A UNIVERSIDADE MARIONETE


Wlamir Silva
Militante do PCB
Historiador e professor da UFSJ


No dia 5 de dezembro a reitoria da UFSJ anunciou com solenidade e publicidade um montante de investimentos e a criação de novos curso. O total dos investimentos soma R$ 60, 70 ou 75 milhões, de acordo com a fonte. Tais recursos, “pactuados”, seriam “extraorçamentários” (sic), oriundos de emendas propostas por parlamentares (1). Sua destinação e projetos são desconhecidos dos conselhos superiores e ainda mais da comunidade universitária.

Os investimentos implicarão na abertura de três novos cursos e três novas entradas para graduações (2). Em comum o fato de que todos se iniciarão ainda em 2014. A justificativa é aparentemente inquestionável. Afinal, trata-se de ampliar o número de vagas demandadas pela sociedade e de melhorar as condições dos cursos, os já existentes e os novos. E com ela as cobiçadas vagas para docentes e técnicos administrativos. O mote é a expansão sempre desejável e de difícil discussão. Como ser contrário à expansão da universidade pública? E o tilintar dos milhões se impõe em nossas realidades precárias e em nossos ouvidos pouco treinados para as grandes cifras.

Dos R$ 60 ou 70 milhões, cerca de R$ 8 milhões serão destinados para a compra de terrenos (para o já aprovado curso de medicina em São João del-Rei) e de duas fazendas (para os cursos de zootecnia e de ciências econômicas, respectivamente em São João del-Rei e Sete Lagoas), além da compra de uma da área (450 mil m2) para um parque tecnológico de base inclusiva (2). Outra parte financiará a construção de cinco ou mais prédios (não fica claro se dentre os cinco citados estão incluídas as instalações do curso de medicina em São João del-Rei). Os investimentos na infraestrutura serão realizados com os R$ 52 ou 62 que restarão após as aquisições imobiliárias (4).

Na cerimônia, além dos dirigentes da UFSJ, encontravam-se o atual prefeito de São João de-Rei e ex-reitor da UFSJ, e, sobretudo o deputado federal Reginaldo Lopes, destacado como “articulador”, segundo a reitora, de “trabalho incansável” em prol da consolidação da Instituição. À vontade no palanque, o deputado fez referência ao trabalho de “uma equipe altamente qualificada” e, sobretudo, uma curiosa observação. Afirmando que são garantidas as verbas orçamentárias da Educação, mas ressalvando a necessidade “manter o ritmo da expansão”, sugerindo que outras verbas exigem intermediações... Adivinhem de quem?

Trata-se de muito dinheiro? Não sabemos. Até porque não há planejamento de custos e necessidades, muito menos à disposição da comunidade universitária. Como exercício comparativo, lembramos que a reforma do Estádio Independência em Belo Horizonte, para um público de pouco mais de 25 mil pessoas – sem a compra de terrenos e uma estrutura acadêmica muito mais complexa – custou R$ 125 milhões.

Mas o pior é o atrelamento sugerido pelo deputado e acatado pelos dirigentes da UFSJ da consolidação da universidade à sua contínua expansão. Em especial por uma expansão de motivação externa, cada vez mais acelerada e com cada vez menor participação da comunidade universitária. Uma lógica que mantem a universidade em constante situação de penúria, afetando alunos que se formam em condições precárias de número de professores, salas de aulas, laboratórios, bibliotecas, cantinas, xerox etc., professores e técnicos sobrecarregados em parte significativa de suas vidas profissionais (com o consequente desgaste e até o adoecimento) e condições de realização acadêmica limitadas.

Em especial se eterniza e, pior, se naturaliza a carência de profissionais. Entre os professores temos notícias de cargas horárias e número de alunos por turma incompatíveis com o trabalho universitário, em especial nas nossas prementes necessidades de consolidação acadêmica. Quanto aos técnicos é visível a inadequação do seu número em relação ao crescimento institucional, com evidentes prejuízos para as atividades acadêmicas. O processo é conhecido, assemelha-se ao sucateamento do ensino básico no período mesmo de sua expansão, desde os anos 1990, pelo aviltamento do trabalho de professores e demais profissionais da educação.

O crescimento indiscriminado, não planejado e forçado – visto que se impõe como condição para verbas e contratações já necessárias à estrutura existente – faz com essas condições precarizadas se constituam, paulatinamente, no próprio “DNA” da Instituição. Logo esses padrões se imporão ao já existente. Assim, a desabalada carreira movida por interesses eleitoreiros (daí a pressa em inaugurar cursos ainda em 2014) fragiliza a Universidade Pública com a conivência de seus dirigentes e conselhos e sob os olhos de uma comunidade universitária imóvel.

