A situação econômica de São João del-Rei tem aspectos
locais, que podem ser resolvidos por nós mesmos, e problemas gerais, que fazem
parte da realidade nacional e mundial de nossa época. Vamos começar pelas más
notícias, ou seja, pelo que não podemos mudar.
O que não podemos mudar ?
A economia de São João del-Rei não floresceu com o ouro. O
ouro garantiu o nascimento da cidade, mas seu auge foi o protagonismo que
exerceu no comércio desde o final do século XVIII até meados do século XIX. Na
época, plagiando Roma, todos os caminhos levavam a São João del-Rei, que
tornou-se o entreposto natural entre as Minas e o Rio de Janeiro, comprava
mercadorias desses dois mercados e as revendia, obviamente trocadas, nos mesmos
dois mercados.
Na segunda metade do século XIX começou a ficar claro que
São João não ficaria para sempre no encontro dos caminhos, pois surgiam
constantemente novas estradas que já não passavam por nossa cidade. Mas a geração
do final do XIX foi corajosa e conseguiu, em duas décadas de investimentos
maciços, manter a posição de São João como uma das mais importantes cidades do
país. Em poucos meses foi construída a Estrada de Ferro Oeste de Minas, ligando
São João à ferrovia Pedro II. Como a ferrovia não desse o resultado esperado a
curto prazo - na verdade a economia local estava longe de precisar de uma
estrada de ferro – tratou-se de buscar cem famílias na Itália. Como a imigração
também não gerou progresso imediato, construíram uma usina de energia elétrica,
uma rede de fornecimento de água, uma rede de esgotos, depois um monte de fábricas
e oficinas.
Na verdade, apesar do desgosto dos responsáveis por essas
iniciativas, que esperavam mais resultados, elas em conjunto se complementaram
e funcionaram bem. A estrada de ferro veio a se incorporar à Rede Ferroviária
Nacional e São João del-Rei por algumas décadas voltou a ser o centro de todos
os caminhos, mas dessa vez dos caminhos de ferro. Diversas ferrovias se
encontravam aqui, que tinha uma importante oficina da Rede.
A estagnação de São João del-Rei e consequentemente seu
sufocamento econômico, que gera esses empregos horríveis e mal pagos,
iniciou-se na década de 60, junto com o abandono das estradas de ferro pelos
governos federais. Uma a uma as linhas de trem foram sendo fechadas, e São João
del-Rei ficou isolada, sobretudo quando as grandes estradas de rodagem, a 040 e
a Fernão Dias, passaram por outras cidades.
Outro fator estagnador foram as políticas econômicas de
governo após governo, até hoje, baseadas em uma fé fanática nos poderes
milagrosos do mercado. Nenhuma prefeitura tem o poder de recolocar São João del-Rei
no centro dos caminhos, nem de anular a validade das políticas econômicas
nacionais e proteger as indústrias locais de concorrentes estrangeiros. Também
as políticas empobrecedoras tomadas pelos sucessivos governos, como as
demissões em massa de funcionários públicos, prejudicam todas as cidades e
nenhuma tem o poder de fazer nada.
As ilusões
Lembro-me principalmente de duas grandes ilusões sobre a
saída econômica para São João del-Rei, a vinda de indústrias de fora e o
turismo. Não que qualquer dessas duas opções deva ser descartada, mas não
podemos nos fiar somente nelas.
As indústrias não são montadas aqui, e algumas saem daqui,
exatamente pelo motivo explicado acima, ou seja, não estamos nos caminhos,
muito menos no centro deles. Isso para as indústrias representa custos, para
buscar matérias-primas e enviar mercadorias. Nossas estradas esburacadas não
são convidativas para nenhuma dessas duas atividades e nosso mercado é pequeno,
consome pouco e, embora em nossa perspectiva exista muito desemprego, para os
empregadores faltam os profissionais que eles querem – os mercados pequenos são
quase sempre essa sinuca de bico.
Claro que em uma economia de mercado é bem possível que por
questões bem específicas, como acesso mais barato a matérias-primas ou
proximidade com outras indústrias da região, São João venha a viver uma nova
fase industrial. Contudo, esperar por isso é contar com a sorte e esperar que
um político traga uma grande indústria para cá é inocência. Nenhuma indústria
vai querer ter prejuízo por toda sua existência só para agradar um político.
Não são as indústrias que trabalham para os políticos, são os políticos que
trabalham para as indústrias.
Já o turismo é uma parte importante da economia de São João
del-Rei. Quem tiver dúvidas disso procure saber quantos hotéis, pousadas etc.,
existem aqui e quantas pessoas são empregadas por esse setor. E também é claro
que é um setor que pode ser muito melhor explorado, e que precisamos fazer com
que seja.
Porém, não se pode esperar que nosso turismo seja o carro
chefe de uma economia que tem que dar conta de 90 mil bocas. De fato, chegamos
ao centro da questão – São João del-Rei não tem um setor principal que possa
puxar todos os outros!
