O marxismo e o movimento universitário brasileiro: Porque não existe unidade da "esquerda" na UFMG?

Foto do autor desse artigo em 2008. Em sua
defesa de dissertação de mestrado. Alex
estudou História na UFMG na década de 90.
Se especializou na UFSJ e é mestre pela UFJF.
Quem, entre uma democracia por conselhos (eu russo soviética) e as eleições diretas escolhe a última opção não é stalinista, nem trotskista, não é maoista, não é leninista, nem marxista, não é socialista, muito menos comunista, mas de fato, no assunto central da política, essa pessoa é capitalista, ou para usar um nome bonito para a mesma coisa, liberal. Existe a possibilidade de substituir a democracia capitalista pela qual o DCE-UFMG vive partidarizado por uma democracia de conselho, mais participativa, mais transparente, mais eficiente. É nessa hora que diferenciamos os comunistas dos carreiristas. Que no Estado burguês nós comunistas sejamos obrigados a aceitar regras individualistas, mercadológicas, corruptoras, enganadoras, em uma palavra, capitalistas, pois não temos forças para mudar isso agora, ao menos não por completo, compreende-se. Mas onde temos forças para fazer avançar a democracia para características proletárias, essa é nossa obrigação.

Observemos primeiro os sucessos revolucionários. O movimento considerado por Marx e Engels como inauguração da atuação política da classe operária, o Cartismo, lutava por democracia, pois exigia direitos políticos para os trabalhadores, e entre os direitos incluia-se que os mandatos durassem somente um ano, ou seja, quase inventaram a revogabilidade dos mandatos. O que Marx, que assistiu diversas revoluções na França, considerou mais avançando nesse país foi a Comuna de Paris de 1871, sobre a qual escreveu sua última obra, Guerra Civil em França, que a Estudos Vermelhos publicou com a tradução correta mas arbitrariamente trocou o título para A Comuna de Paris. Foram os comunards que inventaram a revogabilidade de todos os mandatos, ou seja, os eleitores poderem depor os políticos que elegeram.

A Comuna se deixou massacrar pelas armas, mas seu exemplo não foi esquecido. Em 1905, na Rússia, surgiram os Soviets, à semelhança da Comuna, embora não idênticos, e em 1917 os Soviets chegaram ao poder e elevaram a Rússia da destruição completa ao posto de grande potência. Os exemplos da Comuna e dos Soviets inspiraram as Comunas Populares da China, do Vietnã, da Coréia, assim como os exércitos revolucionários desses países e o Exército Rebelde de Cuba. Em outras palavras, democracia soviética é sinônimo de vitória das forças revolucionárias.

Deve-se acrescentar que o contrário também é verdade, ou seja, refluxos da democracia proletária geram refluxos revolucionários. Os Soviets existiram na URSS até 1936, depois o poder foi mantido por comunistas até 1953, perdido para a contra-revolução e se foi o socialismo. Na China também já não ouvimos mais falar de Comunas Populares, e cada dia mais escutamos falar de capitalismo na China.

Os teóricos marxistas confirmam esse raciocínio. Já mostramos que Engels e Marx apoiaram o Cartismo e a Comuna de Paris. Na Rússia, Lênin foi o descobridor de que o poder dos Soviets seria o poder do povo trabalhador, que eram quase a mesma coisa que o conselho que os parisienses chamaram de Comuna, quase com as mesmas regras. É de enorme importância para se compreender todo esse assunto o livro escrito no calor de 1917, O Estado e a Revolução, cuja tradução correta é também a da Estudos Vermelhos.

Gramsci, em Turim, inspirou verdadeiros Conselhos de Fábrica e criou um Conselho desses Conselhos na direção da organização dos trabalhadores de Turim, pelo que se nota sua posição bolchevique, pró soviética. Ele mesmo escreveu sobre isso, com destaque para “Sobre o movimento turinês dos conselhos de fábrica”. Na China, como já fica claro acima, Mao Zedung e Zo Enlai criaram Comunas Populares, assim como Ho Chi Minh acabou fazendo no Vietnã. Igualmente, quem observar as regras das eleições cubanas notará que a única sustentação da revolução cubana é a sua democracia, completamente ao contrário de tudo o que se diz por ai... Fidel é um defensor dessa democracia sempre ameaçada e cercada que lembra o sonho dos comunards.

