
Antes de
começar é necessário afirmar que os médicos cubanos estão fazendo um trabalho
muito bom no Brasil. As pessoas atendidas por eles quase sempre ficam muito satisfeitas
e admiradas com o bom tratamento que dispensam aos pacientes. Ademais, eles são
o desmentido vivo das propagandas anti-cubanas que as elites econômicas
brasileiras precisam fazer diariamente, e sem o querer iniciaram no país todo
um debate sobre a situação da saúde pública.
As críticas
aos médicos cubanos partem exclusivamente dos médicos brasileiros, ressentidos
pelo que consideram uma quebra de seu monopólio econômico, e da extrema direita
viúva da ditadura militar. Os médicos brasileiros caíram em uma armadilha
petista, na qual acabaram posando de vilões para os petistas posarem de heróis.
Hostilizados pelas massas em Junho, abandonados pelos comunistas, os petistas
precisavam voltar a posar de inimigos das elites às quais estão grudados, e os médicos
proporcionaram esse show para os petistas!
O PT existe
fingindo-se de socialista, usando símbolos comunistas, pois só esse é o
eleitorado petista, e os médicos fizeram o favor de chamar os petistas de
comunistas. A população brasileira tem mais referência em Che Guevara e em
Fidel Castro que em qualquer sujeito da história brasileira, e os médicos
brasileiros resolveram atacar os médicos cubanos atacando Cuba, e assim fazendo
o PT aparecer como o PT sempre quis, lado a lado com Cuba. Enquanto parte
crescente da esquerda denuncia o capitalismo do PT e atua como oposição, os
médicos brasileiros, ao atacarem Cuba, obrigaram os comunistas, ao menos nesse
assunto, a se colocarem outra vez lado a lado com os petistas, por necessidade
de defender Cuba de mentiras que são as mesmas da CIA.
Mas o pior
de tudo é que assim os médicos brasileiros se isolaram, e reforçaram a mentira
preferia dos políticos sobre a saúde, que os problemas seriam todos culpa dos
médicos e não dos políticos! Essa mentira nunca esteve tão consolidada, porque
os médicos posaram de elitistas, chegando a ir aos aeroportos atacar os cubanos
com piadas racistas, em um país de maioria mestiça, e dizer que as médicas
cubanas parecem “empregadinhas”, em um país em que o povo é todo pobre. Enquanto
isso os políticos, que roubam tanto que se tornaram os donos dos hospitais e
clínicas particulares e por isso sabotam o sistema público, estão posando de
humanistas.
Fato,
porém, é que o programa Mais Médicos fracassou. Fracassou em primeiro lugar porque
sempre foi uma farsa, e para entender isso basta analisar os números. Existem
no Brasil de 350 a 360 mil médicos, e os estrangeiros que vieram foram pouco
mais de 4 mil. É elementar que os problemas de saúde de um país que já tem 350
mil médicos são muito maiores do que o que possa ser resolvido por apenas 4 mil
médicos, por melhores que sejam esses 4 mil. Mas os problemas vão bem além
disso.
Embora no
Brasil faltem médicos, também faltam remédios, macas, exames laboratoriais,
equipamentos em geral, até espaço, higiene e água. Cubanos não são milagrosos,
não podem materializar remédios e macas. O fracasso do Mais Médicos se
materializa simplesmente no fato de que nada mudou, e a população já está
descobrindo isso.
Mesmo
assim, se todos os 4 mil médicos tivessem sido enviados para os 700 municípios
que não têm nenhum médico, ainda poderiam fazer um trabalho muito melhor. Mas
não foi assim. A maior concentração dos médicos estrangeiros, pasmem, é na
grande São Paulo, que já era a cidade que tinha mais médicos antes do programa
Mais Médicos. Uma cidade como São João del Rei, que apesar de ter uma “máfia
branca” odiada pela população por monopolizar o sistema de saúde, é um pólo
regional, que sempre recebeu pacientes de dezenas de cidades vizinhas, agora recebeu
mais 17 médicos estrangeiros. Ora, qual o significado disso? Por que não são os
700 municípios sem médicos que recebem o maior número de médicos? Simples,
porque esses são também os municípios com o menor número de eleitores, enquanto
São Paulo é o maior colégio eleitoral! Ou seja, os médicos estrangeiros estão
sendo usados eleitoralmente!
Nas cidades
para onde estão sendo enviados, que já têm médicos, os problemas de saúde não
são os mesmos das regiões para os quais os médicos cubanos tradicionalmente são
enviados. Os cubanos enviados nessas missões são formados para ajudarem
populações pobres, que precisam dos tratamentos mais básicos, não para lidarem
com papéis e burocracias. Ademais, obviamente, para ajudar países pobres
envia-se clínicos gerais, não especialistas nessa ou naquela área. Contudo, em
cidades brasileiras que já têm médicos os problemas dos pobres é não terem
acesso a especialistas e muita gente também procura médicos em busca de
documentos, não de saúde. Como os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs)
representaram os médicos brasileiros em sua militância xenófoba, não forneceram
aos estrangeiros os números de registro (o chamado CRM), e como os políticos
brasileiros são fracos, não conseguiram arrancar os CRMs, e deram licenças aos
estrangeiros via Ministério da Saúde, que no entanto não são CRMs, de forma que
os atestados dados pelos estrangeiros muitas vezes não são reconhecidos.
