
Há muito tempo se conhece a existência de um tipo que
prolifera entre a juventude e entre os militantes que nunca amadurecem, e
existem em todos os partidos e forças de esquerda que se dizem revolucionárias
e portanto organizadas conforme o centralismo democrático – esse tipo é o
censor! Agora, com a internet, essas figuras enjoadas e prejudiciais ampliaram
seu raio de ação, pois podem implicar com outros militantes que moram no outro
canto do país, e que de outra forma estariam livres de serem perturbados ao
menos pelos chatos de longe.
Há alguns anos a direção de meu Partido decidiu orientar os
militantes a se precaverem contra os grupos de discussão nos sites de redes
sociais, e eu então fui contra, não conseguia ver problema nenhum, e os
problemas eram mesmo pequenos. Temia-se o debate, que devia ser restrito aos
fóruns presenciais do Partido e à Tribuna de Debates que só circula nas
vésperas dos Congressos. Agora, vejo que alguns grupos realmente podem se
tornar prejudiciais ao Partido, mas não pelo debate, e sim pelo espetáculo
lamentável que os fiscais ideológicos criam, tentando censurar militantes do
Partido, o que já seria absurdo em particular, quanto mais em público. O
Partido fica parecendo um espaço autoritário, onde as opiniões são reprimidas,
como uma igreja ou uma seita. Assim como existe o “irmão” que vai com a Bíblia
nas mãos reprimir outro “irmão”, estamos sendo atacados por uma horda de “irmãos”
pseudo-comunistas que acham que as resoluções são uma Bíblia.
É o caso do que se tornou o grupo mais polêmico que tem
existido de nosso Partido na internet, que tem o nome de “Partido Comunista
Brasileiro – PCB (não oficial)”, que não é dirigido pelo Partido. Nesse grupo
os governistas devem ser em maior número que os comunistas, e publicam a
vontade, mas os comunistas que publicam por lá, além de ofendidos por petistas
e outras pragas, agora têm sido publicamente censurados, e alguns bloqueados,
expulsos da página, por outros militantes do Partido. Militantes do Partido,
sérios, importantes em suas bases, ou simpatizantes que sempre votam e até
contribuem com o Partido, são ali ofendidos, sofrem linchamentos virtuais, são
expulsos, e isso por moderadores que não são da direção do Partido, e que mais
parecem ter saído de um convento.
A desculpa desses fiscais de internet é o centralismo
democrático. Acham eles que o centralismo democrático implica em censura e em
autocensura. Haja ignorância! Vamos por partes. Tanto o marxismo quanto o
leninismo são ciências, e só têm valor se forem usados assim, como ciências.
Uma pessoa só é marxista se o for cientificamente, se não será somente uma
repetidora de frases de Marx. Os leigos por vezes dizem que a ciência é uma
religião do presente, ou do futuro, mas é porque não sabem o que é ciência além
do que podem saber pelos meios de comunicação. Exemplo simples, uma coisa é dar
aula de física, outra coisa é ser físico. Não existem físicos sem professores
de física, mas os físicos destroem aquilo que o professor de física ensina,
porque esse é o papel da ciência, pois é assim que a humanidade avança. Assim,
se uma pessoa adotar os textos de Marx e de Lênin como verdades essa pessoa
nunca será verdadeiramente marxista nem leninista. Marx, Lênin, Engels, Mao
etc. sempre defenderam uma postura científica.
Todos atribuímos o centralismo democrático a Lênin. O motivo
de todos adotarem esse modelo é óbvio, a vitória de 1917, onde foi
indispensável o Partido Bolchevique. Imaginam nossos fiscais ideológicos de
internet que o centralismo democrático de Lênin restringe a liberdade de
expressão. Isso nunca foi verdade, nem na teoria, nem na prática. O centralismo
unifica a prática, e é democrático porque permite o máximo de debate que as
condições possibilitarem e tem o máximo de fóruns que se puder realizar. As
opiniões não precisam ser unificadas, nem é necessário cercear opiniões
divergentes. Também na prática, tanto como militante quanto como dirigente,
Lênin deu inúmeros exemplos disso. Como militante de base muitas vezes escreveu
contra a linha do Partido e mesmo contra a direção. Como dirigente e chefe dos
jornais do Partido sempre permitiu franco e pesado debate nas páginas desses
jornais. Aliás, até a época de Stálin os jornais soviéticos, incluindo os do
Partido, publicavam opiniões divergentes. Foi a contra-revolução que restaurou
a censura e usou a deturpação do centralismo democrático para justificá-la.
