Wlamir Silva
Professor
Historiador
Professor
Historiador
Fomos expulsos e bloqueados por causa de uma postagem de um vídeo[1],
com uma pequena introdução e o título Travesti
Comunista, na comunidade não oficial do PCB no Facebook. Não fomos avisados
do porquê da sumária expulsão, apenas que estávamos sujeitos “ao banimento”, e
quem mandou o “recado” disse que também não crê “que a transfobia seja
funcional ao capital”. Consideração que não deixa de ser preocupante, pois
sugere que a censura pode ser feita por divergência de opinião...
Outra possibilidade, mais improvável, é a de que tenha incomodado “a discussão
sobre as relações com a luta de classes”, que ressaltamos como o importante no
vídeo, mas aí seria uma censura à camarada Amanda. Mas, talvez até de forma
inconsciente, a “superposição” da luta de classes à pauta LGBT soe como uma
agressão.
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O expulso com alunos, ecos do "saiaço" da UFSJ... Humor é fundamental... |
Como não tivemos esta informação e, muito menos outras pessoas que por ali
passam ou se interessariam pelo assunto, faço aqui algumas conjeturas.
Fora isso, resta um desrespeito quanto à forma. Talvez ela tenha sido considerada
agressiva e desrespeitosa, o que poderia implicar em uma exclusão. Nesse
sentido, vale a pena uma pequena exegese do minúsculo texto, afinal, os que
empunham tesouras, mesmo virtuais, não costumam ser chegados a sutilezas nas
palavras.
A primeira possibilidade deste ângulo está no próprio título: TRAVESTI COMUNISTA. Expressão, aliás,
com a qual ela é apresentada no vídeo. Pode ter parecido a alguns que a própria
justaposição de termos implicasse uma galhofa. Se fosse operário comunista, professor
comunista ou mesmo negro comunista,
não haveria problema. Até concordaria com a crítica se fosse isso. Usei tal
título para chamar a atenção para o fato raro e para a postagem, mas não me
agrada esta adjetivação pela opção sexual, aliás, nem pela cor.
Outro fato pode ter sido o uso dos “rsrs”, comuns nas redes sociais, que,
aos que confundem sisudez com seriedade, pode ter sido interpretado também como
zombaria. E aqui explicaremos risos... rsrs.
Os primeiros “rsrs” vêm na frase em que afirmamos que a “luta contra a
discriminação sob a ordem burguesa [...] pode avançar mais rápido do que a
crítica efetiva ao capital”. Sobre o que dissemos “não sei se rio ou choro
disso... rsrs”. Bem, se há aí um deboche é para os que decantam a proximidade
do fim do capitalismo, sabemos que essas polianas por aí. Ou seja, nada contra
os LGBT...
Queremos rir porque nos agrada a ideia de que esta questão, como outras, podem
avançar muito ou serem resolvidas no capitalismo, espero e quero colaborar com
isso. Dá-nos vontade de chorar porque o fim do capitalismo, na minha avaliação,
vai demorar muito. Com estes comunistas que aí se apresentam é que vai demorar
mesmo... rsrs. Fechamos dizendo que, ao contrário de outros, não vendemos o
mito de que tudo é culpa do capital, nem de que o socialismo será a panaceia
universal.
Talvez tenham esquecido que Fidel Castro, não faz muito, fez uma
autocrítica sobre a questão em Cuba [2].
O segundo “rsrs” vai no finalzinho do texto e, qualquer criança de 12 anos
bem alfabetizada saberia, não se dirige à Amanda ou aos LGBT, mas à Luciana
Genro que protagonizou uma explicação desastrosa sobre a história do socialismo
durante a campanha presidencial. Um “desrespeito” à Luciana Genro justificou a
expulsão?
O terceiro “rsrs” foi, reconheço, uma brincadeira com a transexualidade da
camarada Amanda, ou com o artigo que designa o gênero: “a intenção foi ser
didático, ou didática?”. Aliás, “travesti” é substantivo de dois
gêneros...rsrs. Deviam reparar que o site da entrevista denominasse Pergunte às Bee..., e o próprio clima do vídeo.
O que fariam se nós disséssemos, como um
dos entrevistadores das Bee, que o
papel deles nas lutas políticas é o de embelezá-las? Se pensassem um pouco, ou conhecessem um pouco
aos que querem “defender”, saberiam que eles são mais bem-humorados e bem menos
suscetíveis do que supõe a vã filosofia dos censores “vermelhos”. De todo modo,
chiste que justifica uma expulsão?
Trata-se de fato uma solenidade respeitosa e vitimizante para com a
comunidade LGBT[3]. Consideram-na
frágil e dependente e, portanto, carente de seus atos protetivos. Há nisso
também uma ponta de oportunismo, com a necessidade de mostrar-se sempre de
acordo com as suas demandas.
Ao ceder ao identitarismo acrítico colaboram para
guetificação dos envolvidos e a criação de um muro entre propostas políticas
mais amplas ou qualquer ideia que seja estranha àquele discurso fechado . Como
foi visto recentemente com o entrevero de Mauro Iasi e setores hidrófobos do movimento
negro.
