MAIS MÉDICOS E O RECADO DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

 Wlamir Silva
 Professor e historiador


A vinda dos médicos cubanos e o apelo emocional de atendimento a populações carentes vêm tendo um grande efeito de marketing político para o governo Dilma. Seus marqueteiros devem estar rindo de orelha a orelha com o desvio de foco das já esquecidas manifestações de junho.

Mesmo mais à esquerda, a estranha síntese entre a defesa do socialismo cubano e a repentina preocupação com a estrutura da saúde – até então um detalhe no oba-oba dos estádios para a Copa do Mundo – enevoou o senso crítico de muita gente.

Para tanto, foi essencial outro golpe de marketing. Criar um inimigo público número um. E os médicos tupiniquins, por motivos reais e ilusórios, foram alçados ao papel de vilões. Contra os quais todos, até empedernidos defensores da ordem capitalista, opõem o altruísmo dos cubanos.

No tiroteio cruzado, um detalhe fica esquecido. O uso de bolsas em lugar de salários e um contrato precário em lugar de carreira pública. Sem direitos trabalhistas e com vínculo precário. Foi isso o oferecido aos médicos brasileiros para atender nas áreas de “emergência”.

Os médicos estrangeiros vêm de forma emergencial, seja no acordo entre Brasil e Cuba ou adesões individuais. No primeiro caso, são funcionários do Estado cubano, no segundo, assumindo as condições precárias criadas pelo Estado brasileiro.

Passada a emergência – convenientemente descoberta em meio à crise e próxima às eleições – o que restará do Mais Médicos? A precariedade das relações de trabalho. Que não é um acidente, pois se insere num projeto de precarização do trabalho.

Um projeto que já tem seus exemplos no mercado de trabalho privado com as flexibilizações e terceirizações. No ensino superior federal ele se manifesta claramente nos tutores de educação a distância, exatamente no formato proposto aos médicos: bolsas.

Evidenciado, no mercado de trabalho privado, na gestação do Acordo Coletivo Especial que, sob o pretexto de reformar as nossas “atrasadas” leis trabalhistas, submeterá direitos à livre negociação, permitindo, entre outras coisas, contratações temporárias e a terceirização sem limites do trabalho.

E ainda mais evidente com o apoio do governo ao projeto do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) de ampliação da terceirização do trabalho para as atividades fim – não apenas para as atividades meio – das empresas*, que está neste momento na Câmara dos Deputados.

No âmbito das universidades federais, já chamamos a atenção para o fato de que um projeto estimulado pelo MEC de Consórcio entre universidades abrir brechas para a contratação precária de pesquisadores*.

Passada a emergência – e as eleições – o que ficará será a legitimação da contratação precária no serviço público. Imposta aos médicos e já anunciada também para professores do ensino básico.

Para além da briga de comadres – na qual algumas “barbaridades” parecem vir de encomenda para alimentar a marquetagem – é conveniente um olhar mais “cirúrgico” sobre as ações e intenções de um governo que agora descobriu que o SUS não é quase perfeito...

  
*http://oglobo.globo.com/economia/ministro-defende-aprovacao-de-lei-para-ampliar-terceirizacao-9698270
**http://portal.andes.org.br/imprensa/publicacoes/imp-pub-1113956493.pdf

Comentários

Mas não se resolve a situação da saúde pública apenas com médico, também é preciso uma rede de serviços de saúde pública de qualidade, com disponibilidade de equipe multi-profissional e equipamentos.

Não endosso discursos xenófobos, racistas e corporativos e qualquer tipo de intolerância e hostilidade aos médicos cubanos. E defendo o direito dos trabalhadores de qualquer nacionalidade de trabalharem no Brasil.

Mas esse programa não resolve os problemas de saúde do país porque não altera a questão principal, que é o subfinanciamento e a privatização da saúde pública.

O programa serve como arrecadação de receitas para Cuba, e um mecanismo para responder à carência de médicos no SUS, barateando o custo da mão-de-obra.

Os médicos serão contratados como bolsistas de “aperfeiçoamento em serviço". Trabalhadores que têm seu emprego substituído por bolsa de estudo estão submetidos à precarização e a negação de direitos trabalhistas, como regulamenta a Constituição.

Além disso, o pagamento das bolsas de estudos e de todas as despesas do projeto será realizado pela EBSERH e suas subsidiárias, uma terceirização da gestão pública que o governo tenta implantar em toda a rede de hospitais, institutos e hospitais universitários.

A solução para a saúde pública é o investimento em infraestrutura, concurso público com contratação, e a implementação de planos de carreira, com salários justos, estabilidade e estímulo à qualificação permanente, para todos os profissionais de saúde.

A viabilidade do SUS depende do financiamento adequado e, para isso, é preciso destinar 10% do PIB para a saúde pública e acabar com as privatizações e a precarização das condições e relações de trabalho.