A guerra entre os vereadores e o povo de São João del-Rei

Em nota de um dia atrás, previmos que os vereadores não estavam gostando da participação popular na Câmara dos Vereadores, e os acontecimentos dessa Terça-feira, 26 de Junho, o confirmam. A polícia já estava na porta desde o início da seção, e para entrar era necessário apresentar documentos, com o claro objetivo de afastar os mais jovens, quando o objetivo dos vereadores deveria ser o contrário. Aliás, todo esse episódio da história de São João del-Rei revela, acima de tudo, um divórcio entre a população, com destaque para os setores instruídos e organizados, e as instituições políticas, destacadamente a que deveria lhes representar.

Lembremos que essa luta começou porque os vereadores, depois de anos de tentativas, enfim, na hora errada mas que lhes é mais necessária, decidiram criar coragem e aprovar um aumento de vagas na Câmara, de 10 para 13. O número de pessoas pagas pela Câmara subia automaticamente de 28 para 34, entre os 2 mil e 200 que são o total da prefeitura. Como se nota, em números, não significa nada, a questão aliás, é o que significa, é simbólica. A população se mostrou, não sem incentivo da imprensa, completamente adversa ao aumento de vagas de vereadores. Os vereadores não conseguiram votar de uma tacada só duas coisas impopulares, o aumento de cadeiras e de salários. Então a organização espontânea que surgira da luta contra o aumento do número de vagas de vereadores se fortaleceu para lutar contra o aumento de salários.


Fato é que se acontecesse hoje um plebiscito para saber se a Câmara de Vereadores deve existir ou não, o "não" venceria de longe. Para reverter em poucos meses essa ojeriza da população pelas Câmaras seria necessária uma campanha de marketing muito violenta, sem garantias de sucesso, pois ao contrário de votações em pessoas que são completamente subjetivas e enganosas, votações em coisas, em assuntos, são difíceis de manipular. No plebiscito sobre as armas, governo e grande imprensa fizeram meses de campanha, e perderam! Nesse clima, aumentar o número de vereadores gerou revolta.

Os vereadores estão muito longe de buscarem o caminho da reconciliação com o povo. Em São João del-Rei três vereadoras, em dez, votaram conforme o desejo de seus eleitores, e isso é muito, é uma glória sãojoanense, colocando a cidade entre as cem ou cinquenta no país com maior porcentagem de vereadores sensíveis à vontade popular. O problema é claro, o regime, o desenho atual do poder, não resulta em representatividade, os detentores dos postos de mando não obedecem ao povo, contrariam as vontades mais claras e óbvias do povo.

São anos de decepções com sucessivas Câmaras de Vereadores que levaram nossa sociedade a esse paradoxo em que a população luta abertamente contra o aumento do número de seus representantes de 10 para 13 ! Pode-se confirmar que em praticamente todos os 5 mil e tantos municípios a situação se assemelha, com mais ou menos gravidade. O curioso é que os vereadores são postos na fogueira quando o defeito de todos os 5 mil e tantos municípios são os prefeitos. A Constituição de 1988 deu enorme autonomia para os municípios escreverem suas Leis Orgânicas, mas foi muito fácil concentrar em todas elas os poderes nos prefeitos, pois o encargo de fazer essas leis foi dado aos prefeitos, que na ausência de leis democráticas tinham herdado os poderes dos interventores da ditadura e portanto já controlavam as Câmaras a ponto de não lhes permitir ficar com quase poder nenhum.

As Leis Orgânicas podem ser mudadas. Se a próxima bancada de vereadores quiser recuperar o respeito popular terá, em primeiro lugar, que recuperar o respeito próprio da Câmara de Vereadores, tornando-se de fato um parlamento, tornando-se de fato um poder. Hoje, as Câmaras de Vereadores despontam no Youtube entre os vídeos humorísticos.

