
Desde Junho de 2013 iniciou-se a fase que se pode chamar de
decadência do regime de 1988. O passo que faltava para a desgraça desse regime
era a perda de seu último recurso moral, da última esperança de que o país
pudesse se livrar dos parasitas que o sugam sem precisar mudar de sistema
político, e essa esperança era o Pt. A traição petista, contudo, ao invés de
liquidar a luta de classes, como sonhavam seus protagonistas e muitos
espectadores, a libertou de várias amarras, a reinaugurou, uma vez que abriu a
caixa de Pandora da troca de regime político.
É natural em todo país que os regimes nasçam e morram, e no
Brasil o regime de 88 já está durando mais que a média. De 1822 a 1831
estivemos sob o regime ambíguo de Pedro I, que tentou centralizar o poder em
suas próprias mãos e caiu. De 1831 a 1840 tivemos outro regime de transição, a
Regência, primeiro governo realmente brasileiro, que, como se nota, durou os
mesmos parcos 9 anos do Primeiro Reinado. A Regência era um regime de transição
por definição, mas mesmo assim deve-se salientar que caiu alguns anos antes do
que deveria ser seu fim natural. Depois tivemos o maior período político da
história do Brasil, com 49 anos, o Segundo Reinado. Na última década esse
regime também foi marcado por crises e movimentos de massas, a exemplo da
Revolta do Vintém, que guardadas as devidas proporções lembra as jornadas de
Junho de 2013. A Primeira República durou 41 anos, ficando em segundo lugar em
duração, e todos os livros didáticos explicam que sua decadência começou no
marcante ano de 1922, sendo seu fim 8 anos depois. O período Vargas durou 15
anos, e a “democracia” que se seguiu, muito semelhante à atual, durou menos de
20 anos, e como sabemos, a ditadura que se seguiu durou pouco mais que isso. Se
contarmos de 1988 até 2015 já temos 27 anos de “Nova República”, o que já coloca
esse regime em terceiro lugar em duração. Contudo, como sabemos, não é um
regime realmente democrático, nem eficiente, nem muito menos decente. Em 2013
ficou claro que muitos milhões de brasileiros já estão sem nenhuma paciência
com esse regime, ou seja, todos notaram que o sentimento é geral, e os mais
esclarecidos logo perceberam que portanto a constituição de 1988 estava
condenada.
Quando o PCdoB ainda não era uma tendência externa do Pt, as
vezes algum militante perguntava a João Amazonas porque apoiar tal quadrilha,
que combatíamos (o autor era da UJS e do PCdoB até 2004) na base dos movimentos
sociais, para evitar que estes fossem parasitados e destruídos, que
infelizmente foi o que acabou acontecendo. Amazonas respondia que enquanto o Pt
não chegasse ao governo e o povo não se decepcionasse com essa experiência, ou
seja, enquanto o povo não testasse o caminho que os estudos demonstram ser
fracassado, esse povo não desistiria de tentar esse caminho, aparentemente mais
fácil, menos sangrento etc. Bom, é exatamente o que aconteceu. O povo agora
está decepcionado com o Pt, e daí não tem mais esperanças no regime. Em Junho
de 2013 a violência policial fez explodir esse descontentamento. Os cartazes
dos manifestantes mostravam então, em grande maioria, um descontentamento com o
que o vulgo chama de “A política”, que é o regime político. Os serviços de
inteligência chegaram à mesma conclusão, tanto que para fazer o movimento
refluir a presidente foi à TV anunciar uma Constituinte para a reforma política,
e essa foi uma das medidas que realmente mais fez refluir o movimento.
O anúncio de uma reforma política foi tão impactante que as
TVs abertas, verdadeiros partidos capitalistas do Brasil, esqueceram as ruas,
deixaram de lado a disputa do movimento em que se tinham engalfinhado dias a
fio sem sucesso quase nenhum, e voltaram todas as suas baterias contra a
reforma anunciada, que nem era grande coisa. A acreditar no discurso de todos
os partidos de esquerda, e ao analisar a composição atual do Congresso, conclui-se
que a reforma política que for feita por tal Congresso só poderá ser uma
contra-reforma, um atraso, um fortalecimento dos grandes partidos corruptos que
já dominam a cena política há 27 anos. Porém, na verdade, o melhor para as
classes dominantes é que não mude nada, como ficou claro com a reação
desesperada diante do anúncio da presidente Dilma em 2013.
