O DAMAE,
departamento de águas de São João del-Rei, autarquia municipal, encontra-se no centro
do debate entre os princípios políticos divergentes que temos
atualmente. Vamos ao problemático assunto que, em São João del-Rei, mostra-se de difícil manejo.
De um lado, a direita esforça-se para naturalizar a
entrega para a COPASA, com a justificativa que não há solução
para o sucateamento que anda a passos largos atualmente. Na coluna do
meio, os partidos fracos em ideologia, de centro, dotados de uma
política aquém da esperança popular, contribuem, por vezes, com o
sucateamento. A esquerda propõe mudanças institucionais no quadro
legal do DAMAE, no caminho da participação democrática na gestão
da empresa pelos servidores.
É notório que
temos em São João del-Rei a aliança, comum em várias partes do
país, entre a direita elitista e o populismo oportunista. A direita
coloca em seu horizonte político a transferência dos órgãos
públicos para a rede privada, em nova versão do neo-liberalismo,
apoiando-se no caminho: falta de recursos= sucateamento; falta de
administração= parceria privada; falta de resultados= terceirização
dos serviços, em que tudo isso somados resulta nas privatizações,
em menor ou maior grau. Como pode políticos de direita que não
acreditam na coisa pública, adentrar na política para geri-la? O
populismo oportunista esforça-se para sugar os últimos recursos
públicos, pois pensam que não haverá solução em favor do
bem-comum.
Esse caminho
transformará o termo cidadão. Será um tolhimento e um retrocesso
para as políticas de esquerda. Algum tempo atrás, nos anos 80,
pensávamos o cidadão como uma entidade política dotado, senão de
protagonismo, ao menos de relevância ou consideração pelas classes
políticas, no sentido da participação nas ruas em massa. No
caminho liberal que avança sem resistências, o cidadão será um
mero cliente, à espera do serviço prestado. Só poderá ser um
espectador, sendo a última ponta no ciclo de produção ou prestação
de serviços. Imagino fazer reclamações dos serviços mais básicos
no Procon: se o aluno não aprende na escola, faríamos uma ligação
para o Procon, e deixaríamos registrado uma reclamação; se o
hospital não atender de imediato a emergência, podemos ligar no SAC
do hospital e prestar as devidas queixas. Tudo isso com a carteirinha
das mensalidades em dia, caso contrário, seria impossível registrar
as ocorrências.
Os partidos da
coluna do meio, ao menos, esforçam-se para retardar o andamento das
privatizações, em certos casos. Mas, em acordo com a lógica
eleitoral, não se indispõem com as elites, não as enfrentam, e
reverter o processo de privatizações não está na pauta do dia
desses partidos. Estão, também, aquém de alguma esperança popular
pois não fazem uma defesa explícita do DAMAE e não propõem
mudanças significativas administrativas. Por isso, visualizamos uma
abertura para uma possível intervenção da COPASA, caso desistam de
organizar o DAMAE, em acordo com os parâmetros atuais. Se não
reorganizam o DAMAE, contribuem para o processo de sucateamento em
andamento. São tão pragmáticos, que não se pode confiar nesses
partidos, pois remam em favor da maré.
Somente a esquerda
consegue propor mudanças políticas, no quadro institucional da
autarquia, maior problema que têm desvirtuado o DAMAE. Em primeiro
lugar deve-se demitir os funcionários comissionados, que nada
entendem da gestão da empresa. Aparelhamento é para os partidos de
centro, para garantir empregos aos seus cabos eleitorais. Depois o
estatuto do DAMAE deve ser transformado. A gerência política deve
ser substituída pela gestão dos próprios funcionários
concursados, estes chegando aos cargos de chefia pelo próprio
mérito. Atualmente, o presidente é indicado pelo prefeito que
indica os chefes de setores, seguindo a hierarquia de cima pra baixo.
Qual a autonomia da autarquia nessas condições? Com as mudanças, a
horizontalidade deve prevalecer e os serviços técnicos devem ser
exercidos pelos especialistas. Caso faltem estes, somente concursos
poderão completar os funcionários.
Precisamos também,
enfrentar o sucateamento moral que autarquias públicas enfrentam,
justamente porque os capitalistas querem tomar, de assalto, as
empresas públicas. É algo distante de São João del-Rei, mas o
setor de águas de outras cidades pelo país, conseguem fornecer um
bom serviço de água, com atendimento também para os problemas de
manutenção e mais, responsabilizam-se também pelo tratamento do
esgoto e canalização dos córregos pela cidade. Este último item é
uma necessidade em São João e o DAMAE está longe de capitanear
serviços além dos que prestam atualmente, justamente pela
precarização em marcha feita pelos políticos locais.
Ou seja, colocar no
horizonte dessas empresas que elas podem contribuir com a sociedade
deve ser uma meta da esquerda. É importante ressaltar que, somente
empresas públicas poderão defender projetos que visam o bem-público
e a sociedade. Empresas privadas somente observam os lucros de cada
empreendimento, sendo incapazes de prestarem serviços à comunidade
como um todo. Porque as empresas privadas não solucionam o problema
da canalização de córregos-esgotos que passam pela cidade? Porque
não dá lucro! Nisso, somente a prefeitura pode, e deve,
responsabilizar-se pelas carências sociais e suas demandas e buscar
solucioná-las. Ademais, o DAMAE é autarquia municipal, portanto o
compromisso em serviços prestados é com o município somente.
Vender significa que o bem-comum é uma mercadoria e, no atual
sistema, terá seu preço que excluirá setores da sociedade de
participar dos serviços.
A partir de um
exemplo concreto, o DAMAE, fica mais fácil distinguir as ideologias
conflitantes que temos atualmente. Esclarecer sobre as diferenças
ideológicas é fundamental para a tomada de consciência política.
Somente com o bom exemplo do DAMAE a esquerda poderá mostrar que os
setores públicos podem ser mais eficientes que os privados em São
João del-Rei. Seria a inversão da opinião dominante e cumpre-se
fazê-lo para, depois, avançarmos com as políticas de esquerda.
Seria perceber que as contradições no sistema coexistem e, por
vezes, não se excluem e que, por isso, será necessário multiplicar
as experiências da gestão de esquerda. Uma autarquia, em princípio,
prestando um bom serviço e servindo de base para gestões
democráticas internas, poderá criar uma atmosfera de participação
dos servidores na coisa pública atacando, frontalmente, a
exclusividade das decisões de interesse da sociedade pela classe
política profissional.
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