Comentários

Ao mesmo tempo, isto cria o imaginário de um mundo sem necessidade de regras (política), onde as forças ocultas desse mercado irão em busca da estabilidade e onde o Estado – com suas até então cada vez mais presentes regulamentações- incomoda, ele deve se retirar do setor produtivo da economia, e vai ganhar assim seu novo papel "mínimo".

Como bem observa o cientista político francês Pierre Rosanvallon, o conceito de mercado não pretende ser apenas uma ferramenta para explicar o funcionamento da economia, mas sim um princípio regulador da ordem social: “A lei do valor regula as relações de trocas entre as mercadorias, e as relações entre as pessoas são entendidas como relações entre mercadorias, sem nenhuma intervenção exterior”. Partindo desta perspectiva, quanto menos interferência externa houver nas relações sociais, mais satisfatórias elas serão para os que nelas estão envolvidos, e mais eficientemente os bens serão distribuídos dentro da sociedade.

A crença no mercado como princípio organizador mais adequado para o gerenciamento da vida humana se tornou dominante em meados da década de 1980. No mundo desenvolvido houve um “renascimento das ideias liberais”, motivando tentativas de resistência e ou mesmo reversão de curso, em termos de crescimento do setor estatal. Tais ideias foram rapidamente difundidas pelo mundo por meio das organizações internacionais, e absorvidas, mais ou menos voluntariamente, pela grande maioria dos países em desenvolvimento.

A ideia de mercado perpassa toda a história intelectual da modernidade e revela a problemática implícita na totalidade sociopolítica de qualquer estrutura social até hoje.

Há quase trinta anos, um economista norte-americano escrevia que “uma transação econômica é um problema político resolvido”. Entendida a política como envolvendo conflitos reais ou potenciais e a necessidade do poder para acomodá-los, há um sentido bem claro em que a proposição é correta.

De qualquer forma, a proposição parece ajustar-se a estes tempos de liberalismo e apoliticismo, em que a expansão do mercado e das transações econômicas tornaria inócuas velhas razões de conflito e superaria supostos entraves políticos.

Mas há quem veja na proposição citada antes uma expressão ideológica, que estaria subjacente, em especial, ao modelo neoclássico na ciência econômica. A perspectiva econômica apolítica ou antipolítica que a proposição expressa envolveria o equívoco de supor que o substrato de confiança necessário para viabilizar a operação amena e continuada do mercado e das transações econômicas possa ele próprio prescindir de complexos condicionantes políticos e sociológicos.

E, ainda, por outro lado, o fato de que sejamos sensíveis à atuação da motivação condenavelmente “interesseira” entre os políticos profissionais, que supostamente deveriam ocupar-se do bem público, não significa que os agentes econômicos privados, aqueles que fraudam e sonegam com tanta frequência, representem a face virtuosa da sociedade. É difícil aceitar sem indignação os apertos de mãos em que o poder econômico se concentra nas grandes fusões e aquisições (ou nas privatizações, em que nos acostumamos a ver na televisão as mãos de nossas autoridades se amontoarem com as de sorridentes empresários aos quais repassam recursos públicos). (3)
O apoliticismo cria "políticos profissionais", políticos que não distinguem entre público e privado, políticos corruptos. Isso, por sua vez, estimula partidos populistas e demagógicos a espalhar a ideia de que todos os governantes são corruptos e que é preciso "limpar" a política.

Quando há uma ditadura, um regime de exceção em que as garantias individuais e a liberdade de expressão são suprimidas, o povo protesta, como está acontecendo no Oriente Médio, e se mobiliza tanto nas ruas quanto nas redes sociais contra os tiranos. Mas quando há democracia, o povo se desinteressa pela política, porque a acha algo pernicioso, que todo político é igual, é corrupto e não presta.

As críticas à Câmara e ao Senado, que custam muito, são verdadeiras, mas se não houvesse o Congresso o Executivo não teria um contrapeso e, sem a fiscalização do Parlamento e manobrando o Poder Judiciário, traria insegurança aos cidadãos, com leis sendo feitas por um pequeno grupo de pessoas, assim como ocorreria com sua execução.

