Remando contra a correnteza nas eleições 2012

É a única maneira de navegar rio acima! É o que estamos fazendo, comunistas e socialistas, em diversas cidades brasileiras, nessas eleições. Sobretudo os amigos nos repreendem, como se fossemos voluntários de um batalhão suicida. Gostariam, os amigos, que não desafiássemos a correnteza porque a cultura nacional é paternalista até o caroço. Em outras culturas os amigos estariam felizes por nós, mas estariam igualmente enganados, nossa política não é suicida. Por mais absurda que essa estratégia pareça, cresceremos e venceremos perdendo um batalha depois da outra. Dialética, é o nome filosófico dessa mágica. Se a política é uma guerra, as eleições são batalhas.



Remamos contra a correnteza não somente porque enfrentamos todo o poder econômico do mundo com quase nada de recursos. Nem somente porque o sistema eleitoral nos é adverso, uma vez que movido a dinheiro, poder e mistificações (mentiras, criação de heróis e vilões etc.). O pior é que nosso trabalho, a tarefa principal de quem deseja uma sociedade superior à que temos, é enfrentar uma série de idéias populares fortemente enraizadas. As idéias dominantes em nossa sociedade, econômicas e políticas, nos empurram para a barbárie.

Eis um dos principais, se não o principal motivo pelo qual ganhamos votos com mais dificuldades que nossos adversários. Assim como quem navega a favor da correnteza pode navegar mais rápido do que quem a contraria, ganha-se votos mais facilmente repetindo o que o povo já pensa, não contrariando idéias enraizadas. Porém, para nós não adianta ter pressa, porque quem desce o rio e quem o sobe vão em caminhos opostos, não querem chegar no mesmo lugar, de forma que seguir a correnteza não é uma opção para quem precisa subir o rio. Ou seja, é claro que lutaremos para vencer batalhas, mas nessas batalhas que são eleições sofreremos uma série de derrotas, porque assim exige nossa estratégia. Vamos a alguns exemplos.

Existe forte esperança popular em um líder, um herói, um bom político, que salvará o bairro, a cidade, o país. Em alguns momentos do passado nos rendemos a essa crendice e apresentamos ao povo nossos próprios heróis, desconhecendo o conselho de Gramsci de que o herói moderno precisa ser não uma pessoa, mas o Partido Comunista. Tivemos problemas gigantes, internos, que geraram crises em diversos Partidos Comunistas do mundo por esse recuo irresponsável. Nas eleições essa crendice é explorada ao máximo. As forças capitalistas abusam da tática de apresentar um salvador da pátria, no caso atual da cidade, e embora façam isso com a exclusiva finalidade de ganhar votos, no fim das contas elas reforçam o capitalismo, fortalecendo uma crença fundamental para a legitimidade do regime político que mantém o capitalismo.

Nossas propostas contrariam frontalmente essa esperança popular. Afirmamos que o poder direto do povo é mais eficiente que o poder de um escolhido, de um gênio, de um santo. Descartamos a hipótese de um bom prefeito salvar a cidade. Afirmamos que somente os professores podem gerir bem a educação, que somente o povo pode administrar bem sua própria cidade, informamos aos eleitores que eles gostem ou não, a cidade só vai efetivamente melhorar quando eles mesmos levantarem as cabeças e mandarem. Não nos apresentamos como o pai bonzinho que promete presentes, mas como o professor que joga as verdades na cara.

Não é o único aspecto em que contrariamos as crenças estabelecidas. Tendo tido as cristas cortadas por 400 anos de escravidão e uma sequencia de ditaduras, nosso povo não acredita que pode ter o poder, não acredita que seria eficiente no poder, muito menos acredita na possibilidade legal ou política de nossas propostas. Uns nos veem como lunáticos, outros como mentirosos. Existe uma constante propaganda cujo objetivo é reforçar a ideia falsa de que indivíduos isolados podem ser eficientes. Assim como uma constante propaganda cujo objetivo é convencer a pessoas de que o povo não saberia governar. Precisam manter a crença de que escolher quem governa é mais fácil que governar, o que é absurdo e comprovadamente falso. Somente nós dizemos o contrário, dizemos que mesmo os analfabetos governariam melhor do que indivíduos com poderes concentrados, e sabemos que isso já foi provado em diversas experiências históricas. Mas nós quase não temos voz, somos um barquinho contra a correnteza.

Ademais, as pessoas estão conformadas, se contentam com qualquer porcaria, e já aceitam as migalhas que podem ganhar do regime político como se fossem presentes caros. Basta dizer que a popularidade do atual prefeito veio do fato espúrio dele ter asfaltado a cidade no início da década de 90, e o argumento de seus defensores, na época muitos, era que os prefeitos anteriores não tinham feito nem isso. A popularidade de Lula, igualmente, veio somente do fato dele não ter sido tão traidor quanto FHC. A violência continuou aumentando, a pobreza e a miséria continuaram dominando, as pontes estão cada dia mais cheias de mendigos, o crack tomou o país, a corrupção foi banalizada, os salários dos funcionários públicos achatados, a poluição e a destruição ambiental continuaram crescendo, os bancos passaram a lucrar muito mais do que antes e a concentração de riquezas continua crescendo, mas o povo ainda está satisfeito, conformado. Acontece que a população já compreendeu que do regime político não vem muita coisa boa, mas a conclusão a que chegou a partir disso ainda não é a criação de outro regime político, mas simplesmente se aproveitar das migalhas, escolhendo para isso os candidatos "menos ruins". Nesse aspecto contrariamos novamente a população, pois não apoiamos os "menos ruins", e assim desiludimos muitos esperançosos, que ainda nos culpam da vitória dos "ruins", inconscientes de que em nosso regime político os "ruins" quase sempre vencem e os "menos ruins" que vencem muitas vezes são piores que os "ruins".

Enquanto a população acredita que empresas públicas são cabides de empregos, nós propomos criar novas empresas públicas e afirmamos que não serão cabides de empregos. A imprensa mantém dominando as idéias econômicas liberais, uma velharia completamente refutada, mas repetida mil vezes até parecer verdade. Nós descartamos por completo qualquer saída liberal para a economia de São João del-Rei. O setor privado é incapaz sequer de sobreviver sem ajuda dos poderes públicos.

São só exemplos do trabalho revolucionário, que é refutar as idéias dominantes. É como se a Revolução fosse uma cidade próxima às nascentes do rio, não se pode chegar nela sem contraria a correnteza. Vencer eleições assim é até possível, mas somente em circunstâncias muito especiais ou depois de um grande acumulo de forças. Ou seja, teremos que perder muitas batalhas para vencer essa guerra.

Claro que a língua do leitor deve estar coçando para dizer que não se vence guerras perdendo batalhas, mas não é verdade. Quando os EUA foram derrotados no Vietnã, o general estadunidense que foi pedir aos vietnamitas que lhes deixasse fugir (foi assinar o armistício), como a se desculpar, disse ao Coronel Tu, importante comandante vietnamita:

- Ao menos nessa guerra não perdemos nenhuma batalha.

O Coronel Tu respondeu:

- Isso é irrelevante, por isso estamos aqui.

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