Tenta-se distorcer a questão alegando-se que uma opinião é
uma ação, e que portanto as opiniões também têm que ser unificadas. Contudo,
isso é um absurdo completo, e só não é analfabetismo porque sabemos que quem o
diz não o faz por ignorância, mas desespero de causa de justificar o
injustificável. A liberdade é sempre de uma coisa ou de outra, nunca total,
portanto o termo “liberdade de expressão” é uma limitação, que indica que essa
liberdade específica é só de expressão, separando portanto a expressão de
outras ações. A inexistência de diferença entre ações e opiniões é o argumento
de todo regime autoritário que já existiu para cercear a liberdade de
expressão, a começar por aquela dos comunistas. A liberdade de expressão, uma
conquista revolucionária, não implica liberdade de todas as ações, assim como a
restrição de uma ação, por exemplo, matar, não implica na proibição de escrever
sobre assassinato. Mas não se pode incitar ao assassinato e apelar à liberdade
de expressão em lugar nenhum do mundo, podem contestar alguns camaradas, e é
verdade. Da mesma forma, no Partido, quem usar as palavras para pedir votos
para outros candidatos, não escolhidos pelo coletivo, está ferindo a democracia
interna, o centralismo democrático, e não poderá apelar para sua liberdade de
expressão como justificativa. Contudo, a liberdade de expressão dos militantes
tem que ser garantida, sob pena de estarmos manchando o nome do Partido Comunista.
Os inimigos nos comparam com os fascistas, e alguns camaradas parecem querer
confirmar essa calunia com maus exemplos.
Espetáculo que dá vergonha é ver os fiscais voluntários da
ideologia alheia escrevendo que os militantes não podem dizer isso ou aquilo
porque é diferente do que “está na resolução”, parecido com ver um crente
policiando outro crente e tentando obrigá-lo a fazer o que “está na Bíblia”.
Por muitas vezes os jornais do Partido Bolchevique publicaram artigos
contrários às resoluções e às opiniões de Lênin. O que Lênin fez? Ele se
rebaixaria a usar um subterfúgio autoritário do tipo “está nas resoluções”?
Nunca! Ele simplesmente respondeu, sem nunca se valer de sua autoridade como
dirigente ou como chefe de redação.
Que triste ver militantes que ao invés de defenderem uma
posição porque acreditam nela e sabem defende-la, a defendem porque “está na
resolução”, ou que usam essa frase porque não têm a capacidade de defender a
posição que julgam defender. É a volta do princípio da autoridade, que era
usado na Europa medieval e que foi varrido pelo método científico. Antes do
método científico, que se baseia no experimento, vigorava o método da
autoridade. Não se testava nada, não se duvidava dos antigos. Quando se queria
saber de alguma coisa, primeiro, consultava-se a Bíblia, e se estivesse lá,
pronto, era a resposta final. Se não estivesse buscava-se em outros livros sagrados,
ou dos sábios do mundo antigo, mais propriamente Aristóteles. Se nada fosse
encontrado também nos antigos, recorria-se aos Papas, depois aos Cardeais e
assim por diante. Esses vigilantes da conduta partidária parece que pensam da
mesma forma. Se se lhes pergunta algo, primeiro, eles precisam procurar nas
resoluções, para ver se o Partido já decidiu, porque se decidiu então acabou,
lá está a opinião deles. São uns monges cabresteiros.
Também existem palavras proibidas por essas autoridades
não-constituidas da internet, assim como piadas. Antes padres e professores
puniam alunos que falavam palavras feias, palavrões. Agora existem palavras
feias proibidas para os militantes de esquerda. Exemplo, não se pode mais dizer
“viado”, “bicha”, “sapatão”, “crioulo” etc. É obrigatório dizer homossexual, ou
cidadão de cor, ou a frescura que o valha. Aliás, pobres dos humoristas, não
podem fazer piadas mais sobre nada. Estão na mira dos monges da esquerda.