Mas sempre existem contra-revolucionários enrustidos, que por conveniência se dizem marxistas, e podem até aceitar semelhanças entre a Comuna, os Soviets, Cuba, as Comunas chinesas, a organização sindical de Gramsci etc., mas quando se trata de perceber que devem apoiar uma experiência do mesmo tipo debaixo de seus narizes, ficam cegos. Eles apóiam longe e no passado, mas hoje e agora apóiam mesmo é o poder do capital, pois é a democracia capitalista que temos no Brasil, cada estado, cada município, e desnecessariamente também mantemos nos sindicatos, DCEs etc.

É de se esperar, enfrentaremos no campo marxista a afirmação que a democracia dos últimos 30 anos de DCE-UFMG não é capitalista, e que o poder dos CAs e DAs sobre o DCE não é semelhante aos Soviets e à Comuna, nem à organização sindical de Turim de Gramsci.

Onde estariam as semelhanças? No fato que a atual “democracia” do DCE é movida a dinheiro como toda democracia capitalista e o Conselho de CAs escapa desse controle? No fato que atualmente os estudantes só participam uma vez por ano, enquanto no Conselho participam sempre que querem? Em que no atual estatuto depor um diretor é praticamente impossível e com o poder do Centros e Diretórios Acadêmicos a deposição será, como nos Soviets e na Comuna, a regra? Ou no fato que nessa democracia capitalista por um ano um grupinho é dono do DCE, podendo decidir o que bem entender a portas fechadas, enquanto no Conselho as decisões são tomadas quotidianamente pela coletividade?

É impossível não afirmar que desconfiamos profundamente da honestidade e da vergonha na cara de quem “não vê” que a democracia, mesmo de um DCE, necessariamente é capitalista ou superior à capitalista, e nas opções dadas, é capitalista ou de conselho, em russo, soviética. Sobretudo desconfiamos da honestidade dos que se dizem leninistas e alegam sofrer dessa cegueira, pois nesse aspecto Lênin era até exagerado, só aceitando duas possibilidades na atualidade – ou bem uma democracia é capitalista ou socialista, burguesa ou proletária. Ou seja, alguns “leninistas” que conhecemos, ou nunca leram Lênin, ou acham que a democracia do DCE-UFMG é proletária, socialista, ou que fugindo à regra geral, as democracias do movimento estudantil não são uma coisa nem outra. Ou seja, em um momento ou em outro estão mentindo, ou estão mentindo ao afirmarem que leram Lênin ou ao afirmar que concordam com ele, ou seja, que são leninistas!

Também dentro da tradição marxista, mais precisamente leninista, nos perguntarão sobre a direção. Estamos entregando o poder às bases. Isso não é abrir mão de dirigir? Não, dirigir não tem nada haver com “aparelhar”. Para dirigir é necessário saber o caminho e saber indicar o caminho. Para tanto é melhor que os “dirigidos” estejam ouvindo! E mais, nós queremos dirigir de verdade, não oficialmente. Nos DCEs capitalistas quem ganha dirige oficialmente, e na prática não há nada para ser dirigido, quase não há movimento. Nos DCEs soviéticos (até agora só conheço o de São João) ninguém ganha, nem perde, e dirige, um movimento real, quem tem idéias. Ademais, deviam ter o bom senso de perceber que o mesmo Lênin que defendia o papel de vanguarda do Partido também foi o pioneiro na defesa do poder dos Soviets, ou seja, nem Lênin viu essa contradição que nossos “marxistas” querem ver no Brasil. Lênin não viu “basismo” nenhum nos Soviets, que eram no entando muito mais de base que o Conselho de CAs e DAs ao qual vamos entregar o DCE, mas os “leninistas” daqui veem em nossa proposta enorme “basismo”. Quando não têm muitos argumentos, esses nossos maravilhosos teóricos tupiniquins inventam nomes e acrescentam o sufixo “ismo”. Não pararam para constatar um pequeno detalhe – há 30 anos os DCEs brasileiras estão perdidos, a deriva, sem direção. Os partidos tem conseguido aparelha-los, raramente dirigir qualquer movimento.