Elogiamos justamente o caminho, aliás, inverso, feito pela camarada Amanda,
imaginamos a que custo, de levar perspectivas universais ao nicho identitário.
Fato sabido pelo Bee..., cujos
entrevistadores previram a polêmica o "vai dar treta" e o “mimimi”. Ela enfrentou a questão de relacionar
os LGBT à luta de classes, admiramos isso. Aliás, distinguindo-se do PT, o que muitos por lá, na comunidade do PCB, não fazem...
A visão tacanha do que os outros sejam ou precisem se desdobra na
incapacidade de perceber as variações e complexidades da linguagem. O
paternalismo faz com que qualquer palavra solta ou frase que ou se identifique
com um determinado estereótipo, ou seja de sentido, PARA ELES, incompreensível,
seja tachado de discriminatório a ponto de censura e expulsão. São reforçadores
de estereótipos até porque se arrogam em intérpretes mais capazes e
filantrópicos que os outros, impedindo que eles o façam por si mesmos.
Houve um tempo em que boa parte da intelectualidade brasileira gravitava em
torno do PCB, no qual a nossa influência social era importante. É claro que se
pode argumentar que isso não deu certo, é preciso tentar coisas novas. Não
deixa de ser estranho para quem hoje vive batendo no peito “aqui é partidão”.
Isso ocorria pela variedade e liberdade dos seus intelectuais e artistas[4]. A
censura que ali ocorreu é, para a sociedade que nos circunda, premonitória.
Quem promove tacanhices recruta tacanhos.
Sabemos que há uma preocupação em quebrar o estigma de certo “puritanismo” e
intolerância dos comunistas com relação à sexualidade e aos homossexuais, uma
pequeníssima verdade se em contraste com a sociedade. Duvidamos que esta
postura de solenidade ritual tacanha colabore para com isso, em especial se
acompanhada do reforço de outro ferrete a nós atribuído – com um quê de verdade
que devemos enfrentar, não empurrar para baixo do tapete – de não primar pela
liberdade de expressão e promover a censura quando das experiências históricas
socialistas.
A questão em si é pequeníssima.
Pequena era também a postagem, que apenas queria mostrar a importância da
discussão proposta por Amanda[5].
Noutro sentido, ela é fundamental. A liberdade de expressão quer dizer que a
discussão pública qualifica a consciência social, por isso é um princípio. O
que os comunistas pensam da liberdade da expressão? É ocioso dizer que esta
discussão só pode ser feita com liberdade de expressão.
É pueril e até vergonhoso, mas necessário, dizer que na referida comunidade
do PCB são comuns os bate-bocas mais rasteiros, que se repetem e se arrastam,
inclusive com palavras de baixo-calão, desqualificações, agressões e
leviandades. Nossa postagem não fez nada disso, mas não mereceu a mesma leniência.
O que nos difere que justifique uma expulsão tão de pronto?
No caso específico, pouca gente percebe o deslizamento de sentido da palavra
homofobia. Fobia, que significa medo irracional, transformou-se em ódio, em
parte pela discriminação e violência, em parte por um erro de perspectiva: pois
os medos irracionais devem ser objeto de uma pedagogia, antes e contra o ódio.
Trocando em miúdos, nem todos que têm um medo ou rejeição irracional aos
homossexuais – muitos da classe trabalhadora –, os odeiam. Podem e devem ser
objeto de uma pedagogia social e política que não combina com a demonização
fácil, no epítetos de “fascistas” e outros, que parecem ser a solução para
alguns.
Vemos agora um novo deslizamento, ainda que não dito. A agorafobia, medo
irracional da discussão pública, se torna um ódio ao enfrentamento de ideias
diferentes e, como vemos, até de fragmentos de linguagem que incomodam. O medo
da discussão pública leva ao ódio da exclusão.
A discussão pública é o espaço
de elaboração da teoria e de uma cultura política, no qual é preciso liberdade,
tolerância e inteligência. A agorafobia é hoje, talvez como nunca, uma doença
senil para os comunistas.
[1] https://www.youtube.com/watch?v=uTs1JPQEkSg
[2] http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2010/09/entrevista-con-fidel-castro-ii-parte-el.html
[3] O que já é por si
problemático, todos os homossexuais pertencem e se veem como membros de um
coletivo? Este coletivo, se existe, é homogêneo. Já caímos na esparrela de
supor que havia um proletariado único, portador de uma essência e “nosso” por
leis históricas...
[4] Quando se tentou o
contrário, como no obreirismo que estigmatizou Caio Prado Jr., o resultado foi
catastrófico.
[5] Não costumo postar vídeos
ou matérias com as quais não possa ou queira ser identificado. Aprendi no FB
que depois tiram o seu comentário e seu nome fica identificado àquilo que você
criticou. Pus o vídeo porque posso me orgulhar de ser identificado com a fala
de Amanda e não me incomoda “ser visto” ao lado do Bee...
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