O prefeito que foi reitor e a desmoralização da intelectualidade



O prefeito atual se elegeu sobretudo por ter emplacado a fama de ter sido um bom reitor da UFSJ. Os professores, técnicos e muitos estudantes confirmaram para o resto do povo essa fama, e em maioria apoiaram o ex-reitor como candidato a prefeito. Agora, quando a população se decepciona com o ex-reitor, é como se mais uma pá de terra caísse sobre o túmulo do prestígio político dos intelectuais. É chegada portanto a hora de explicar muito bem ao povo o que realmente é a intelectualidade, primeiro o conceito, depois os fatos em nossa sociedade, para tentar limpar a lambança feita pelos “doutores” e reduzir um pouco o culto à ignorância que certamente retornou por obra e graça do ex-reitor e de seus cabos-eleitorais.


Comecemos por esclarecer que não consideramos que o atual prefeito foi um bom reitor. Quem tiver dúvidas pode estudar os artigos antigos do São João del Pueblo, onde encontrará inúmeros artigos, escritos por esse e outros autores, com duras críticas ao atual prefeito quando ainda era reitor. Ele teve dois mandatos, sendo que no primeiro era uma rainha da Inglaterra, sendo a reitoria dirigida coletivamente por uma boa equipe, escolhida por um movimento sadio de professores. Contudo, foi ele quem colheu os frutos políticos dessa primeira gestão, e quando se reelegeu reitor rompeu com essa equipe, a substituiu por seguidores pacatos, e então revelou o que realmente é. Submeteu a UFSJ ao governo federal, como cobaia para todos os seus projetos, e como palanque eleitoral do deputado federal governista. Isso significou a criação de uma leva de cursos sem recursos, sem professores, que significam o sucateamento da universidade. Usou, ele mesmo, a UFSJ como palanque eleitoral, usando a instituição para sua autopromoção. É acusado de perseguir alunos e professores que lhe faziam oposição, e todos sabem que gastou 120 mil reais na reforma de uma pequena quadra de basquete, que já existia desde o tempo dos padres.

Não é portanto nenhuma novidade para quem fez oposição ao prefeito quando ele ainda era reitor que agora aumente o próprio salário e os impostos, nem que se negue a fazer auditoria das administrações Nivaldo e que mantenha na Prefeitura cabos eleitorais nivaldistas. Não é novidade que não consiga resolver nenhum problema, nem que espere para tudo a ajuda do governo federal. O segundo mandato dele na reitoria foi todo um uso eleitoreiro dos programas federais, e pelo visto ele acreditou - que estupidez - que seria possível fazer o mesmo em uma Prefeitura. O povo pergunta nas ruas “quando o prefeito vai tomar posse” e o prefeito responde anunciando que chegarão verbas federais.

Porque então professores universitários o apoiaram? Eu apostaria em três motivos influenciando diferentes professores. O primeiro é o anti-nivaldismo (para quem é de fora é necessário esclarecer que Nivaldo é como um Maluf, um Newtão, um Bejani local), que leva muitos sãojoanenses a acreditarem que qualquer um é melhor que Nivaldo, em um posicionamento claramente elitista e falso, além de intelectualmente pobre, uma vez que não chega a compreender que o regime político é que cria os Nivaldos, o que se comprova pelo fato deles brotarem em todas as cidades. O segundo deve ser a esperança de vantagens para a UFSJ ou até pessoais. O terceiro, e aqui temos que começar a ser duros, é que não há nenhuma relação entre um sujeito ser intelectual e ser inteligente. Claro que existem intelectuais inteligentes, mas isso não é uma regra. Ou seja, muitos professores universitários realmente não conseguiram compreender que tinham um péssimo reitor, portanto não estavam mentindo nem por antinivaldismo, nem por oportunismo, mas simplesmente estavam sendo enganados pela propaganda que recebiam.

Bom, quando falamos de intelectualidade estamos nos referindo a todos os que trabalham com idéias, de forma que todo professor, todo padre, todo advogado, todo universitário, todo poeta, todo chefe político é de fato um intelectual. Só com isso já demonstramos que nem todo intelectual é inteligente, pois todos já tivemos professores completamente idiotas, para citar um exemplo que como professor tenho o direito de citar.

