O PORQUÊ DO ÓDIO À MARINA SILVA

Wlamir Silva
Professor e historiador


Não sou "marinista", mas respeito Marina Silva. E não, não é um respeito protocolar que estendo a todos. Não tenho mais o menor respeito por Lula. Não por nostalgia do que Lula jamais foi - um homem de esquerda, comprometido com mudanças político-sociais profundas -, mas pela completa adesão ao que há de mais nefando nas práticas políticas tradicionais e pelo uso de um capital político importante, que não é só dele, para legitimá-las. Lula, como bem observou um arguto analista, não tem caráter.

Causam-me náuseas os ataques hidrófobos a Marina Silva - Marina sorri no funeral, Marina é amiga de "banqueira", Marina fez acordo com o agronegócio, Marina é antigay... -, coisas de quem não admite que se ponha em risco uma vitória eleitoral. De uma miríade de assessorezinhos que podem largar o osso. É política feita nos (pós)modernos e assépticos escritórios de marqueteiros, onde, como sói acontecer em nosso país, o novo alimenta o arcaísmo. Não é à toa que se unem também aí as práticas de Aécio e Dilma

Todos os vícios ou práticas que marcam os que estiveram no poder por duas décadas tornam terríveis pecados associados a Marina Silva. Governos e campanhas que há muito mamam no sistema financeiro, nas empreiteiras e no agronegócio, que o tempo todo negociam com bancadas conservadoras questões relativas a costumes, que fazem coisas quase circenses em campanhas, que afirmam, reafirmam e renovam práticas clientelistas, agora se fingem vestais ou apontam para a incoerência alheia.

É como se dissessem: fomos os primeiros a chafurdar na lama e, assim, temos o “direito de primogenitura” à sujeira! O que esta neófita faz aqui? O crime de Marina, sabemos, não é nenhum destes apontados por redatores fake a soldo de dinheiro público. O pecado venal de Marina é ousar disputar uma eleição. Mais ainda é ousar vencê-la! Não é acidente que Eduardo Campos já tenha sido "pupilo” de Lula, que Marina tenha sido o “Lula de saias”... Deixaram de sê-lo não por terem mudado de caráter ou posição, mas por terem ousado exercer o direito de serem candidatos. Isso sim é abominado pelo Lulismo.

Marina não é isenta de contradições. Pelo contrário. Mas sua candidatura talvez faça com que certas questões sejam discutidas. Qual o papel do capital financeiro no país? Pois a despeito dos discursos orquestrados ele vai muito bem obrigado nas últimas duas décadas. O que são o agronegócio e a agricultura familiar e como realizar uma reforma agrária integrada ao mercado e garantir os direitos dos trabalhadores rurais empregados? Porque hoje a reforma agrária estagnou e a organização sindical rural foi sugada pelas boas relações com o Estado. Como fazer avançar legislações relativas aos costumes promovendo um debate sólido na sociedade? Pois hoje “se joga para a plateia” enquanto se fazem acordos com lideranças reacionárias, ignorando-se a enorme massa que tem sinceros limites e dúvidas, que seria sensível a uma substancial discussão sem caricaturas de parte a parte.

Não se trata tão-somente de que propostas a candidata têm, ou das que tinha Eduardo Campos. Creio mesmo que um fez bem ao outro no curto tempo em que se aliaram. Nem mesmo de uma candidata ou candidato. Até porque vivemos num deserto de ideologias e programas – e oásis de esquerda aqui e ali não mudam isso, até o contrário, deve nos pôr em alerta ao risco de “contaminação”. Trata-se de construir também uma ética de práticas políticas que comece a preparar nelas mesmas as práticas que serão generalizadas no Estado.

Por fim, chama a atenção a unidade de Dilma, e Lula, claro, pois “postes” não pensam, e Aécio, ao desqualificar a proposta de uma ‘nova política”, por parte de Eduardo Campos e Marina Silva. É claro que se pode e deve questionar até onde pode ir tal proposta, hoje sustentada por Marina. Mas o que impressiona é exatamente que mesmo no plano do discurso eleitoreiro Dilma e Aécio não podem admitir tal tema de campanha. Percebem que esta é uma questão sensível no eleitorado, por isso a atacam, mas não são capazes de, sequer de forma marqueteira, jogar com isso... Não a desprezam... A temem.

A prepotência, o apego aos milhares de cargos e influências e o temor da discussão política fazem a campanha baixa do Lulismo. Meias palavras, montagens e associações forçadas inundam as redes sociais e meios de imprensa financiados sabe-se lá como. Contando com o discreto apoio aecista. Trata-se agora de garantir o "nosso segundo turno"... Nisso vale até mesmo o apelo à discriminação religiosa, por meio dos já conhecidos e nefastos jogos maniqueístas, sem pudores do que isso faz de mal no seio da sociedade.