Porém, a opção de não reformar está descartada. Reformar é
requisito básico para esse regime estender sua duração de existência sobre a
Terra. A direita, então, não podendo manter sua posição ideal, e tendo o
Congresso em mãos, está prestes a fazer uma reforma política conservadora, com
a qual ela julga que vai banir a esquerda do mapa político e ao mesmo tempo
enganar o povo. Não aceitam, as classes dominantes e seus representantes
políticos e ideológicos, que existem classes sociais, e daí formulam
estratégias que necessitariam de poderes mágicos para darem certo.
Mas antes de analisarmos as proezas do pastor que ora
preside a Câmara dos Deputados e suas supostas vitórias, precisamos analisar as
bases sociais de tal espetáculo. Em Junho de 2013 as classes sociais se viram e
acabaram se enfrentando nas ruas. No início o movimento era completamente
plural, com todas as classes sociais e todas as tendências políticas. Os
governistas, petistas, obviamente, foram os primeiros a saírem, praticamente
tocados. A direita tentou aproveitar e expulsar toda a esquerda, e parecia que
conseguiria, e em cidades pequenas e conservadoras o fez, mas nas capitais, como
em muitas cidades, acabou não conseguindo,
e retirou-se resmungando, ou separou-se. Esse processo não foi isento de
violência. No final de Junho, em uma capital como Belo Horizonte, havia três
grandes grupos de manifestantes que já não caminhavam juntos – um de esquerda,
um pacifista onde ainda se alojava a direita, e um “black bloc” que caminhava
em direção a polícia para enfrentá-la. O papel da polícia treinando nossa
juventude para futuros combates de ruas foi muito divertido, mas não é nosso
assunto aqui.
Em outras palavras, as classes sociais começaram o mês
concordando em que “A política” precisa ser completamente modificada, e o
terminaram divididas, tendo se “esbarrado” mais de uma vez nas ruas. Nas ruas e
na rede, fique claro. Aliás, o papel da internet para acelerar a percepção de
que o atual regime político não presta, e para colocar as classes em conflito
pela opinião pública é óbvio. Em Junho de 2013, para terror das TVs abertas, os
cartazes dos manifestantes eram todos pautados pela internet, quase nenhum
refletia nenhuma bandeira levantada pelas TVs. Aliás, os carros e os repórteres
das TVs abertas eram atacados nas ruas.
Desde então a luta de classes está aguçada, e as eleições de
2014 foram marcadas pela polarização de classes. Toda a campanha foi
irracional, sentimental, animalesca, ideológica, e refletiu somente o ódio
entre classes sociais, e não um debate racional. Como sempre acontece, as
classes dominantes, mais organizadas e preparadas, saíram na frente, e estão
permanentemente mobilizadas e agindo desesperadamente desde Junho de 2013.
Gente que antes não se definia e até flertava com a esquerda, como se fosse
tudo uma brincadeira, agora tomou posição. As dondocas estão batendo panelas.
Ao se verem muitas vezes sozinhas em campo, essas forças medievais se acham
fortes, e deliram! O choque entre o medo da extinção e momentos de glória é
muito forte, e assim como as pessoas, as classes podem delirar, sobretudo em
casos extremos. Conhece-se casos de pessoas do corredor da morte que passam a
delirar e não acreditam mais que estão presas e prestes a serem mortas, assim
como doentes terminais também deliram. A história está repleta de casos em que
classes dominantes, logo antes de serem completamente derrotadas, agem como se
estivessem no auge de seu poder e se os inimigos tivessem desaparecido. Não
precisamos lembrar das nobrezas da França e da Rússia, pois temos um caso
brasileiro, em Março de 1831, quando o infame Partido Português, ancestral dos
atuais traidores da pátria, ousou atacar os brasileiros que andavam pelas ruas
usando símbolos nacionais. Foi completo delírio, pois o Partido Português nunca
tinha estado tão fraco, e nunca foi tão arrogante, e o resultado foi sua maior
derrota – a queda de Pedro I.
Como existe forte descontentamento com o regime político,
que se mostra sobretudo contra sua parte que deveria ser a mais popular, que
são os partidos políticos, grande parte dos eleitores mais politizados não
votaram, ou votaram nulo. Já o eleitorado de direita fez questão de votar, como
nunca antes tivera interesse, e os compradores de votos e outros políticos
sujos tiveram a vida facilitada pelo descontentamento, pelo descrédito nas
instituições. Afinal, se o voto não vale nada, porque não vendê-lo? Daí que o
Congresso não reflete os 54 milhões de votos que o proletariado deu à
presidente, não por apoiá-la, mas só para derrotar as classes adversárias.
