Wlamir Silva
Professor
Historiador
Lemos numa crônica de Luís Fernando Veríssimo que Jair Bolsonaro ter-se-ia transformado de “direita folclórica” em “direita factível”[1]. Isso porque atingiu a prodigiosa marca de 5% de intenções de voto para presidente da República! Veríssimo é um dos arautos da “onda conservadora” – nenhum problema (e por que haveria?) escrever aquilo no Globo... -, e na crônica batizada de “Retrocesso”, não faz por menos: “Nesse ritmo, ainda restauraremos a escravatura”!
Lemos numa crônica de Luís Fernando Veríssimo que Jair Bolsonaro ter-se-ia transformado de “direita folclórica” em “direita factível”[1]. Isso porque atingiu a prodigiosa marca de 5% de intenções de voto para presidente da República! Veríssimo é um dos arautos da “onda conservadora” – nenhum problema (e por que haveria?) escrever aquilo no Globo... -, e na crônica batizada de “Retrocesso”, não faz por menos: “Nesse ritmo, ainda restauraremos a escravatura”!
Bolsonaro e seus assessores devem estar
exultantes, não porque almejem a presidência, mas porque com tal índice está
garantida uma retumbante reeleição, com ou sem disputa pelo cargo máximo como
aperitivo. E outros como ele ascenderão na trilha aberta... Sua imaginária viabilidade eleitoral, açulada
pelos paladinos do Lulismo e que auxilia ao seu crescimento político, substitui
a cada vez mais ridícula denúncia da perspectiva de um golpe. Assim como o foi
a ascensão de Eduardo Cunha, que não durou um mês...
A busca da direita mítica, que justifica a direitização do Lulismo no poder, não têm senso de ridículo ou escrúpulos. Na campanha eleitoral de 2014 a candidata do PSB Marina Silva, saída das entranhas do PT, foi tachada de “extrema-direita” e bombardeada de forma antiética pelas hostes lulistas. Parte dos ataques, é claro, era chama-la de frágil e, de certa forma, muito de esquerda, dependendo do público... O objetivo era evitar que Marina fosse para o segundo turno, no qual seria adversária mais dura, menos suscetível ao maniqueísmo desejado[2].
A liberalidade das imputações de “extrema-direita”
ou “fascismo” é típica da estratégia catastrofista dos defensores do Lulismo. É
fascista quem é contra as cotas raciais. São fascistas seu pai, tio ou tia que
estranham que homens se beijem em público. É fascista quem é contra o aborto.
São fascistas os que assoviam para moças nas ruas. É fascista que é a favor da
redução da maioridade penal. A “fascistização” de tudo permite supor o risco
iminente de um golpe, terríveis retrocessos, e sugere uma “união nacional” em
torno do Lulismo...[3].
O que alavanca Bolsonaro e assemelhados?
Parte de seu relativo sucesso advém de temas relativos aos costumes, sob a
rubrica da defesa da família, como o aborto e, sobretudo a homossexualidade e
gênero, concentradas no “casamento gay” e na proposta de uma dita legislação “anti-homofóbica”.
Arriscamo-nos a dizer que, no entanto, a grande questão para eles é a da
criminalidade e da segurança, até pela importância que isso tem para a população. Questão
hoje cristalizada na questão da redução da maioridade penal. É ali que se
concentram seus votos.
No momento da imaginária factibilidade de
Bolsonaro uma pesquisa revela que 62% da população tem medo da Polícia Militar.
Mais entre os que recebem até dois salários mínimos e têm entre 16 e 24 anos
(68%) e pretos (71%)[4].
Alguns farão disso um libelo contra o “fascismo” policial, mas recente pesquisa
do mesmo Instituto, apontou que 88% dos mais pobres apoiam a redução da
maioridade penal...[5].
Como imputar pena, menores ou não, implica a prisão e prisão implica polícia, a
população critica a violência policial, mas clama por segurança...