Nossos aliados de algumas eleições pedem que recuemos de nossa tática em nome de uma tal “unidade da esquerda”. Que esquerda? Voltemos à origem do termo, na Revolução Francesa. À esquerda assentavam-se os republicamos, ou seja, os que desejavam uma democracia mais avançada do que a monarquia constitucional à moda inglesa, que era desejada pelo centro, e bem mais democracia do que suportavam os nobres absolutistas, assentados à direita. Se usarmos o mesmo critério, a posição quando ao Estado, quanto à forma de democracia, para a realidade atual, não encontramos esquerda nenhuma defendendo a democracia capitalista, que é obviamente a posição conservadora. Para se posicionar à esquerda, hoje, é necessário defender uma democracia mais avançada, sem vacilos e tergiversações. É claro que já houve tempo em que defender a democracia capitalista era necessário, a saber, sempre que se precisa derrubar o fascismo deve-se aceitar a democracia pela qual for possível montar a maior frente anti-fascista, e só (mas nessa época os trotskistas que hoje nos chamam para recuar em nome da unidade não aceitavam compor a frente anti-fascista!!??). Quando, como hoje, os fascistas estão isolados em minoria, ou seja, quando é o momento de avançar, não precisamos de capitalistas nem de vacilões nos atrasando. Quando o principal escudo capitalista, a democracia liberal, é colocada em xeque no DCE da mais importante Universidade de Minas Gerais, qualquer atitude em defesa do capitalismo, com qualquer justificativa, é uma declaração de guerra, é contra-revolução.

Certamente desses partidos ditos socialistas e comunistas, mas que estranhamente não defendem o poder das entidades de base sobre o DCE e sim a forma capitalista de poder, receberemos a estapafúrdia acusação de despolitização. Deixamos de falar da situação internacional, da brasileira, da mineira e até citamos pouco os problemas da própria UFMG, e por isso estaríamos com um discurso “limitado”, “só organizativo”. Que besteirada! Que inocência! Que incultura! A própria palavra “política” refere-se às Polis, as cidades-estado gregas, mas não se trata da “administração da cidade”, não, porque a Polis não era o aglomerado urbano, mas o Estado, ou seja, fazer política é atuar no Estado. A questão central da política seria “limitada”, “só organizativa”. Isso não é conservadorismo tal qual o do governo e o dos demotucanos? São mesmo muito politizados esses conservadores de bandeiras vermelhas, só não entendem a centralidade da... Polis! Pretendem fazer funcionar uma estrutura política, mas não se perguntam se essa estrutura é feita para funcionar, e para fazer o que? Estão “pensando que berimbau é gaita”, acreditam que uma máquina que há 30 anos é uma produtora de carreiristas, corruptos, aparelhistas, uma fabricante de rachas, discórdias, brigas, violências, fraudes etc., pode passar a fabricar lutas e cidadãos decentes ou até revolucionários.

Ou seja, despolitizadas são todas essas repetições das mesmas “verdades”, do mesmo catecismo, de obviedades, e promessas já feitas mil vezes, e que não tocam no assunto central da política, que é a Polis. Pode-se fazer política de diferentes formas – Pode-se simplesmente atuar no Estado sem questiona-lo (que é que quase todos sempre fazem) e essa atitude é conservadora; Pode-se buscar transformar os Estado aos poucos, que é uma atitude reformista, oficialmente a governista hoje, mas na prática os governistas não reformam nada, são conservadores, em todo canto; Ser revolucionário, para um marxista, é tentar construir outro Estado, com os restos do atual, com os recursos dele, mas não com suas formas! A questão da forma é de extrema importância para o Estado, e se confunde mesmo com seu conteúdo, uma vez que as classes são muito diferentes entre si, e a forma de organização que serve bem a uma não serve a outra. Marx percebeu bem a importância das formas, ou como dizemos hoje, do design, e divulgou entusiasmado, quando contou a história da Comuna de Paris. Lênin o percebeu na realidade russa, diante dos Soviets e dos Conselhos de Fábrica, o que está claro no Estado e a Revolução e em todos os seus livros posteriores. Gramsci, novamente, em Turim, experimenta e teoriza com os Conselho de Fábrica. Ou seja, os pseudo-marxistas que afirmam deforma leviana que a democracia é “só” a forma do Estado, que não devemos nos apegar a “questões de forma”, estão longe da fato do marxismo, do qual talvez tenham aprendido a parte mais nítida, a economia.

Também haverá o argumento do tempo, das fases, não seria ainda o momento de experimentar uma democracia mais avançada. Teríamos que esperar a revolução socialista para isso, pois esse argumento se baseia na idéia de que só é possível avançar em um lugar quando se avança em todos. Lembremos, então que os Soviets passaram a existir e a praticar o poder 12 anos antes da revolução de Outubro, entre 1905 e 1907, quando foram fechados pelo regime czarista. Também os Conselho de Fábrica de Turim existiram o tempo todo sob a monarquia constitucional que precedeu a ditadura fascista. E o que derrotou os turineses liderados por Gramsci foi que no resto da Itália o Partido Socialista se apegou a argumentos mentirosos como “não é hora pra ter poder das bases”. Que hora seria essa? A revolução seria uma espécie de “presente dos céus”? A prática do poder não é o que tende a tencionar processos de transformações?

