Wlamir Silva
Professor
Historiador
A “presidenta” Dilma Rousseff traçou um paralelo da tentativa
de golpe na Turquia com o impeachment em curso, ressalvando que lá ocorreu um “golpe
verdadeiramente militar”[1],
enquanto no Brasil ele seria um “golpe parlamentar”. Golpe porque estariam
sendo desrespeitados os resultados eleitorais de Tayyip Erdogan, eleito em
2014, já primeiro turno com 51.79% dos votos, e de seu partido que confirmou em
2015 a maioria no Parlamento turco[2].
Um blog lulista chegou a sugerir um paralelo de resistência, à Erdogan, contra
Temer[3].
Governar “à turca” é, há muito, sinônimo de governar de
forma despótica e violenta. Do uso de “meios
tão violentos quanto os dos turcos”, disse Montesquieu. A tentativa de golpe na Turquia faz jus ao
estereótipo eurocêntrico. Sem a pretensão ou, aqui, o interesse de compreender
as nuances e as contradições turcas, parece-nos claro que a perspectiva do
golpe militar não animou o povo turco e que a reação do governo se deu, no
mínimo, no mesmo diapasão. Os golpes militares turcos não prenunciavam
liberdades e a democracia turca tampouco, sob o signo da violência.
Os paralelos justificadores do “golpe” na conjuntura
política brasileira, voltados para o passado, têm se caracterizado pela sua
vacuidade. Este paralelo à turca não foge à regra. A abstração da violência,
rompendo a ordem institucional no intento de derrubar Erdogan ou na reação do governo
turco, é mesmo chocante. Não contradizem, no entanto, as comparações históricas
endógenas, em especial com o golpe civil-militar de 1964, mas também, é bom
lembrar, com alusões até ao nazismo.
O mote do “golpe” é a baliza para tratar o governo interino,
estabelecido institucionalmente e sem violência militar ou assemelhada, como o
promotor de enormes desgraças. Processos que já vinham sendo gestados no
governo afastado, como a “Reforma da Previdência”, são alardeados como
novidades absolutas do “usurpador”. A
crise que se arrastava e suas carências são denunciadas como maldades.
Quaisquer fatos desagradáveis são “festejados” em tom de alarme como sinais do
apocalipse trazido por Temer, o anticristo[4].
Nota-se certa nostalgia autoritária, banhada pela ficção que
edulcora o “golpe”. Ainda ontem, alardeou-se a prisão do ex-senador Eduardo
Suplicy na reintegração de posse na Zona Oeste de São Paulo[5].
O mesmo Blog lulista repercutiu o que, simbolicamente, mostraria um “país
doente”: Eduardo Suplicy preso, Eduardo Cunha solto[6].
A prisão de Eduardo Suplicy surge então como símbolo da violência autoritária,
atenuando o lamentado déficit de violência politica do “golpe
parlamentar-midiático-judiciário etc.”.
Mas, Eduardo Suplicy foi tratado “à turca”? Vejamos. O
respeitável petista deitou-se à frente da tropa de choque e foi carregado, sem
violência, até uma viatura e, de lá, conduzido à delegacia onde foi liberado. E
o que foi a reintegração de posse? Foi de propriedade da Prefeitura de São
Paulo – da qual Suplicy foi secretário – e porque em áreas de risco... Houve
resistência e o uso da força pela Polícia Militar. Houve abusos? Aparentemente não.
A Prefeitura petista achava que se podia fazer a omelete sem quebrar os ovos?
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Fatos comparáveis? |
Algo comparável às ações turcas, com suas centenas de mortos
e milhares de feridos?[7]
É claro que isso não quer dizer que sejamos um paraíso. Pelo contrário. Nossa
violência é endêmica. Conflitos rurais e indígenas, criminalidade, milícias
etc. Além da pobreza e da miséria, das carências de saneamento, saúde e
educação básica etc. Mas nada disso chegou com um “golpe”, nada disso é criação
de um “usurpador”. São mazelas que se arrastam, mais ou menos a céu aberto, e
não ficam melhores quando maquiadas por polianas marqueteiras.
Como se arrastam as perversidades do nosso sistema político, marcado pelo clientelismo, o tráfico de influência e tendo como seu corolário a crescente mediocridade do sistema representativo. Mas este fenômeno tampouco pode ser atribuído ao governo interino. O governo afastado e o anterior não tiveram nenhuma contradição com ele enquanto dele usufruíram. De fato estabeleceram relações profundas com os vícios citados, a eles aderindo e até a eles emprestando maior organização.
Como se arrastam as perversidades do nosso sistema político, marcado pelo clientelismo, o tráfico de influência e tendo como seu corolário a crescente mediocridade do sistema representativo. Mas este fenômeno tampouco pode ser atribuído ao governo interino. O governo afastado e o anterior não tiveram nenhuma contradição com ele enquanto dele usufruíram. De fato estabeleceram relações profundas com os vícios citados, a eles aderindo e até a eles emprestando maior organização.
Nada por aqui foi feito “à turca”. Nem o golpe, nem o
contragolpe, fato com o qual devíamos nos regozijar. Mas todo paralelo serve à
estratégia cega traçada por aqui. E nem se pretende mais barrar o impeachment,
mas apontar embates políticos adiante[8].
Neste contexto, é especialmente irresponsável o paralelo com a Turquia. Com
tantos escolhos sociais e políticos, devemos, ao menos, valorizar a erradicação
do golpismo de fato – não institucional e violento – e pensar a participação
popular paulatina, sólida e avessa a aventuras e quarteladas...
[4] A “Escola
sem partido” ou um editorial do Globo pelo ensino pago nas universidades
públicas. Quanto ao último, como se o mesmo não tivesse sido sugerido por
Bresser Pereira, como ministro de FHC, hoje lulista convicto, e como se ideias
conservadoras dependessem de golpismos, fossem de responsabilidade
governamental ou, pior, devessem ser, de alguma forma, eliminadas do espaço
público.
[7] Aliás,
em sua maior parte pelo governo que reagiu ao golpe...
[8]
Dilma Rousseff já foi politicamente descartada, como disse ela mesma: carta
fora do baralho.
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