Mas pior que tudo isso, é que de censores e perseguidores, esses
militantes se desenvolvem no sentido de serem dedo-duros. Não que tenha
qualquer importância real as denúncias que eles fazem, pois são obviamente
criancices, mas mostram uma degeneração moral lamentável. O Partido devia
denunciar a cultura do dedodurismo. Trata-se do militante que enfurecido porque
um debate não caminha como ele deseja ameaça com uma rusga interna dentro do
Partido. Ou seja, ele leva a questão a alguma instância de direção, pedindo
punição para o outro militante, que teria se desviado da política do Partido.
Muitas vezes, de fato, o Partido se perde nessas crises internas, perdendo
tempo valioso de reuniões raras, para julgar camaradas. O Partido então se
torna um tribunal, que julga seus próprios membros, e cuja punição é a expulsão
desse mesmo tribunal, e enquanto isso a classe operária está abandonada nas
fábricas, os burgueses que descobrem isso riem de rolar no chão e os
historiadores do futuro custarão a entender tamanha imbecilidade. Mas o pior,
como já se disse, é a cultura que isso gera, de dedo-duros. Antes, os
comunistas estigmatizavam os dedu-duros ao ponto dos militantes morrerem sob
torturas para não traírem ninguém, e agora, não por decisão de nenhuma direção,
claro, mas por força da ignorância geral, os dedo-duros são formados entre nós
mesmos. Querem nos transformar em um convento de monges fofoqueiros, que toda
hora correm para o abade para contar que fulano disse isso ou aquilo contra “as
resoluções”.
Os prejuízos que esse policiamento ideológico causa sempre
foram imensos! É comum tanto no PCB, quanto no PCdoB, quanto em vários outros
partidos se dizer que se todo mundo que um dia foi do Partido tivesse ficado, a
Revolução já estaria feita. De fato. Claro que muitos dos que saírem tinham
mesmo que sair, por diversos motivos, mas uma boa metade das perdas desses
partidos se deram a toa, por conta de infantilidades. Brigas inúteis, em torno
de assuntos laterais. O pior talvez tenha sido o primeiro caso sério, ridículo,
que atingiu vários partidos do mundo, e se parece com alguns problemas atuais,
embora dessa vez setorizados. Foi o obrerismo, uma versão anti-marxista de
comunismo segundo a qual só operários deviam ser dirigentes do Partido, ou
mesmo entrar nele. Só operários seriam revolucionários. Só operários compreenderiam
o movimento operários. Naturalmente, centenas de intelectuais foram expulsos, e
no próprio movimento operário o Partido perdeu muito. Muitos dos esforços
feitos durante a década de 1920 para construir o Partido foram perdidos na
virada da década de 20 para 30 quando grassou a praga obrerista.
Revoluções só aconteceram em países onde as organizações
revolucionárias mantiveram livre debate de idéias. Já no Brasil, onde predomina
na cultura política uma deturpação tupiniquim de centralismo democrático, um
autoritarismo que mais se parece com as regras de um convento, estamos há
décadas brigando entre nós mesmos em tribunais que só existem para nós. As
questões práticas estão todas abandonadas, enquanto nossos militantes brigam
para definir o que é ortodoxia e o que heresia.
Sobre a autocensura, devo dizer que o militante que tem uma
opinião e não a emite porque ela é contra as resoluções é suspeito para mim. O
que ele quer? Favores da direção? Ou ele ainda não entendeu o que é uma
ciência? O marxismo é uma ciência, e as ciências avançam com críticas. Então se
o militante tem uma discordância, de duas uma – ou as resoluções estão erradas
e precisam mesmo ser criticadas para serem corrigidas quanto antes (e em
público, porque a direção do Partido é coletiva e não estamos na
clandestinidade), ou o militante é que está errado, e precisa dizer o que pensa
para que possa ser ensinado (preferencialmente em público, para que outros que
têm o mesmo engano também aprendam). Algumas pessoas podem se magoar? Que dó!
O desrespeito aberto dos vigias de internet pela liberdade
de expressão dos camaradas faz lembrar os debates recentes de artigos desse
blog a respeito dos atentados terroristas contra a revista de humor Charlie
Hebdo. Não é difícil perceber uma raiz comum aos dois problemas –
pseudo-comunistas acham que liberdade de expressão tem que ter limites e eles
mesmos se dedicam a limitar a liberdade de expressão de alguns camaradas.
Acreditaram na caricatura que a direita faz dos comunistas, como autoritários, e
a vestiram, e ficam por ai fortalecendo a mentira da direita.
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