Temos então um país polarizado, uma presidente eleita pelo
proletariado ao qual ela já tinha traído antes de ser reeleita, e um Congresso
que só reflete, e mal, um dos lados da sociedade. Esse Congresso agora se
dispôs a arrancar mais sangue do povo pobre e trabalhador, e a cercear meios de
participação política. Contudo, é agora a direita delirante que toma as
iniciativas! A parte mais inteligente da direita, com o governo, está se
fingindo de estátua para ver se ficando bem quietinha continua passando
despercebida e sabe que quase todo passo que der vai gerar uma série de conseqüências
imprevisíveis, dada a complicação da conjuntura.
Logo à frente da Câmara dos Deputados dominada pelo atual
Partido Português temos um pastor, que tem despontado como novo líder da
direita delirante. Se ele não existisse, precisaríamos inventá-lo! O mais
importante de tudo o que ele está fazendo é que tirou o PMDB da sombra, e mais
que isso – confessou que é o PMDB que realmente tem governado tanto sob a
presidência do Pt quanto do PSDb. As raposas do PMDB não podem confessar, mas
devem estar odiando isso! Ficar no foco não é conveniente para raposas, um
bicho notívago. Basta dizer que ele mesmo, membro desse partido, está sendo investigado
sob suspeita de corrupção. Quanto mais o PMDB aparecer, pior para o PMDB. Mas
alguém que faz carreira política usando uma igreja não entende ou não liga para
isso. Na medida em que as igrejas protestantes formaram uma bancada no
Congresso, viraram um partido político, e tornaram-se um alvo de todos os
demais partidos, como é o destino dos partidos. Mas esse já é outro assunto.
A aparição do PMDB tem também um efeito de destruição do
regime tal qual a desmoralização do Pt. Destruir o regime de 88, contudo,
parece ser uma das metas do pastor que preside a Câmara. Qual será, por exemplo,
o resultado da lei das terceirizações, se não enorme corrupção e em decorrência
maior desmoralização do regime? Ademais, reduzirá os concursos públicos,
instrumento que por muitas décadas tem sido usado para extrair do proletariado
seus membros mais preparados, e “amaciá-los”. Reduzir os empregados públicos
concursados é desistir da estratégia de dividir o proletariado, mas para a
direita delirante não existe proletariado. A retirada de direitos trabalhistas
dá outra lição aos trabalhadores, de que seus direitos não valem nada se não
são detentores do poder, e que nesse regime os trabalhadores não têm o poder
nem quando elegem os presidentes da República.
A principal bandeira política da direita delirante, à qual
estão dando prosseguimento é outro exemplo de tiro no pé. Trata-se do fim das
coligações partidárias. O objetivo confesso é que sobrem somente os grandes
partidos. É desconhecida a vantagem disso, embora seja uma demanda popular.
Terá, contudo, alguns efeitos. O primeiro deles é que ao manter quase somente
os partidos já odiados, piorará a situação política do ponto de vista do
descontentamento popular. Desaparecerão diversos partidos inexpressivos, que
hoje são só siglas. Os chefes dos poucos partidos restantes ficarão ainda mais
poderosos, configurando uma oligarquia burocrática. A principal vítima com
algum destaque será o PCdoB, cujos políticos de carreira devem se filiar
finalmente ao Pt, para onde não devem ser seguidos por todos os militantes. O
maior beneficiado será o PSOL, não só com dissidentes do PCdoB, como com grupos
inteiros da extrema esquerda que desistirão de se tornarem pequenos partidos
uma vez que estará cortada a estratégia de atrelamento a um partido grande por
meio de coligações. Se PSTU e PCB já não elegiam ninguém, agora terão as
chances ainda mais restritas, e muitos de seus militantes acabarão no PSOL. Em
outras palavras, o pastor Cunha pode conseguir com o fim das coligações o que
nós não conseguimos por conta própria – unir a esquerda.
Os próprios movimentos da direita contribuem para o fim do
regime que lhes interessa defender, e para união e esclarecimento do povo
trabalhador. O que falta é que essa massa de milhões de brasileiros supere a
fase petista, arranje novas formas de organização, descubra bandeiras que levem
a uma República realmente democrática e eficiente. De fato é necessário
reorganizar desde a base dos movimentos sociais até a Constituição da
República. O Pt era como uma camisa de força que impedia ao proletariado essa
reorganização. Desde a base dos movimentos sociais até o topo do governo o Pt
defende o mesmo desenho de poder – eleições diretas – com que os sindicatos e
DCEs são parasitados, as cidades roubadas por prefeitos e vereadores, os estados
e a união pelos presidentes, governadores e parlamentares. Com o Pt se
desmoralizando o proletariado pode experimentar outros caminhos. Contudo,
óbvio, forças políticas que não reformam a estrutura política de um Sindicato,
de um DCE, não têm crédito para propor a reforma da República.
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