A Revolta do Vintém e as manifestações atuais no Brasil



É engraçado ver diversos comentaristas e líderes políticos tentando entender as atuais manifestações de massas no Brasil comparando-as a eventos de países distantes e muito diferentes, e desconhecendo a história brasileira.  A Revolta do Vintém teve contornos semelhantes ao que vemos no momento.


Em 1879, o governo imperial, então nas mãos do Partido Liberal, que era o partido em que se concentravam os militantes e as simpatias contestatórias, criou o imposto do vintém, pelo qual cada passagem de bonde seria acrescida de um vintém, ou seja, cinco centavos de reis, moeda da época. Uma miséria! Porém, começaram a acontecer conferências, reuniões, daí manifestações, e no final de Dezembro as tropas imperiais usaram da costumeira violência contra o povo. Então, o movimento explodiu! Transformou-se em uma revolta no Rio de Janeiro, que durou vários dias, entrando em 1880, e teve diversos mortos. No final, naturalmente, o imposto do vintém caiu.

O que todo mundo sabia na época, assim como sabe hoje, é que não era por um vintém! Os jornais do Brasil todo, inclusive de São João del-Rei, publicavam essa conclusão, e argumentavam que aquela gente toda não podia estar se sujeitando a ser esmagada pelas patas dos cavalos, ou morta a tiros, por um mísero vintém. A população do Rio de Janeiro estava indignada com tudo! Na verdade, e isso quase ninguém compreendia, contra o regime político, na época a monarquia. Não é por acaso que futuros líderes republicanos estavam entre os jovens organizadores da luta contra o imposto do vintém, a começar por Lopes Trovão, que nesse movimento se tornou um orador conhecido. Com a repressão armada o regime acabou de se divorciar do povão carioca. Nove anos depois o rei não teria nenhuma manifestação de apoio quando foi derrubado e expulso para a Europa.

Igualmente, sabemos que as manifestações gigantescas que estão se espalhando até por cidades pequenas do Brasil não são exclusivamente pela redução das passagens. Em São João del-Rei, esse anos mesmo, aconteceram algumas manifestações com essa finalidade, mas foram bem menores que a dessa Terça-feira, 18 de Junho de 2013, que deve ter sido a maior e mais significativa que a cidade já viu. Em todo o Brasil é o mesmo. Têm acontecido pequenas manifestações contra os aumentos de passagens de ônibus, mas depois da repressão policial em São Paulo a indignação desabrochou. Não só em grandes cidades têm se reunido centenas de milhares de manifestantes, como também têm acontecido gigantescas manifestações em cidades menores, coisa nova.

Mas não só pelo seu estopim nos parece que o movimento atual não é só por 25 centavos, mas por diversos outros sinais. Em São João del-Rei, e de acordo com as fotos no país todo, os manifestantes fazem e levam seus próprios cartazes de cartolina, e os dizeres deles raramente se referem às passagens. Uma minoria expressa idéias atrasadas, uma parte mostra alguma despolitização, mas a grande maioria bate em aspectos diversos do regime político. Alguns pedem explicitamente a revolução. O descontentamento com o regime político também fica muito claro quando se nota a crescente ojeriza da população pelos partidos políticos, mesmo os que defendem uma revolução. Ora, partidos são exatamente o único ponto de contato entre a população brasileira e o regime político que a governa! Único! Quando então a repulsa se volta indistintamente, contra todos os partidos, existentes e que venham a ser criados, então é muito claro que o divórcio entre a população e o regime político começou. A população não atura nem a parte do regime que se esforça por ser popular!

Esse divórcio só pode continuar se acentuando uma vez que os governantes continuam aprovando leis contrárias aos anseios populares, tanto no sentido de proteger corruptos, quanto de piorar a vida do povo, destruir a educação e a saúde, gerar mais violência, e atualmente chegou ao ridículo, fazendo tramitar no congresso como se fosse coisa séria leis ridículas como a hilariante “cura gay”, defendida, não é piada, por um deputado que alisa o cabelo e faz as sobrancelhas. O regime não resolve nenhum dos problemas que herdou da ditadura, cria novos problemas, agrava os já existentes, e não resolve nem os que criou!

Que os militantes dos partidos revolucionários fiquem indignados com que esse sentimento também se volte contra eles é normal. Mas precisam compreender que o sinal é positivo, é a revolta do povo contra o mesmo sistema político que queremos derrubar. Os partidos eleitoreiros é que só podem não gostar do que estão vendo, pois são eles o verdadeiro alvo. Mais do que levantar nossas bandeiras vermelhas, nós comunistas temos que levantar nossas bandeiras programáticas.  Não simples bandeiras econômicas, mas nossas mais avançadas bandeiras políticas. Temos que ajudar os manifestantes a desenvolverem suas antipatias até compreenderem que é o regime político como um todo que precisa ser mudado.

Comentários

filipe disse…
Boa análise à actualidade, com a interessante recordatória histórica.
Entretanto, acabei de ouvir a informação nos mídia que a presidente Dilma determinou que unidades do Exército sejam destacadas para as cinco cidades onde ocorrem as maiores movimentações de massas, em apoio à PM. A confirmar-se tal informação, significará que o governo federal mordeu o isco provocatório da extrema-direita saudosista da ditadura! É absolutamente indispensável manter o Exército nos quartéis, arredado das ruas e das manifestações populares, pois o seu envolvimento directo na repressão - com feridos potenciais nos confrontos, etc - poderá contribuir para estimular as forças reacionárias que reclamam e aspiram por uma mudança do regime numa via neofascista.Camaradas brasileiros, s.f.f., muita atenção à provocação!