Wlamir Silva
Professor
Historiador
No calor das discussões dos “ajustes” da crise econômica a
classe trabalhadora brasileira obteve, paradoxalmente, sua maior vitória nos
últimos 15 anos: a mudança do fator previdenciário. O que significa vencer nos
desvãos sombrios da crise e da suposta “onda conservadora” ou, até, “golpista”?
A aprovação da aposentadoria com proventos integrais (ainda
que com o teto da previdência, hoje de R$ 4.663,75) para os que cumprirem a
fórmula 85/95, com a soma da idade com o tempo de contribuição, com 85 para
mulheres e 95 para os homens, tem grande significado. Não é à toa que o a regra
anterior foi tabu desde a sua criação em 2000.
É uma conquista universal e estrutural para o conjunto da
classe trabalhadora, acompanhando, até certo ponto, as suas bases salariais. Ao
contrário de políticas compensatórias que se caracterizam por serem baratas –
por vezes sem custos –, manterem e maquiarem a pouca valorização do trabalho e
tirarem dos trabalhadores para minorar a vida dos “miseráveis”.
O impacto é enorme, até porque a renda dos aposentados é
muito significativa nos orçamentos familiares, em vista dos baixos salários da
maior parte dos trabalhadores. Ou um peso naqueles orçamentos, pois devido a
perdas de até 40% na aposentadoria muitos aposentados se tornam fardos para os
mais jovens.
A renúncia do Estado em reconhecer os ganhos de uma vida de
trabalho, agravada com a não isonomia dos reajustes[1],
iniciada por FHC no ano 2000 e mantida por Lula e Dilma por 12 anos, se insere
na lógica neoliberal de arrochar a classe trabalhadora. “Em troca” da qual
criou-se uma miríade de “políticas sociais” destinadas a minorar a miséria por
meio de concessões.
O mais significativo é o fato de que tal conquista é um
direito universal, que independe de humores eleitorais e fluxos de caixa
momentâneos. No imaginário dos trabalhadores é apenas justiça, não “bondades”
de “salvadores da pátria”, ao trabalho realizado por décadas. Um fruto do
trabalho e, portanto, um índice do que os une.
A estes trabalhadores não sensibiliza – e por que deveria? –
uma economia de R$ 56,9 bilhões pelo fator previdenciário de 2000 a 2013, ou as
avaliações “macroeconômicas” de prejuízos. Eles veem bilhões se esvaindo pelos
ralos do clientelismo, da corrupção e da incompetência diariamente, assim como
a prodigiosa concentração de riqueza na “5ª economia do mundo”. Por que
deveriam abrir mão dos frutos do trabalho?
Os trabalhadores não são contra a austeridade das contas
públicas, ou a exigência de eficiência administrativa. Ao contrário, buscam
isso. Mas não o encontram de fato na classe política. Intuitivamente sabem que
não é no mundo do trabalho que se encontram os nós da crise, ou da situação
inercial do país. Assim como percebem cada vez mais que a multiplicação de programinhas
localizados não leva a lugar nenhum.
E como se deu tal vitória? No embate surdo de forças, no
mais, conservadoras, em busca de votos futuros. E pela mesma lógica
dificilmente a presidente da República vetará... Isso devia ser uma boa lição para os que
entendem que devem apoios incondicionais a um governo que nunca enfrentou
nenhuma questão estrutural e vive de dividir os trabalhadores para viabilizar a
ordem social vigente, em troca de migalhas perfeitamente inscritas na lógica
dominante.
E também devia alertar os que, para além das declarações
formais, abandonaram a classe trabalhadora em favor de demandas identitárias
(de “raça”, gênero, sexo, periférica, marginal etc.) e fragmentárias. Desistindo
da perspectiva de classe – complexa e construída – e da longa e incontornável
busca da emancipação humana como projeto universal.
Não há de fato um paradoxo que a classe trabalhadora encontre tal ganho no seio
da crise. A crise pontual apenas desnuda os pés de barro da “revolução
silenciosa” apregoada por espertos demais e acreditada pelos tolos demais. A
reforma da previdência de 2003, a privatização dos fundos de pensão e o
intocável fator previdenciário são índices disso.
E se a emancipação da classe trabalhadora, que prepara a
emancipação humana, só pode ser feita pela própria classe trabalhadora – em busca
do que a une –, tal caminho exige que se estimule a prática da autonomia, do
debate e, em consequência, do combate à fragmentação, aos “salvadores da pátria”
e dos supostos processos silenciosos e inconscientes de mudança social.
http://aeltec.blogspot.com.br/2010/12/fator-previdenciario-e-inconstitucional.html
[1] http://www.agora.uol.com.br/grana/2015/03/1607741-manobra-de-dilma-evita-reajuste-das-aposentadorias.shtml
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