Não faz muito, Lula respondia a manifestantes de rua que se quisessem criticar “entrassem para a política”. Agora, diante do inaceitável risco eleitoral, diz que “não é hora de abandonar a política”. Para Lula a política é uma coisa pronta e imutável. Uma coisa para profissionais, que tem suas regras próprias. A política para Lula é o que aí está, e não há mudanças possíveis. Resta fazer com que esta “política” se volte para os pobres. Como se isso fosse possível. Saudado no mundo da política como "o" legítimo trabalhador, Lula tem uma profunda crença na incapacidade dos trabalhadores de mudar a sociedade e faz disso arma eleitoral conservadora.

Comentários

Unknown disse…
Olá Wlamir. Parabéns pela análise. Tenho que admitir que no início do texto não estava concordando com você, mas ao longo do mesmo o entendi.

Não tinha me atentado para este lado da moeda. Na minha opinião, o fato de Marina Silva não representar nada de inovador na prática não é novidade, mas a tentativa de trazer ao debate uma "nova política", mesmo que de maneira estratégica incomoda os adversários. Realmente os outros dois "grandes" não podem nem especular algo do tipo por terem os rabos amarrados à essas tradições...
Não custa lembrar que surgiram questionamentos sobre a legalidade da documentação e da propriedade da aeronave (prefixo PR-AFA). O histórico da propriedade e dos registros da aeronave é extremamente "anormal"; e, além disso, não há nenhuma gravação de conversas acontecidas na cabine, aparentemente por mau funcionamento do gravador de voz. O avião era operado pela empresa Af Andrade Empreendimentos & Participações Ltda., que tem sede em Ribeirão Preto, São Paulo, mas cedido, em operação de leasing, pela Cessna Finance Export Corporation. Um porta-voz da AF Andrade disse que a aeronave, de US$ 9 milhões, não havia passado por qualquer inspeção recente, mas assegurou que a manutenção era feita regularmente. O porta-voz da AF Andrade não soube especificar quem é, afinal, o proprietário da aeronave, só mencionou o leasing; disse que a aeronave estivera à venda e fora comprada por um grupo de "empresários e importadores" de Pernambuco. Acabou-se por descobrir que o avião foi comprado por um consórcio que incluía a Bandeirantes Pneus Ltda. de Pernambuco. Essa empresa informou que havia negociações em andamento para transferir a propriedade do avião, quando aconteceu o acidente; e que a Cessna Finance Export Corporation ainda não tinha os direitos finais de leasing. Observadores consideram que o Cessna seria um “fantasma”. A U.S. National Transportation Safety Board (NTSB) enviou uma equipe ao Brasil para investigar a queda do avião. Mas, se o trabalho da NTSB em acidentes como os voos TWA 800 e American Airlines 587 indica alguma coisa é essa agência é conhecida por encobrir ações criminosas. Então Eduardo Campos foi substituído na chapa eleitoral por Marina Silva, conhecida por ser muito próxima da infraestrutura da “sociedade civil” global e dos grupos de “oposição controlada” financiados por investidores e operadores de hedge fund globais. Também conhecida por sua (falsa) contribuição para a proteção da floresta amazônica brasileira, Marina tem sido muito elogiada por grupos do ambientalismo patrocinado pelo Instituto Open Society (George Soros). A campanha de Marina está cheia dos termos desse tipo de propaganda: “desenvolvimento sustentável”, “sociedade do conhecimento” e “diversidade”. Marina também apoia com muito empenho as políticas de Israel para a Palestina. Como se vê também na Assembleia de Deus, Marina participa de uma facção religiosa que acolhe, não raramente nas posições de comando organizacional, membros do movimento mundial dos “Cristãos Sionistas”, tão avidamente pró-Israel quanto organizações de judeus sionistas como B'nai B'rith e o World Jewish Congress. A Assembleia de Deus acredita no seguinte, sobre Israel: Segundo a Bíblia, Israel tem um importante papel a cumprir no fim dos tempos. Por séculos, estudiosos da Bíblia ponderaram sobre a profecia de uma Israel restaurada. “Assim diz o Soberano Senhor: Tirarei os israelenses das nações para onde foram. Vou ajuntá-los de todos os lugares ao redor e trazê-los de volta à sua própria terra.” (Ezequiel, 37:21). Quando o moderno estado de Israel foi criado (1948) e os judeus de vários lugares do mundo começaram a ir para lá, os estudiosos da Bíblia viram ali a mão de Deus em ação; e que nós viveremos lá os últimos dias.
Wlamir Silva disse…
Pois é, Rafael, parabéns por ler tudo para se posicionar. Há quem ataque lendo só o título... rsrs Alguns agem como se política fosse assim mesmo, outros como se uma epifania socialista, um belo dia, vá mudar tudo de uma só vez... Isso é tarefa de longo prazo, em várias conjunturas... Um abraço.
Wlamir Silva disse…
Sei... Então a candidata de Lula, que passeia há 4 anos em jatinhos da Oldebrecht fazendo tráfico de influências junto ao Estado vai questionar que era o dono do jatinho que caiu? E vamos pautar a política nacional pelo juízo final? Marina apoio a políticas de Israel?! Vocês são muito engraçados... mas reservem um tempinho para procurar emprego, pois o cabidinho vai balançar...
Revistacidadesol disse…
São racionalizações que usa um comunista reificado por eleições ao tentar racionalizar seu voto na direita, ou seja, Marina. Participei e debati nos grupos de Marina do facebook e verifiquei: são piores do que o PT, têm a ver é com Aécio.
Wlamir Silva disse…
"Reificado por eleições"? Que língua é esta? Como o PT lulista atrai imbecis...
Raphael Chaves disse…
Andei lendo os seus textos e as suas postagens, Wlamir, e trocando umas idéias com o Luan e outros camaradas sobre o pleito.

