Como tenho escrito artigo após artigo, o antipartidarismo
das manifestações é um nítido sintoma de falência do regime político da
Constituição de 1988. Os partidos são a parte do sistema político que tenta ser
popular. Se a parte que tenta está tão impopular, o que dizer da parte que não
tenta? Tenho notado que algumas pessoas desatentas acham que por isso eu também
sou antipartido, quando na verdade sou membro do Partido Comunista desde
sempre. Mas certamente, antes de me filiar, tive repulsa por todos os partidos,
e até hoje tenho repulsa pela maioria deles. Não há brasileiro que goste da maioria
dos partidos, há no máximo aqueles que gostam do próprio partido e atura os
aliados.
O Partido Comunista, porém, não é um partido como os outros,
não é uma quadrilha para escalar os cargos públicos, é uma organização para
construir uma Revolução e a partir daí criar uma verdadeira República,
verdadeiramente democrática, ou seja, governada pelos trabalhadores e não por
políticos profissionais. Como historiador, logo notei que não é possível nenhum
movimento, nem mesmo um levante, uma revolução, obter sucesso na atualidade sem
uma organização científica, que consiga enxergar ao longe no tempo e no espaço,
de forma a conseguir ensinar os caminhos.
Eis ai esse movimento, já vai acabar. A redução das
passagens deixou o movimento sem bandeira, ou com uma bandeira pela metade. O
tamanho das multidões e a variedade de grupos deixou os organizadores sem
controle, com medo das possíveis conseqüências, e o Movimento do Passe Livre de
São Paulo acaba de anunciar que não convocará novas manifestações. Agora a TV e
a polícia acabarão de linchar os pequenos grupos que insistirem em continuar na
festa que acabou.
Fato é que o Movimento do Passe Livre não planejou que as
coisas chegassem a essa dimensão. A repressão policial foi que levou as massas
para as ruas e transformou um protesto de bandeira meramente econômica em um
protesto político. Os cartazes deixaram muito claro a grande insatisfação com a
“política brasileira”, um sentimento, ainda nada racionalizado. Um sistema
político e os partidos são indissociáveis, mesmo aqueles partidos, como o meu,
que defendem outro sistema político. Os manifestantes podem não entender isso,
mas sentem, assim como sentem que a polícia, as TVs, os bancos etc. fazem parte
do mesmo sistema. O MPL não tinha e continua não tendo um projeto de país. Não foi
criado para isso, mas para uma pauta específica, o passe livre, e se resolvesse
ter projetos para outras coisas, se dividiria. Então, quando o movimento
tornou-se de contestação do sistema político, o MPL manteve-se agarrado ao
passe livre, e agora é obrigado, por prudência (e acho que está certo, antes
que a violência piore a toa, porque seriam mortes sem resultados), a recuar em
São Paulo, exemplo que será seguido em outras cidades de acordo com as
circunstâncias referentes às passagens de ônibus.
Não ter projeto e não ter partido é a mesma coisa, embora no
Brasil, dada a crise partidária criada pela própria Constituição, isso não seja
muito claro. Parte da fraqueza dos partidos revolucionários é resultado de sua
falta de projetos claros e detalhados. Falam vagamente de socialismo e de poder
popular, mas isso não é projeto, são conceitos teóricos, que só interessam a
nós mesmos. Pior ainda, alguns partidos pretensamente revolucionários parasitam
sindicatos e entidades estudantis da mesma forma que os grandes partidos
parasitam o estado, usando inclusive miniaturas do mesmo regime político, para poderem
dizer que parasitam por culpa dos eleitores, em um e outro caso. Portanto a
repulsa de muitos manifestantes tem suas razões, além da ignorância. Há alguns anos
eu já defendo que o Partido Comunista não leve bandeiras para certas
manifestações (há casos e casos) porque já notei o descontentamento e a artificialidade.
Eis a tragédia atual do Brasil. Não é o antipartidarismo, é a
falta imensa de um Partido que consiga criar um projeto que resolva os
problemas que existem. Não um projeto de governo, mas um projeto de
Constituição. Sem projeto, e sem organização, como a história já está farta de
nos ensinar, não há vitória. Teremos que nos contentar com centavos.
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