As condições são expressas com crueza pelo deputado: “A UFSJ ainda tem [destaque-se o "tem"] que continuar trilhando um caminho de crescimento”. E a reitora destaca a importância – necessidade? – da intermediação do deputado, que, segundo ela, “[e]m Brasília, ele é muito respeitado, abre as portas”. Claro, o deputado é expoente do Lulismo que domina o PT mineiro e,mais importante, apoiador incondicional do governo, tendo proferido recentemente, num de seus raros discursos, a defesa e a apologia dos condenados mensaleiros. Portanto, mais do que qualificado para promover o tráfico de influências clientelista e antirrepublicano que infelicita o país.

Afinal, nada disso foi discutido com a comunidade universitária, e nem passou pelos conselhos superiores. Com exceção do novo curso de medicina, embora também o tenha sido feito como fato consumado, depois do uso político da “concessão”, e praticamente sem informações. Aliás, aprovado em conselho atropelando a exigência de que a cessão de professores tivesse o aceite dos departamentos citados no processo, o que não havia e já aponta para a intenção de promover o curso a custa do aumento de carga horária docente. A decisão foi feita com a condição de negociar depois, ou seja, sob a pressão do fato consumado e por meio de gestões “políticas”, que envolvem a possível troca de amabilidades e influências...

São necessários investimentos e contratações para o que já foi aprovado e reconhecido pelo governo, mas eles só são feitos se houver expansão, o que, por sua vez, cria novas necessidades, que exigirão nova expansão, que gerará novas necessidades... Nesta ciranda as necessidades nunca são satisfeitas e, no limite, restará a precariedade quando a expansão terminar. Ao fim, restarão formações e carreiras prejudicadas, e um novo modelo que se caracterizará pela carga horária docente excessiva, técnicos sobrecarregados e a paulatina destruição da Universidade como produtora de conhecimento e com capacidade crítica.

Talvez por isso a reitora tenha afirmado na ocasião que a UFSJ dá “passos firmes [...] para se tornar um polo difusor [destaque-se o "difusor"] de conhecimento, empreendedorismo e desenvolvimento tecnológico”. Difusor, não criador... Também no campo dos atos falhos, o site do deputado Reginaldo Lopes afirma que “[as] novidades vem de encontro à demanda da Universidade”, mostrando que até o desconhecimento da língua portuguesa denuncia o imbróglio. Não cabe à comunidade universitária decidir o que ela precisa e almeja ser...?

Curiosamente, na edição do “Jornal da UFSJ” publicado em novembro, e ainda em distribuição quando da citada solenidade, vê-se a “tirinha” que anexamos a este texto. Nela uma marionete clama por liberdade, e uma voz condescendente (com direito à expressiva mesóclise: dar-te-ei...) concede “uma chance”, cortando os fios do boneco que, então, se esparrama inerte pedindo por socorro... O ato falho da reitora reservando-nos o papel de meros difusores e o discurso impositivo do deputado se completam aqui. O “Jornal da UFSJ” que tão bem retrata os rumos que a ela são dados – pelo colorido propagandístico que esconde a ausência de crítica e debate – encontrou a síntese na UFSJ que é hoje construída. Liberdade não existe – e os seus meios: autonomia e democracia –, somos escravos de nossos senhores, os que, generosamente, manipulam nossos fios... Ou nossas verbas... E a eles devemos eterna e submissa gratidão...


(1) Tivemos acesso a uma matéria do Globo/ Zona da Mata, que fala em R$ 60 milhões, o Portal da UFSJ fala em R$ 70 milhões, o site do deputado Reginaldo Lopes diz R$ 75 milhões e inclui outras rubricas como caixas d’água... Mas, o que são dez ou quinze milhões de reais em tão minucioso planejamento, não é mesmo? Seguem abaixo os links.

http://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2013/12/ufsj-anuncia-investimentos-e-criacao-de-novos-cursos-para-2014.html

http://ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=4314

http://www.reginaldolopes.com.br/?pagina=integra&secao=educacao&cd_noticia=3189

(2) São anunciados três novos cursos de engenharia, em Sete Lagoas, deixando clara a indefinição de quais serão eles “[s]erão três engenharias. Ainda não estamos com isso fechado, mas tudo indica que serão as de produção, florestal e mecatrônica”. São também anunciados um novo curso de engenharia biológica e novas entradas para os cursos de ciências econômicas, ciência da computação e engenharia de produção em São João del Rei. Na matéria do deputado, fala-se ainda em outros três cursos, ainda em 2014.

(4) Não há notícia de que esses valores já tenham sido negociados.

(5) É curioso que as condições básicas de implementação do curso de medicina já efusivamente comemorado estivessem na dependência de articulações de momento.

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