Ainda tenho minhas reservas em relação à Marina, mas acho que esse processo me permitiu romper algumas cristalizações políticas, idéias prontas e, percebo, imaturas.

Tenho decidido o meu voto no primeiro turno. Para o segundo turno, ao menos tirei a Marina da prateleira do imponderável. Novas questões a considerar...

Um abraço!
Em suas propostas de governo Marina Silva não questiona o neoliberalismo. Embora afirme priorizar as questões de sustentabilidade, conta com o respaldo dos setores do grande capital que buscam modernizar o capitalismo, como é o caso do Conselho de Empresas Brasileiras pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Tem, além disso, como principal financiadora a sua amiga Neca Setubal, milionária cuja família controla o maior banco privado de Brasil e por sua oposição a reestatização parcial da Petrobrás, as ações da empresa subiram 6 pontos quando se deu por segura sua candidatura. No acordo com o PSB para ocupar a candidatura à presidência teve que aceitar como vice-presidente ao Beto Albuquerque, que mantêm estreitos vínculos com o agronegócio e que como deputado defendeu a lei que autorizou o aumento de cultivos de soja transgênica, aliança que casa mal com os motivos de sua antiga demissão como Ministra. O World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), surgiu em 1991 fundado por Stephan Schmidheiny, um magnata suíço, na ocasião da preparação da Cúpula da Terra da ONU de 1992. Depois, Schmidheiny foi nomeado presidente honorário do WBCSD em 2000. Constitui uma rede global à que pertence a seção do Brasil que mencionamos acima e que apoia a Silva. Schmidheiny, uma das pessoas mais ricas do planeta, conseguiu sua fortuna principalmente da multinacional Eternit, a empresa que junto a outras seis mais controlou o negócio do amianto no mundo durante todo o século XX. Essa fortuna, conseguida por ele e sua família a custa da vida de dezenas de milhares de trabalhadores e seus familiares, lhe serviu em parte para fundar e financiar AVINA, uma fundação que afirma defender o desenvolvimento sustentável da América Latina. Atualmente pesa sobre ele uma condenação de 18 anos de prisão pela morte de mais de duas mil pessoas em umas poucas fábricas que tinha na Itália, determinada por um tribunal de Turim em segunda instância. Seguiram muito mais condenações porque também são muitos os prejudicados com a indústria do amianto, uma das mais criminosas do mundo e que o magnata suíço tinha por todo o globo. Colaborar com a Fundação AVINA é apoiar um genocida. Com a Fundação AVINA, Schmidheiny quer continuar fazendo negócios mas, sobretudo, encobrir seus crimes com um verniz verde à custa de desembolsar dólares. Por ela, coopta e se alia com líderes da sociedade civil para obter legitimidade e prestígio. Entre seus aliados mais consistentes estão Leonardo Boff e a Marina Silva, dois brasileiros de muito reconhecimento. A Fundação AVINA, em suas páginas oficiais apresenta Marina Silva como uma aliada sua. Por isso a promove e a convida a eventos de prestígio, como faz com todos seus cooptados. De Marina Silva, pelas relações com Schmidheiny, pela promoção que faz dela, pelo apoio das organizações empresariais das quais Schmidheiny é fundador, e por suas ideais atuais, se pode dizer que é a candidata da Fundação AVINA, não só porque é a preferida do genocida mas porque conta com todo seu apoio e, em caso de obter a vitória, continuará tendo como uma aliada privilegiada. Para os que continuam com Fundação AVINA é preciso adverti-los que com o grande capital não se joga, e que todas as centenas de milhares de vítimas do amianto estão reclamando justiça e indenização.
T. disse…
Wlamir,

Seu raciocínio ora segue uma linha subjetiva e emocional ("meu estômago, meu fígado" etc.), ora pretende mostrar seu apelo lógico irrefutável, conforme a conveniência. Só quero deixar registrado que faço parte desse enorme grupo que você pressupõe ser "financiado sabe-se lá como", para denunciar o falso moralismo de Marina e atacar a intolerância religiosa de seus aliados políticos (e não para exercer nenhum tipo de ataque à sua religiosidade). E que não recebo nenhum dinheiro para isto nem conheço quem receba.
Baseada em informações imprecisas, sua argumentação é frágil e parcial.
Carvalho disse…
Vlamir, quero parabenizá-lo pelo texto. Se tivéssemos mais professores com essa visão e não ficassem doutrinando alunos com suas convicções, teríamos eleitores mais conscientes em suas escolhas.