como pretender ser uma alternativa de poder se não o puder exercê-lo de forma a prefigurar novas ideias e práticas?[3] Por isso é processo mais lento, porque mais substancial.

Não se trata de sectarismo ou purismo irreal. É possível fazer alianças e acordos. Desde os que alinhem setores à esquerda aos que estabeleçam meios de viabilizar políticas que atendam à população, ou minorem seus males. Desde que sejam expostos, programaticamente, em alianças, e com seus termos e motivos, nas questões pontuais. Seria o exercício de uma pedagogia política emancipadora, inclusive dos limites incontornáveis da ordem vigente.



[1] ENGELS, Friedrich. Prefácio (1895). In: MARX, Karl. As lutas de classes na França. São Paulo: Boitempo, 2012, pp. 21-22.
[2] Isso se dá pela nova Lei Eleitoral aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidente afastada Dilma Rousseff em 2015, estabelecendo como exigência o número superior a nove parlamentares na Câmara dos Deputados ou, no primeiro turno, com a aprovação de pelo menos 2/3 (dois terços) dos pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária.
[3] Alguns dirão que sob o capitalismo não são possíveis tais prefigurações. Como se o advento do socialismo fosse uma panaceia imediata, como se a história do socialismo real justificasse tal pensamento mágico.

Comentários

Acrescentemos que essa mania de disputar os executivos esconde autoritarismo! É a ilusão de que o poder executivo é mais poderoso, é o que faz, e que tendo esse poder se pode fazer o que se quiser... Como sabemos, isso só seria possível ou comprando ou, com mais certeza, fechando o legislativo. Portanto é a velha esperança em um "salvador da pátria"... O que mais esperar dos petistas??? Alguns deles estão esperando até Jesus, porque não um salvador menor??? Eles hoje são crentes no mercado, porque enxergariam algum vício em nosso regime político???
Wlamir Silva disse…
Contém mesmo este autoritarismo, Alex, mas não é só o Petismo não...
Essa é realmente uma critica e uma perspectiva importante.