CLIENTELISMO IMPOSITIVO




Wlamir Silva

Quando o governo interpretou, parcialmente correto, o sentido das manifestações de junho como um clamor por uma reforma política, propusemos, em tom de provocação, entre outras coisas, o fim das emendas parlamentares individuais. 

A paralisação da proposta de plebiscito do Executivo – de evidente, oportunista e calculada extemporaneidade e indefinição –, a fragilização daquele poder e o refluxo das ruas propiciou ao Congresso Nacional uma ofensiva que demonstra a centralidade das referidas emendas.

O projeto de orçamento impositivo, ou mandatório, aprovado em tempo recorde pela Câmara dos Deputados, é claro, labuta no sentido oposto do que singelamente propomos. Reforça-se e se justifica o loteamento do orçamento nacional sob o argumento de que, obrigado o Executivo a custear as emendas individuais, acaba o “toma lá da cá” entre estes poderes.

Os defensores da nova forma argumentam que as emendas parlamentares são uma parcela ínfima do orçamento (0,5 %) e que elas são a forma de atender a demandas específicas e localizadas do eleitorado.

A questão é que, por pequena que seja, a execução das emendas parlamentares individuais (R$ 10 milhões anuais por deputado) exerce forte impacto numa população desassistida e refém da ineficácia das ações estruturais. Sendo, pois, uma forte moeda de troca e negociação da pequena política local e de interesses privados que a circundam.

Além disso, a lógica das emendas corrobora uma prática maior, pela qual além daquelas emendas os políticos da base governista exercem o tráfico de influências na viabilização (às vezes basta o anúncio) de benesses governamentais, tais como hospitais, campi universitários e tecnológicos, hospitais, estradas etc. Prática por demais conhecida de todos.

A aprovação do orçamento impositivo afirma de fato e simbolicamente estas práticas. E se sequer elimina as relações promíscuas de troca entre o Legislativo e o Executivo – apenas as deslocam e talvez as ampliem, visto que serão necessárias moedas de troca a mais... –, ela reforça e eterniza as relações clientelistas com o eleitorado e os interesses privados.

Cada vez mais um gabinete político é uma arma poderosa para a reeleição e a manipulação eleitoral. Aprofunda-se junto à população descrente do sistema representativo a cultura política do patrimonialismo clientelista. Firma-se, de fato, um paradoxo perverso: o ódio à política e o reconhecimento tácito de que ela é isso mesmo.

E não cai bem ao atual Executivo fazer-se de vítima deste Congresso. Tais relações foram mantidas, justificadas e alimentadas por mais de uma década. Não são os trocados a mais ou um balcão a menos que os difere...

As manifestações refluíram – e isso é natural, não há sociedade que viva “nas ruas” – e o que ficou? Ou a crítica política se encorpa, sendo, propriamente, política, ou seguiremos suscetíveis a jogadas e golpes de um sistema político venal e submisso ao capital...

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