A necessidade de um programa socialista viável a partir da democracia capitalista

Não pretendemos voltar ao debate sobre a transição do capitalismo ao socialismo, não acreditamos na possibilidade reformista, ou seja, de que uma nova sociedade possa ser construída gradualmente a partir do capitalismo. Todos os estudos, todos os casos, mostram o contrário – o que é possível é a revolução.

Porém, como se constrói a revolução? E o que é a revolução? Existe um trecho da obra mais madura de Lênin, pois a que escreveu mais experiente, que nos interessa, pois tratava exatamente de países onde os comunistas enfrentavam uma democracia liberal:

O autor compreendeu de modo admirável que não é o parlamento, e sim apenas os Soviets operários que podem constituir o instrumento necessário do proletariado para atingir seus objetivos. E, naturalmente, quem até agora não compreendeu isso, é o pior dos reacionários, mesmo que seja o homem mais culto, o político mais experiente, o socialista mais sincero, o marxista mais erudito, o mais honrado cidadão e chefe de família. Há, porém, uma questão que o autor não apresenta e nem sequer pensa que seja necessário apresentar: se se pode levar os Soviets à vitória sobre o parlamento sem fazer com que os políticos “soviéticos” entrem no parlamento, sem decompor o parlamentarismo estando dentro dele, sem preparar no interior do parlamento o êxito dos Soviets no cumprimento de sua tarefa de acabar com o parlamento.

É claro que a resposta do próprio Lênin era “Não”, por que de fato, de nós que estamos sob uma democracia capitalista, e que lutamos pela legalidade dos partidos comunistas no mundo todo, o povo espera que utilizemos a liberdade desses partidos! Se temos propostas, se somos capazes de conduzir o país a um rumo melhor, espera-se que apresentemos esse caminho, não vaga e futuristicamente, mas para executar em um mandato.

Sim, existem diversos problemas ai envolvidos, desde a impossibilidade da vitória eleitoral comunista, passando pela impossibilidade de um governo comunista na atual conjuntura, até a impossibilidade de uma transição do capitalismo ao socialismo sem uma ruptura com a ordem constitucional, mas uma coisa não tem nada haver com outra! De dois em dois anos, sabemos bem, temos que nos apresentar ao povo durante as eleições, e portanto todas as verdades sobre a democracia capitalista não ser democracia não nos salvam da necessidade de apresentar um programa socialista eleitoral, ou seja, razoável para quatro anos de governo sem maioria nos parlamentos!

Ao não fazermos isso, nos colocamos para escanteio na luta política, e pior, permitimos aos inimigos diversos que coloquem em prática suas estratégias. A estratégia política do capital no Brasil é manter a democracia liberal, e ao mesmo tempo manter uma reserva de forças autoritárias. Tal esbanjamento de forças capitalistas é possível por que a própria esquerda é a primeira defensora democracia capitalista, deixando os capitalistas mesmo de mãos livres para engrossar seus grupelhos fascistas. Grupos mais esquerdistas, que não defendem a democracia liberal, a atacam de forma maniqueísta – a democracia liberal seria somente o disfarce do Estado, onde atuar seria inútil.

Precisamos seguir um caminho equilibrado, de combate à democracia capitalista, mas propondo-nos a destruí-la por dentro, transformando-a de forma a dificultar a vida dos capitalistas. Nossas propostas, portanto, devem ser de reformas políticas! Mesmo as nossas propostas econômicas têm que estar de acordo com uma reforma política revolucionária. Esse programa tem que falar por nós, quem nós somos.

Exemplo primeiro, por ser mais importante, a revogabilidade de todos os mandatos, característica da Comuna de Paris e dos Soviets, deve ser nossa principal bandeira de reforma política. Ter abandonado essa bandeira é inexplicável, mas explica nossa fraqueza diante da direita e de partidos pseudo-socialistas, uma vez que abrimos mão de nosso diferencial. Levantar essa bandeira não nos levará à vitória eleitoral, e é mesmo muito difícil supor que um dia qualquer país capitalista possa ter uma democracia tão avançada. Mas o que interessa é que atrairia para nós os comunistas de todo o país, hoje quase todos dispersos, e que reconheceriam – eis que alguém levantou novamente a bandeira da Comuna! O que o povo diria então de quem nos chamasse de autoritários? Como poderiam nos acusar de querer implantar uma ditadura? E poderiam os capitalistas aceitar nossa proposta? Qual carreirista se sente a vontade com a revogabilidade permanente dos mandatos?

Outro exemplo, a socialização das empresas estatais! Falamos de reestatizar, e nas teses ao XIV Congresso se propõe a estatização de tudo, mas de fato o povo não está nem convencido da necessidade de se manter as atuais estatais. As privatizações foram um fiasco, e a população vai entendendo isso (trabalho no qual deveríamos ajudar), mas não significa que volte a ficar satisfeita com as estatais como são. Temos que propor a socialização das estatais, para explicar ao povo o conceito de socialização com exemplos, e para explicar que socializar e estatizar não são a mesma coisa. Atualmente, contra o socialismo milhões de pessoas argumentam com os problemas das estatais!? Ou seja, ao contrário do que já se pensou em fazer, agora é necessário começar a socializar, ou ao menos a falar disso, e assim ganharemos forças para ampliar as estatizações!

Terceiro exemplo, a transparência. Existe uma demanda social por transparência, mas de fato todos os programas de transparência são farsas, uma vez que a verdadeira transparência colocaria em xeque o poder burguês, que necessita da corrupção. Nesse aspecto nós comunistas não seremos voz solitária, mas devemos mesmo assim defender a transparência mais irrestrita, das contas públicas e das contas das pessoas públicas! Não só na destruição do Estado capitalista, mas na construção do socialista, é importante dificultar a corrupção, que se no capitalismo é parte do jogo político, no socialismo é a base central da contra-revolução.

Quarto exemplo, o exercício direto do poder na educação e na saúde. Devemos propor para já o poder dos estudantes e professores sobre as escolas, secretarias municipais, estaduais e o ministério da educação, assim como devemos propor que os Conselhos do SUS sejam libertados do controle dos executivos municipais, estaduais e nacional e de fato tenham o poder sobre a saúde, quando hoje não passam de uma caricatura disso. O sucesso da gestão popular dos sistemas de saúde e educação abriria espaço para conquistar o controle popular sobre outros setores, arrancando-os do Estado inimigo e começando a agrega-los a um novo.

Esses quatro pontos bastariam para nos alçar à posição de força política influente no país. Deviam ser aprovadas por esse XIV Congresso, e não pelas Conferências eleitorais de 2010, pois devem servir não somente para as eleições de 2010, mas para todas, municipais e gerais, de 2010, 2012, 2014 etc.

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