No Brasil, porém, a diferença é maior ainda! Derrubemos algumas lendas. Em primeiro lugar , os títulos. Como mestre posso dizer que um mestrado não é nenhuma prova nem de inteligência, nem de conhecimento. Um de meus colegas de mestrado mal sabia ler e escrever, e posso escrever isso aqui sem medo dele ler, que não é um hábito dele, hoje fazendo doutorado. Todos os que já foram alunos de uma Universidade Federal já tiveram professores doutores que provavam-se extremamente burros. A única coisa que mestrados e doutorados formam no Brasil são pesquisadores, cada um especialista em uma área muito restrita. Muitos dos professores universitários só fizeram portanto um caminho cada vez mais restritivo desde que saíram do ensino médio, e por isso quando caem em uma sala de aula só sabem falar do que pesquisaram no doutorado, onde passaram quatro anos lidando praticamente com um assunto só. A forma de escolha de professores universitário não é por competência, nem por conhecimento, mas por títulos. Porque não mudar isso? Porque nossa sociedade é tão corrupta, e a escolha é feita por cada departamento, de forma que outro critério significaria a indicação pura e simples de amigos e parentes. Se a própria titulação já não serve para indicar parentes e amigos? Sim, mas nesse caso ao menos o beneficiado tem que passar dois anos pesquisando em um mestrado e quatro anos pesquisando em um doutorado.

Outra lenda, na qual só acreditam os que nunca pisaram em uma Universidade, é que os professores universitários e os estudantes são em maioria de esquerda. Como as pessoas também acreditam que o PT é de esquerda essa mentira tende a se fortalecer em São João del-Rei. Comecemos por explicar os conceitos, direita e esquerda, que nasceram durante a Revolução Francesa. À direita no parlamento assentavam-se os defensores do rei, do absolutismo, do antigo regime, fanáticos religiosos que acreditavam que o rei era rei por vontade de deus, machistas, racistas, em uma palavra, antigos! À esquerda assentavam-se o republicanos, defensores de um novo mundo, das inovações, da liberdade, da democracia. Com a derrota do Antigo Regime e o ocaso das monarquias em todo o mundo, esses termos se deslocaram, sendo usados para diferenciar os próprios republicanos, entre os mais conservadores (direita) e os que continuaram lutando por reformas e revoluções (esquerda). Contudo, pasmem, nas Universidades ainda é possível encontrar professores que são direita à moda antiga, que defendem a monarquia e outras antiguidades. Também existem revolucionários entre os professores universitários? Sim, como até nas Forças Armadas, mas eles não são maioria, e em muitas Universidades eles são perseguidos. Foram expulsos pela ditadura de 64, e depois os professores que foram deixados pelos ditadores, de direita portanto, tentaram não permitir que a esquerda retomasse suas posições, e como são os próprios professores que escolhem os que entram, em muitos lugares conseguem manter a esquerda excluída até hoje. Quando fiz minha graduação os professores marxistas negavam serem marxistas e eu mesmo tinha que conter meu marxismo e usar eufemismos se não quisesse ser reprovado na maioria das matérias. Na UFSJ é conhecido o caso do curso de Filosofia, que segundo as lendas seria em todo canto um ninho de comunistas, mas foi de fato controlado por décadas por um só professor doutor anti-marxista, que longe de algum dia ter sido de esquerda, é sim suspeito de ter sido dedo-duro durante a ditadura.


Será possível ensinar tudo isso ao povo? Dificilmente! Por muitas décadas a população acreditou na intelectualidade, sendo sempre decepcionada, e a república de 1988 tem revelado uma nova moda, em que a população elege os mais ignorantes dos candidatos, por empatia, por desprezo em relação à intelectualidade, e pela experiência do passado. As seguidas eleições de Nivaldos e Lulas têm um toque desse culto à ignorância. Nivaldo já afirmou em um palanque que não tem estudos mais foi o melhor prefeito de São João, e as massas sem estudos certamente se sentiram de alguma forma confortadas, ou menos diminuídas. Quase por milagre o povo deixou de lado essa vaidade e votou novamente em um intelectual, só para se decepcionar outra vez. Como a maioria dos professores universitários e dos estudantes apoiaram o ex-reitor, o que é lamentável sobretudo pelas perseguições que ele moveu, desmoralizaram-se junto com o prefeito, pois ou bem são cúmplices de seu desgoverno, ou bem não enxergam o que têm debaixo dos próprios narizes.

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