Wlamir Silva
Professor
Historiador
Nas eleições de 2002, o ex-presidente do Banco de Boston Henrique Meirelles foi eleito pelo PSDB como deputado mais votado no estado de Goiás. A campanha foi milionária – “jamais vista”, diz a matéria da agência Reuters –, teve “estrutura de campanha majoritária: [o candidato] percorreu de jatinho ou helicóptero os 246 municípios de Goiás”. E Meirelles deixava a presidência do Banco estadunidense e com ela um salário anual de US$ 1,5 milhão[1]. As ideias de Meirelles, ninguém pode negar, eram claras:
Nas eleições de 2002, o ex-presidente do Banco de Boston Henrique Meirelles foi eleito pelo PSDB como deputado mais votado no estado de Goiás. A campanha foi milionária – “jamais vista”, diz a matéria da agência Reuters –, teve “estrutura de campanha majoritária: [o candidato] percorreu de jatinho ou helicóptero os 246 municípios de Goiás”. E Meirelles deixava a presidência do Banco estadunidense e com ela um salário anual de US$ 1,5 milhão[1]. As ideias de Meirelles, ninguém pode negar, eram claras:
“[E]le defende políticas
compensatórias para amenizar carências urgentes da população, como a fome,
falta de moradia e de educação. Ao mesmo tempo, acha que o governo precisa dar
condições para os cidadãos produzirem, e isso, segundo ele, se consegue
principalmente a partir do equilíbrio fiscal”[2].
Mas antes mesmo de ser declarado
eleito, Meirelles já era sondado pela equipe de Lula para assumir a direção do
Banco Central. O articulador seria o “esquerdista” José Dirceu. O cargo, de
prestígio político estava longe dos ganhos do banqueiro-executivo e mesmo das
possibilidades do parlamentar. Mais ainda, implicava uma renúncia ao generoso
financiamento de campanha, que, sem dúvidas, não se devia ao “pé-de-meia”
amealhado em mais de vinte anos no Banco de Boston. No entanto, Meirelles
assumiu o “desafio”.
Neste ano eleitoral – no vai-e-vem
dos boatos e desmentidos que caracteriza nossa produtiva vida política –
Henrique Meirelles já foi cogitado para retornar à presidência do Banco Central
por Lula, cogitado a vice por Aécio Neves e citado como possível apoiador de
Marina Silva. Nada confirmado. Mas isso mostra a importância do personagem, que, segundo alguns, almeja a presidência da República. Que,
aliás, teve independência de fato no Banco Central até 2010, nunca teve
problemas com bolsa-família ou outras “bondades” do “governo popular”.
Tudo o dito até agora é público. Mas é difícil
controlar a imaginação... Visualizar o mais que confiável Meirelles explicando
aos seus bilionários apoiadores e financiadores o porquê de sua decisão de
desprezar a cadeira na Câmara dos Deputados e os cifrões a ela destinados para
ocupar o Banco Central de um governo de “esquerda”. Em jantares de fina
culinária e vinhos de preços estratosféricos, em convescotes regados a uísques
mais velhos que nossas avós e em jatinhos de luxo. Meirelles certamente
explicou-se e tranquilizou seus iguais e financiadores. E continuou fazendo-o
por pelo menos uma década, talvez o faça até hoje...
O banqueiro contava que Lula
garantira a ele, sob o assentimento de Zé Dirceu e outros “carbonários”, que
nada mais aconteceria do que ele mesmo, Meirelles, pensava e recomendava:
políticas compensatórias e manutenção das bases “macroeconômicas”. Lembrava aos
mais sofisticados e ensinava aos mais xucros dos nossos bilionários que as “políticas
compensatórias” eram parte importante da receita do Banco Mundial para garantir
o avanço da concentração e financeirização do capital... Contava anedotas de “esquerdismos”
simbólicos...
Vez por outra Meirelles repetia-se em
inglês castiço, especialmente para os que, na roda, cheiravam a dólar. Para
esses também garantiu que os salamaleques a Cuba e ao “socialismo” venezuelano
eram pequenos, e, ao fim, anódinos, preços a pagar pela manutenção dos
fundamentos econômicos do capital no maior e mais rico país da América Latina. A
eles, em especial, o banqueiro explicava com expressão grave que no xadrez
internacional o “verniz” progressista de Lula era um fator de estabilidade e
legitimação da “nova ordem” internacional.
Meirelles lembrava aos seus coirmãos nacionais e estrangeiros que Lula formou suas convicções políticas no sindicalismo de resultados estadunidense, tendo sido, inclusive, defensor do Estado mínimo e sempre evitou o comunismo. Que a transformação de Lula em mito vinha isolando e neutralizando tendências de “esquerda” do PT e aglutinando e formando políticos de viés conservador, clientelista e tradicional. Quando perguntado sobre os “guerrilheiros” do governo, o banqueiro mal podia conter a gargalhada: “são mais capitalistas que vocês”!
O banqueiro, que ficou quase dez anos na direção do Banco Central, teve de esmerar-se em argumentos para mostrar aos seus ávidos interlocutores que “dar uma força” a Lula era mais que apenas a manutenção do mesmo. Pedia silêncio e muita atenção, os charutos cubanos pousavam-se, e o banqueiro então fazia ver que Lula, e quem mais ele elegesse, não era apenas a continuidade, mas a justificativa de tudo, o reforço de tudo... Isso porque, disse ele, Lula tinha o poder de legitimar o que ele, Meirelles, e eles, bilionários e seus representantes políticos não tinham... A despolitização “valia ouro”, e nem era apenas uma força de expressão...
Mas..., dizia Meirelles, com um riso
contido e levando o indicador aos lábios, no gesto que pede silêncio, isso fica
entre nós... E, curvando-se sobre a mesa, quase molhando a gravata no creme brulee, sussurrava: um sociólogo,
de esquerda mesmo..., descobriu nossa expertise,
e chamou de “hegemonia invertida”... Um perigo! Então, levantando-se abruptamente, dava uma
baforada no cohiba e tranquilizava,
arrancando gargalhadas de seus pares: “Mas, quem lê nesse país?!”...
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