É que a população é muito mais sensata e
sofisticada em pensar a questão da criminalidade que nossos governantes, que a nossa
“direita”, que a reduz ao exercício da violência, e que a nossa “esquerda”, que
a reduz à estigmatização da polícia. Por isso Bolsonaro e quejandos batem no
teto dos 5%, por isso nossas “esquerdas” não passam do 1% ou, em sua versão oficial, "compra" seus votos com políticas compensatórias baratinhas e facilidades de consumo oriundas do efeito China... A população, em
especial a trabalhadora, rejeita a insensibilidade da direita tacanha e, ainda
mais – isso é algo a se pensar – o irrealismo da “esquerda” etérea... Querem Estado de Direito, que inclui a segurança, com o exercício do monopólio da violência por este Estado.
Outros temas que se tornaram definidores
de uma “nova esquerda”, como as questões de gênero, homossexualidade, maconha,
identidades “raciais”, ações afirmativas etc., alimentam a “direita”. Eles são
para a massa da população secundários. Como reconhecem diversos analistas, a
população é conservadora no âmbito dos costumes[6].
Isso é relativo, segundo pesquisas de opinião de 2012, 69% opinaram que o
homossexualismo “deve ser aceito por toda a sociedade”, mas também 83% foram pela
manutenção da proibição do uso de drogas...[7].
Tais questões dividem a população, por
vezes surpreendendo, como os 68% pela proibição da posse de armas (vide o
plebiscito de 2005), ou desnudando perigosas manipulações políticas, como a
rejeição de 55% à pena de morte[8].
Assim, num esforço de trazer para o centro da discussão política a “maioridade
penal”, e desviar da crise evidente, Lula mistificou: “Sei que é um tema que se
for pra plebiscito ganha, como talvez ganhe a pena de morte”[9].
Ao identificar os 88% pró maioridade com
42% pró pena de morte, menos que a metade, Lula faz, num só movimento, três
desserviços à vida política brasileira: 1) fortalece os defensores da pena de
morte, e seu campo político, dando a eles uma excessiva popularidade e
aproximando deles os que concordam com a redução da maioridade; 2) põe no
centro do debate político algo que é periférico, ainda mais pelas condições de
precariedade da estrutura de segurança, prisional e de socioeducativa; 3)
decreta uma suposta ignorância popular a ser contornada.
Se há uma “ignorância popular”, ela deve ser
enfrentada no campo das ideias, no espaço público. E isso implica em informação
e nuances. Afinal, porque a tolerância com a aceitação dos homossexuais de 69% não
se reflete no apoio ao “casamento gay”, em apenas 40%[10]?
E o que é uma “Lei anti-homofóbica” ou uma "educação sexual", da qual não se conhece o texto, e cuja “discussão”
se resume à troca de slogans ofensivos? Alguém se propõe a ir a uma fábrica explicar que onde os transexuais vão fazer xixi é uma grande questão nacional? Isso para ficar apenas num exemplo... Os envolvidos devem pensar suas estratégias no
sentido de informar e convencer a sociedade[11].
Não haverá golpe, porque não há ameaças
que o valham, ou articulações com base social que o sustente[12].
Não haverá grande retrocesso porque não houve grande avanço, e o que houve não
feriu interesses poderosos. Quem deseja defender o Lulismo deve ter a
honestidade de fazê-lo pelo que ele é, e não ficar gritando “o golpe vem aí!”
ou “o Fascismo vem aí”, como o menino da fábula... Porque não é só a sua
credibilidade que se se esvai copiosamente, mas o necessário cuidado da
sociedade com tais temas se perde se “o lobo nunca vem...”.
Não será restaurada a escravatura, ou
criada uma Ku Klux Klan que nunca tivemos, fato que parece incomodar alguns,
que têm a nostalgia do mal que não houve por aqui, assim como dos estupros
coletivos da Índia ou do Congo, ou de atentados contra meninas que teimam em ir
à escola e burkas... Nosso "racismo - ou machismo, ou homofobia... - pior que o dos outros" é um patrimônio dos sem senso... Mas este estigmatizar um horizonte conservador de massas
trabalhadoras, por alguns encastelados no aparelho estatal e em circuitos “bem-educados”,
não fará avançar solidamente os costumes e, certamente atrasará a longa politização
necessária para mudanças sociais de verdade.
