Wlamir Silva
Professor
Historiador
Em entrevista num programa de humor, questionada sobre milhões de mortos dos regimes comunistas, a candidata do PSOL Luciana Genro ensaiou uma réplica com as mortes do capitalismo, mas reagiu, de fato, dizendo que o seu socialismo não tem nada a ver com tudo aquilo e, por fim, mandando o apresentador “estudar”.
Em entrevista num programa de humor, questionada sobre milhões de mortos dos regimes comunistas, a candidata do PSOL Luciana Genro ensaiou uma réplica com as mortes do capitalismo, mas reagiu, de fato, dizendo que o seu socialismo não tem nada a ver com tudo aquilo e, por fim, mandando o apresentador “estudar”.
O grau de
despolitização de nossa sociedade, bem apontado pelo candidato do PCB, Mauro
Iasi, somado ao enorme impacto midiático das redes sociais, faz com que lances
menores e frases de efeito ganhem enorme repercussão. Muitos comemoram que
Luciana Genro “sambando” sobre o apresentador, seja lá o que isso queira dizer.
Noves fora o
fla-flu das redes sociais, que tem o condão de manter cada um na sua posição
original, de parte a parte, resta o incômodo de lidar com a experiência
socialista. Observe-se que o questionamento, feito de forma tosca, juntava
Revolução Russa, União Soviética, China, Camboja, Cuba etc. A forma simplória em
nada ajudou Luciana Genro a descartá-lo. Por quê?
As próximas
eleições não vão trazer mudanças profundas, nem estancar mudanças profundas que,
supostamente, estariam em curso. O que não quer dizer que mudanças pequenas não
sejam importantes. De todo modo, tal decisão está longe das candidaturas
minoritárias. Então, qual o papel destas candidaturas?
O apresentador
Danilo Gentili deu o troco da grosseria vazia do “vá estudar” com um “você
pedir voto não deixa de ser uma piada”... Se Luciana estivesse ali realmente em
busca de uma vitória eleitoral seria um tolo erro de marketing: estigmatizar o
humorista frente ao seu público. Mas sabemos que a questão não é essa. O que
incomoda Luciana Genro?
O “vá estudar”
é, sim, uma grosseria. Mas muito maior do que uma grosseria, e, sobretudo, do que
uma grosseria pessoal. Com relação à experiência histórica do “socialismo real”,
o professoral desdém de Luciana Genro pode ser estendido ao conjunto da
sociedade, mesmo a setores escolarizados ou universitários. É o conjunto da
sociedade que se estigmatiza.
É claro que o
espaço de tempo era curto. Mas o recado da candidata foi o de juntar toda a
experiência socialista indiscriminadamente – Lenin e Pol Pot, URSS e China... –
e jogá-la, assim, na lata do lixo. Ademais a resposta de que as ideias “puras”
de Marx nunca foram postas em prática é inaceitável, idealista, a-histórica e,
claro, insustentável.
Se Luciana Genro
fosse realmente presidenciável, o não enfrentamento mínimo de um processo cheio
de contradições e dificuldades se justificaria pelo marketing eleitoral. Mas se
Iasi, José Maria ou ela fossem candidatos com chances, seria outra eleição, outro
patamar de politização. Não o sendo, a candidata replicou apenas a provocação
tosca.
As experiências
socialistas são uma questão de difícil “digestão” mesmo entre nossas minúsculas
esquerdas. Quanto ao passado e o presente. O que une China, Cuba e Coréia do
Norte? A China é socialista? A ilha Cuba é um modelo? A Coréia é uma
caricatura? E se pretende que isso não seja uma questão? Resolver com um “não
tenho nada com isso”?
O que
significaram Lenin, Trotsky e Stalin, Mao Tsé-Tung? Isso para além das
anacrônicas, simplórias e inúteis querelas domésticas “de esquerda”. E a
experiência anterior da social-democracia alemã e do espartaquismo de Rosa
Luxemburgo? O que tudo isso nos têm a dizer no mundo “globalizado”, na “sociedade
informática”?
Por que “caiu’ o
bloco soviético? Por falta de planificação econômica ou excesso dela? Por não
atender às demandas de consumo? E não havia como equilibrar planejamento e
consumo? E o regime político porque se mostrou tão frágil? Ele era
representativo? Como e por que ecoou tão forte naquelas sociedades uma visão de
mundo burguesa? Como e por que emergiu da burocracia estatal uma concentrada
burguesia?
A China e sua
expansão industrial acelerada, que produz bilionários e conglomerados, é
socialismo? As reformas cubanas de abertura ao mercado e diminuição do Estado
são socialistas? O regime militarizado e pessoal da Coréia é socialista? O que
estes modelos econômicos e políticos nos têm a dizer?
É claro que,
como bem observou Luciana Genro, não se trata de importar modelos, mas muito
menos de agir como avestruzes. Até porque quando as avestruzes tentam esconder
suas pequenas cabecinhas deixam à mostra o corpanzil emplumado... Para as
esquerdas que têm como horizonte o socialismo esta não é uma opção.
Cabe aos que desejam
construir o socialismo – como perspectiva de organização da sociedade e não
como mero patrimônio ético – enfrentar estas questões. E, mais, entender que
elas dizem respeito ao conjunto da sociedade, ao conjunto da classe
trabalhadora, que, acreditem, mal a conhecem, que dirá a estudaram.
E tudo isso se
dá num quadro político de longo prazo, no qual não há atalhos ou místicas de
aligeiramento. A pressa aí é apenas retardar o trabalho longo e árduo
necessário. Assim, ao invés de frases de efeito, melhor aproveitar as eleições
para avançar a tarefa histórica dos que não podem e não querem livrar-se dela,
a história, e suas complicações.
PS. De fato, os avestruzes
nunca enterraram a cabeça na terra, mas também ninguém conseguiu descartar a
história... rsrs.
Comentários
Negar a existência do socialismo só porque "não foi como Marx preveu", como se ele fosse Mãe de Ná e não filósofo, é de uma inocência ou de uma ignorância enorme.
Venho tentando compreender o papel das candidaturas pequenas e de esquerda já há algum tempo. Se ainda não tenho total noção do tema, acredito que fatos como esse nos ajudam a responder à questão: a luta política por meio das eleições deve ser, no mínimo, pedagógica! Se não é possível alcançar a maioria dos votos do eleitorado num curto prazo, que pelo menos o façamos pensar. É fundamental aproveitar espaços como esse, de maneira consciente, para construir uma cultura política menos cega (parece muito torcida de futebol!). E não é se esquivando de questões assim que podemos cumprir tal tarefa. O gigante anencéfalo de julho do ano passado se manifesta através de avestruzes como esse, rsrs.
Entretanto, penso que na maioria das vezes a Luciana cumpre essa demanda. Escorregou? Sim. Demais! Mas tô esperando é o Wlamir se candidatar preu poder votar nele, hehe.
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