Outro argumento amplamente utilizado é do tipo “a massa de estudantes não é politizada”. Ora, se o estudante não for capaz de apontar suas necessidades, quem será? Ou mesmo, se de fato esta massa não é politizada, como ela irá politizar-se, se não quando tiver a oportunidade de participar e exercer o poder? A sensação que fica é que os que usam tal argumento nasceram sabendo, vieram com o “dom da política” de fábrica. Ademais, aqueles que de fato possuírem o “dom da política”, tiverem amplo conhecimento dos caminhos que se deve percorrer, não terão problemas em politizar a “massa despolitizada”.

Existem momentos e locais para se tratar de todos os assuntos. Nossos jornais, do PCB e da UJC, existem para isso. Uma chapa composta por sete vezes mais estudantes sem partido que por membros da UJC, e composta com o objetivo revolucionário de substituir a democracia capitalista do DCE-UFMG por uma democracia de Conselho, não é o espaço para divulgarmos o que devemos divulgar em nossos jornais. Não se pode falar de acabar com o aparelhamento de um DCE e começar por aparelhar a própria chapa (que é, aliás, o normal). Na hora de defender um novo poder, soviético, não se pode vacilar, não se pode abrir mão de aliados nessa questão central em troca do luxo de reafirmarmos nossas posições já presentes em nossos blogs e jornais, e que acabamos de reafirmar nas eleições de 2010.

Por fim, é impossível não esclarecer que essa suposta politização dos grupos que usam bandeiras vermelhas mas estão conformados com o Estado atual, é uma politização também dentro da agenda dos capitalistas. Eles se acomodam no Estado capitalista e seguem somente os temas de debate capitalistas, colocados pela imprensa, pelos políticos, pelos governos capitalistas. Querem politizar ou querem agradar um determinado público?

Com a proposta que defendemos, de antes de mais nada entregar o poder do DCE aos Grêmios, Centros e Diretórios Acadêmicos, estamos impondo nossa agenda. Os capitalistas é que terão, para manter suas tetas, que entrar em um assunto do qual fogem e defenderem sua forma de democracia contra a nossa. Os oportunistas se afastarão ou deixarão cair as máscaras, pois  quando se coloca a questão magna do Estado, caem os disfarces.

Comentários

Muito bom o seu text(amento), Alex. Bem, com certeza também podemos dizer que quem prefere as eleições não é anarquista, conselhista... A proposta de organizar o movimento estudantil em conselhos, defendido por Vossa Excelência, com inspiração na Comuna de Paris e nos Soviets, é muito legal. Podemos facilmente fazer uma leitura de Marx (não de Lênin) em que ele defende a autogestão, para evitar em falar nos anarquistas, nos conselhistas, e outros... Bem, seria muito legal organizar esse modelo na UFMG, pelos motivos que o caro colega descreveu muito bem, mas acho que, além dos oportunistas do movimento estudantil de lá, que se opõem à proposta, muitas apenas ainda não tiveram a oportunidade de compreendê-la corretamente, em parte pelos próprios militantes que a defendem (participar das eleições predidencias, e não defender o voto nulo, só ajuda a aumentar essa imcompreensão). Não sei como está a correlação de forças lá na UFMG, mas espero que esse modelo seja adotado. Até mais. Mauro.
Revistacidadesol disse…
Alex: tb espero que argumentos os convençam. Mas existe a força do hábito. Ademais, como vc mesmo disse, há quem seja supostamente reformista que, na prática, é conservador.

Abs do Lúcio Jr.
Revistacidadesol disse…
Oi, Alex.

A máquina continua produzindo carreistas a rodo: Paulo Lamac, carreirista que montou o Pré-UFMG inspirado nas ideias do meu amigo Payakan e com apoio "moral" do DCE UFMG, tá aí eleito deputado estadual pela "cidadania, educação e paz". É da paz, o petucano, ou melhor dizendo, tucapeta.

E deve tá numa fase paz e amor, então, pois na época do movimento, passando na Fafich, ele me disse que Marx e Weber, q ele tinha estudado obrigado na Sociologia no Icex, davam a ele vontade de vomitar.

Abs do Lúcio Jr.
AF Sturt Silva disse…
Mauro, nunca entendi essa antipatia por Lenine.PQ?
Esse outro blog seu é muito pitoresco em?