Wlamir Silva
Professor
Historiador
Pronto... A Folha voltou a ser PIG,
para a tranquilidade de alguns, o desespero de outros e a fleuma de quem, como
nós, acha este negócio de PIG uma bobagem... Depois da pesquisa sobre os atos
dos dias 13 e 15 de março, na qual firmou um corte de "classe" que os
diferenciava[1], comemorado pelas hostes lulistas, o DATAFOLHA
publicou a evolução da popularidade da presidente da República. Dilma despenca
olimpicamente[2].
Recaída da Folha? Ou
a corrupção genérica atestada pela pesquisa feita nas manifestações tinha nome?
60% de ruim/péssimo entre os de renda até dois salários mínimos, 66% de
ruim/péssimo entre os de até cinco salários mínimos... Só aí vão 80% da
população... Boa parte deles lidos como uma "classe média", alguns
vistos como "ricos", reúnem, de fato, a massa da classe trabalhadora,
em especial a que tem alguma qualificação e já teve alguma organização, antes
de ser submetida ao cabresto do Ornitorrinco lulista[3], escondida pelo critério renda consumo.
E quando dizemos que
nossa complexa estratificação social é reduzida a simplórias oposições de “ricos”
versus “pobres” ou de “trabalhadores” versus “classes
médias”, não restringimos esta desastrada avaliação à fria régua da renda.
Constrói-se uma identidade no imaginário social na qual grande parte da classe
trabalhadora é dada como ontologicamente reacionária ou "fascista"
(por qualquer crítica ao "governo popular"). E construções no
imaginário se fazem reais quando penetram no corpo social. Mas, é claro,
considerar um imaginário social, sua realidade, sua manipulação e as formas de
interferência das formulações políticas é bonito em textos acadêmicos. Fora
deles é de bom tom estarmos toscamente alinhados em cruas mistificações
marqueteiras.
Depois vem a
"classe" dos de mais dez salários mínimos, onde posamos junto com a turma
que tem jatinhos, apartamentos em Paris e contas nas Cayman... Por favor, não
riam. Ou seja, os detentores de riquezas de bilhões [4]. Sim...
orgulhemo-nos, produzimos cada vez mais bilionários. E lá, pasmem, o governo
tem 1% a menos de rejeição que entre os "coxinhas" que nadam em dinheiro da
faixa de dois a cinco mínimos... São dados impenetráveis... Quem ali rejeita
menos o governo, o topo rico de fato, ou os assalariados da fronteira inferior?
A massa trabalhadora começa a perceber
– em parte obnubilada, sim, pela chave de leitura parcial da “corrupção” – que
a “revolução silenciosa” lulista era uma farsa. Que suas realizações são parcas
e suas bases são frágeis. Que sua realidade salarial é incompatível com o
discurso altissonante da 5ª economia do mundo. Que boa parte dos ganhos de
consumo se devem ao barateamento de produtos pelo inercial crescimento do
capitalismo no mundo e do “efeito China”. Que a saúde e a educação patinam,
junto com a infraestrutura econômica, pela paralisia administrativa que tem na
corrupção um índice. Que a propalada “distribuição de renda” foi apenas a
minoração da miséria por políticas compensatórias, baratas ou sem custo, e que a riqueza se concentra
cada vez mais. Que o que foi feito com o boom das commodities
(aumento de 400% em uma década) foi ínfimo, e que ficamos dependentes delas num
país que se desindustrializa e se financeiriza.
Mas a despolitização é um peso enorme a
ser superado para que estas percepções difusas se tornem em razoável
consciência política. Daí a importância de desmistificar as construções
imaginárias do “ricos/classes médias versus pobres” e da
transformação dos trabalhadores em “ricos” e “classes médias” de acordo com as
conveniências. E, ao invés de correr atrás das miragens de ícones reais ou
fabricados de “direita”, a ameaça “fascista” que justifica tudo e obriga à
defesa de uma orientação política que apodrece, mirar e construir no campo
crítico as reais e centrais contradições de classe. Pois por trás do discurso
contra a “onda da direita”, privatistas e “fascistas” embaixo da cama, temos o
Lulismo que alavancou o grande capital e é financiado por ele, inclusive por
meios ilícitos, como se vê hoje, mesmo às custas da paradigmática Petrobrás.
É curioso que os que se abalaram a destacar as diferenças do “viés de classe” das manifestações não o tenham feito com o fato – também discutível pela superficialidade daquela pesquisa, é bom lembrar, assim como o canhestro perfil de “classe”, mas evidente no isolamento daqueles motes – de que não apareceram ali intenções “golpistas”, “fascistas” ou, mesmo “privatistas”... Já que o argumento do “golpe”, da ascensão dos “fascistas”, do retorno à ditadura e, mesmo, de um conluio privatista, é o argumento de nove entre dez lulistas para apoiar o governo a todo o custo. E assim fortalecermos a “hegemonia invertida”[5], pela qual se destrói o patrimônio crítico e organizativo das esquerdas em favor da lógica naturalizada do capital, em troca de migalhas que se vão com o vento.
[1]
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1603885-maioria-foi-as-ruas-contra-corrupcao-diz-datafolha.shtml
[2]
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1604420-no-3-mes-do-novo-mandato-62-ja-desaprovam-dilma.shtml
[3]
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à Razão Dualista / O ornitorrinco. São Paulo:
Boitempo, 2003.
[4]
http://top10mais.org/top-10-homens-mais-ricos-do-brasil/
[5]
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-4/tribuna-livre/hegemonia-as-avessas
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