A complexa realidade
Trata-se de uma riqueza, nossa economia é diversificada. É
uma riqueza oriunda e realimentada pela pobreza, não temos um setor de destaque
em nossa economia. Contudo, não é inteligente pensar em simplificar nossa
economia, tornando-a dependente de um só setor, como foi com o comércio por
quase dois séculos. Devemos aceitar que agora nossa economia é diversificada e
lidar com isso.
O fato de não termos um setor mais forte em nossa economia
significa que não podemos contar com fortes investimentos privados provenientes
da própria cidade. Ou seja, ou os investimentos virão de fora, o que já
explicamos que está fora de nosso controle e fora mesmo do controle de qualquer
político, ou não existirão investimentos privados. Isso nos leva à solução
lógica – o estado precisa investir. Os gastos da prefeitura com coisas
supérfluas prova que existem recursos de sobra, devem ser investidos de forma a
aquecer a economia local.
Certamente os adeptos da irracional fé capitalista torcerão
o nariz para essa receita. Querem porque querem que o mercado funcione e
resolva os problemas econômicos, mas a realidade é teimosa! Defendemos a
criação de empresas municipais, públicas mas não controladas pelos prefeitos e
vereadores. É isso mesmo, empresas públicas, mas não cabides de empregos. Nem
um só diretor deve ser indicado pela prefeitura. Todos devem ser concursados e
essas empresas devem ser completamente transparentes e autogeridas
democraticamente. Devem ser separadas da prefeitura, mas devem ter regras
aprovadas pela população.
Todos os setores privados devem ser estimulados, cada um de
acordo com suas especificidades. O turismo, por exemplo, embora não possa
salvar São João del-Rei, pode gerar mais recursos. Para isso é necessário especialização
de uma região da cidade como área histórica, e em compensação a criação de um
centro novo. As duas áreas cresceriam, o centro histórico e o novo.
O comércio se beneficiaria bastante do barateamento e da
agilização do transporte entre São João del-Rei e as cidades vizinhas. Contudo,
o transporte interestadual é controlado pelo governo estadual e monopolizado. Mas
há que se pensar em formas de fazer isso. Se o atual prefeito conseguiu por
muitos anos manter um ônibus entre São João e BH, então deve existir uma
maneira de facilitar o transporte entre São João del-Rei e as cidades vizinhas.
Os milhares de pequenos negócios de São João del-Rei se beneficiariam
com uma redução dos aluguéis de seus pontos. Talvez seja possível planejar um incentivo
para as construções, mesmo porque uma parte da economia de São João del-Rei é formada
por artesãos e oficinas dedicados à construção civil.
São João del-Rei tem uma grande área rural, mas uma
população rural pequena. Não existem mais incentivos para a vida rural quando
todos os recursos estão concentrados na cidade. Ao mesmo tempo, as políticas
anti-inflacionárias dos últimos anos se basearam em manter os salários
arrochados, o que impede os preços de subirem. Os produtores rurais não
conseguem subir seus preços, mas seus custos sobem. Não há outra opção senão
fazer funcionar serviços nas sedes dos distritos e em povoados importantes, e
fazer funcionar melhor os transportes entre a cidade e seus distritos. A
criação de sub-prefeituras autônomas nos distritos colaborará também para
incentivar esse setor da economia, contanto que não sejam cabides de empregos,
mas espaços de controle direto da população sobre os recursos públicos.
Retirar poderes e recursos das mãos dos prefeitos é uma
forma de beneficiar toda a economia. Uma nova Lei Orgânica deve limitar ao
máximo os poderes concentrados em uma só pessoa, transmiti-los a outras
instâncias, como a câmara de vereadores, conselhos, sub-prefeituras, e
diretamente para o povo por meio de plebiscitos, consultas etc. Um exemplo,
essa nova Lei Orgânica pode definir que os salários de prefeitos,
sub-prefeitos, vereadores, secretários e de quaisquer outros cargos políticos
sejam iguais ou menores que média dos salários dos demais funcionários da
prefeitura. Isso certamente faria qualquer prefeito e qualquer câmara de
vereadores e aprovarem salários melhores para os funcionários. Os salários dos
funcionários são gastos na própria cidade, aquecendo nossa economia, e quanto
maiores eles forem, melhor para dezenas de pequenos negócios, gerando outros
empregos.
Esse é apenas um primeiro ensaio sobre o tema. Certamente
existem diversas outras possibilidades. De alguns camaradas marxistas
certamente receberei a crítica de que estou somente pensando em formas de
administrar o capitalismo, e não de destruí-lo. Em primeiro lugar, é importante
lembrar a esses meus camaradas que as pessoas não podem esperar a queda do
capitalismo para terem empregos e vidas. Em segundo lugar, o socialismo nasce
das entranhas do capitalismo, exatamente porque o capitalismo não consegue mais
solucionar seus próprios problemas e o todas as soluções são socialistas. Em
terceiro lugar, os milhares de autônomos e pequenos negociantes que são a massa
principal da pequena-burguesia de uma cidade como São João del-Rei devem ser
disputados ao capitalismo, não são inimigos, aliás, são trabalhadores que acham
que são capitalistas. São de fato os principais sustentáculos do capitalismo,
mas estariam melhor sob poder proletário.
Comentários
Alex - BH
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