Devemos demonstrar os mecanismos que, através dos processos eleitorais, travam a ascensão ao poder político dos partidos progressistas. A"democracia", tal como a concebe e deseja, exige que uma parcela importante da cidadania não participe da vida política. Por outras palavras, que milhões de eleitores não possam ou não estejam interessados em exercer direitos que lhes são garantidos pelas constituições dos respectivos países. Essa massa enorme de cidadãos, ou se abstém ou é induzida por sistemas mediáticos perversos controlados pelo capital a votar contra os seus interesses.

Daí a extrema dificuldade que os partidos revolucionários encontram nos processos eleitorais no diálogo com as vítimas do sistema.

Faz algum tempo, com a queda do Muro de Berlim, caiam todos os fantasmas da "luta de classes" que tinham agitado o mundo por tantos anos e que permitiram manter o equilíbrio de poderes na chamada "Guerra Fria".

Assim se consagra a reedição do liberalismo político e econômico que vem sendo deflagrado desde que Margaret Tacher assume o governo na Inglaterra e Ronald Regan nos EEUU.

A utopia do mercado ganha força de "pensamento único". Num mundo cada vez mais globalizado, o mercado vai se consolidar como aquela abstração que realizará a melhor alocação de recursos, como o locus onde a oferta e a demanda irão encontrando os caminhos para suprir as necessidades humanas. (2)
Em nosso país utiliza-se tanto a palavra democracia para definir os regimes vigentes que a grande maioria das pessoas tende a achar que o sistema político é efetivamente democrático. Formalmente é, porque a Constituição da República garante direitos e liberdades fundamentais. Mas o funcionamento das instituições contraria o espírito da Constituição. O capital exerce sobre a sociedade um controle hegemônico concebido e aplicado de maneira a impedir que o poder político seja reflexo e consequência da participação do povo. O povo é assim sistematicamente excluído das grandes decisões que lhe condicionam o futuro pelos representantes do capital que exercem o poder político.

Seria um erro considerar a política uma atividade unicamente subalterna ou desprezível. O contrário é que é verdade, claro. Você vai deixar o caminho livre para os racistas, os fascistas, os demagogos? Vai deixar uns burocratas decidirem por você? Vai deixar uns tecnocratas ou uns carreiristas imporem a você uma sociedade que seja a cara deles? Portanto, não fazer política é renunciar a uma parte do seu poder, o que é sempre perigoso, e também a uma parte das suas responsabilidades.

Para o filósofo Francis Wolff, o desinteresse dos cidadãos pela política é uma ameaça à democracia. O apoliticismo, afirma ele, abre caminho para que "políticos profissionais" cheguem ao poder e, sem sofrer cobranças, decidam medidas descoladas das necessidades e dos desejos dos cidadãos.

De acordo com o filósofo, quando é governado por um tirano, o povo sonha com conquistar o poder. Mas, quando finalmente alcança a democracia, recusa-se a exercê-lo e abandona a política.

O apoliticismo é a recusa dos cidadãos, explícita ou implícita, em participar da vida da comunidade política e das escolhas que essa comunidade faz. É o desinteresse pela coisa pública. No Brasil, o apoliticismo se manifesta quando os cidadãos se afastam dos políticos. Em vez de entrar no território ligado ao poder, os cidadãos se "retiram" para o território individual, familiar, religioso e até esportivo.

O distanciamento entre os governantes e os governados é a negação da democracia. É possível que o cidadão nem perceba que, quando ele procura viver sem se intrometer-se nos temas públicos, a política acaba se tornando um campo exclusivo dos "políticos profissionais". Como estão distantes do povo, esses políticos tendem a tomar medidas tecnicistas, orientadas por critérios técnicos, sem levar em consideração as opiniões, os interesses e as vontades da população. No dia a dia, o cidadão não se dá conta disso. Só percebe quando os políticos decidem alguma medida que realmente o prejudica. (1)