[1] http://oglobo.globo.com/opiniao/retrocesso-17012097
[2] É claro, a candidata de “extrema-direita”
seria convidada a apoiar a candidata de “esquerda” no segundo turno...
[3] O Fascismo, assim como o
integralismo, no Brasil, foi um movimento de massas. Sua complexidade histórica
é negada, em parte por ignorância, em parte por conveniência. Deixo claro que, para mim, AS COTAS RACIAIS SÃO CONSERVADORAS... Porque:
1) Não resolvem, antes escondem, os problemas do ensino básico.
2) São ineficazes, uma miragem, para uma massa que sequer termina o ensino médio ou o faz em condições calamitosas.
3) Promovem o conceito obsoleto de raça e o racismo, com a classificação "racial" e os supostos critérios objetivos dela.
4) Mistificam um processo histórico complexo no qual, por exemplo, negros (sobretudo nos padrões do IBGE) foram muitas vezes proprietários de escravos e, talvez, sejam estes os, hoje, beneficiados pelas cotas.
5) Fortalecem movimentos que separam a população e os trabalhadores pela cor e suposta identidade cultural, dividindo-os e afastando-os de uma perspectiva universalista de emancipação humana.
6) Alimentam uma "história" voltada para promoção de identidades definidas pela cor ou "cultura" que adensa a divisão supracitada.
2) São ineficazes, uma miragem, para uma massa que sequer termina o ensino médio ou o faz em condições calamitosas.
3) Promovem o conceito obsoleto de raça e o racismo, com a classificação "racial" e os supostos critérios objetivos dela.
4) Mistificam um processo histórico complexo no qual, por exemplo, negros (sobretudo nos padrões do IBGE) foram muitas vezes proprietários de escravos e, talvez, sejam estes os, hoje, beneficiados pelas cotas.
5) Fortalecem movimentos que separam a população e os trabalhadores pela cor e suposta identidade cultural, dividindo-os e afastando-os de uma perspectiva universalista de emancipação humana.
6) Alimentam uma "história" voltada para promoção de identidades definidas pela cor ou "cultura" que adensa a divisão supracitada.
[4] Oito em cada dez brasileiros temem ser vítimas de assassinatos, diz pesquisa.
http://tnh1.ne10.uol.com.br/noticia/brasil/2015/07/31/328054/oito-em-cada-dez-brasileiros-temem-ser-vitimas-de-assassinatos-diz-pesquisa
[5] http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2015/04/1620652-87-dos-brasileiros-sao-a-favor-da-reducao-da-maioridade-penal.shtml.
Veja http://saojoaodel-pueblo.blogspot.com.br/2015/04/tudo-farei-para-o-povo-nada-porem-pelo.html
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2012/12/1206138-tendencia-conservadora-e-forte-no-pais-diz-datafolha.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/07/1651242-reducao-da-maioridade-joga-nas-costas-do-jovem-o-que-estado-nao-fez-diz-lula.shtml[10] Maioria é contra legalizar maconha, aborto e
casamento gay, diz Ibope.
http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/09/maioria-e-contra-legalizar-maconha-aborto-e-casamento-gay-diz-ibope.html
[11] Recentemente a católica Irlanda
aprovou o “casamento gay”, após debates e plebiscito, com 62% de apoio popular,
sustentação semelhante aos EUA, também há pouco... O que isso significa em
termos de solidez da mudança de costumes? Veja Irlanda aprova em referendo o casamento gay com 62% dos votos.
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/05/irlanda-aprova-em-referendo-o-casamento-gay-diz-tv-local.html.
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/05/irlanda-aprova-em-referendo-o-casamento-gay-diz-tv-local.html.
[12] O golpe de 64 envolveu uma década
de convencimento do empresariado e setores das forças armadas, a emergência de
projetos reformistas de fazer corar o Lulismo, um contexto internacional de
Guerra Fria e apoio dos EUA a tais procedimentos e, ainda, teve apoio de setores
liberais relativamente amplos. Apoio ao golpe hoje, só se for com financiamento
das empreiteiras para barrar a Lava-Jato,
e nós sabemos os maiores interessados nisso no campo político...
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