Já está
claro que os médicos cubanos, embora continuem cubanos e sob leis cubanas,
estão trabalhando no Brasil isolados uns dos outros, sob comando dos políticos
brasileiros. Entre os brasileiros já circula a piada de que os cubanos estão
aqui para se corromperem e depois sabotarem a Revolução Cubana. É piada, mas de
fato os cubanos foram jogados dentro de uma máquina corrupta. O Brasil não
consegue nem receber ajuda estrangeira!
Mesmo que
ao invés de 4 mil fossem 40 mil cubanos, e mesmo que ao invés de estarem
distribuídos entre políticos aliados do governo estivessem em equipes dirigidas
por eles mesmos, se deslocando para onde quisessem, o programa Mais Médicos
seria somente um alento para o povo, não uma solução, pois obviamente não se
pode viver de ajuda estrangeira. Um dia esses médicos têm que voltar para casa,
e nós mesmos temos que resolver nossos problemas. Como?
A saída
liberal, de mercado, é aumentar a oferta, ou seja, formar mais médicos
brasileiros. Claro que precisamos formar mais médicos, o que é nítido pela
relação médicos por habitantes abaixo do recomendado pela OMS e muito abaixo de
Cuba. Contudo existem dois problemas com essa saída, um que a torna demorada,
outra que a inutiliza. Em primeiro lugar, para se formar médicos são
necessários professores médicos com mestrado e doutorado, e isso não é fácil.
Para contornar isso o governo tentará criar faculdades sem o número necessário
de professores doutores, ao que os CRMs se opõem, nesse caso com razão. Temos,
sim, que crescer nossas faculdades de medicina, mas não derrubando a qualidade
e multiplicando os açougueiros. O segundo problema é que o modelo de medicina
brasileiro, por força do mercado, é altamente especializado, ou seja, os
médicos formam-se para tratar somente dessa ou daquela especialidade. Assim,
para termos médicos suficientes teremos que multiplicar muito mais os médicos.
Temos que romper com esse modelo, ou estamos perdidos. Claro, a especialização
excessiva também é péssima para a qualidade, e gera problemas como a falta de
clínicos gerais e de pediatras, em benefício de especialidades mais fáceis e
que dão mais dinheiro. A opção pela ultra especialização, naturalmente, é
também uma opção pela doença, pois especialistas de muitas áreas só têm
pacientes que já estão em estado avançado de suas doenças. Ou seja, a medicina
preventiva derrubaria o mercado de muitos médicos que se reduziram a só uma
área de atuação.
Porém,
existe uma saída inteligente, que não descarta a necessidade de formar mais
médicos, mas pode melhorar muito a situação desde já. É uma histórica bandeira
dos Sindicatos dos Médicos, a carreira federal. Poucos percebem que os médicos,
apesar de ganharem bem, o fazem por conta própria, não têm carreiras seguras,
com aposentadorias e garantias. Acusamos os médicos de não quererem ir para as
cidades pobres do interior, mas não lhes damos garantias para fazerem isso! Hoje
os médicos quase só têm duas opções, ou o setor privado ou as Prefeituras. Em
nenhum desses casos é seguro ir para cidades pobres, e no caso das Prefeituras
os médicos sabem que só ficarão enquanto durar o mandato do prefeito, depois
serão demitidos, ai terão que voltar para suas cidades de origem sem emprego,
sem contatos e desatualizados.
Ora, uma
carreira federal (sim, porque no Brasil tudo que é estadual já se sabe que não
presta e o municipal não existe) resolveria diversos problemas de uma só vez.
Em primeiro lugar, não sobrariam municípios sem médicos, porque um médico
recém-concursado não recusaria ir para a cidade que o mandassem, uma vez que
saberia que logo aconteceriam novos concursos e ele poderia fazer concursos
internos para ser transferido para outra cidade de sua preferência, ficando as
cidades piores sempre para os novatos. Resolveria o crescente problema da
qualidade, pois o concurso em si seleciona os melhores e estimula os estudos.
Também não seria mais caro, porque os poucos médicos que sobraram empregados
pelo INSS ganham menos que as bolsas pagas no Mais Médicos, e nem por isso
largam esses empregos. O problema real é que os políticos brasileiros, como já
se explicou em artigo anterior do São João del Pueblo, querem substituir empregos
decentes por bolsas. Querem ter em mãos dinheiro vivo para suas maracutaias,
para obras das quais podem tirar seus 10%, e por isso não querem comprometer o
dinheiro público em salários de profissionais dos quais não podem tirar
percentual nenhum.
Não foi
dita até agora nesse artigo nem uma palavra sobre o SUS. Se fosse uma máquina
funcional o SUS poderia fazer concursos nacionais de médicos e enfermeiros, mas
não é. O SUS é só propaganda e confusão. Propaganda de que é democrático,
quando na verdade o dinheiro da saúde continua sob controle dos poderes
executivos e seus ministros e secretários, não do SUS. Propaganda de que é
único, enquanto na verdade é muito bem dividido entre público e privado, sendo
que o setor privado não contribui mas pega parte do dinheiro da saúde, e
dividido também entre as esferas nacional, estaduais e municipais, dificultando
qualquer ação. Em resumo, como sempre, concursos nacionais de médicos e
enfermeiros teriam que ser decididos pela presidência da República, que resolveria
se faria isso via SUS ou por meio de outro instrumento.
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