O "aparelhamento" dos movimentos sociais e a degeneração dos partidos de esquerda

“Aparelhamento” é a gíria usada para se referir à prática, muito constante nos últimos trinta anos, de um partido (ou quadrilha, igreja, seja lá o que for), quase sempre dito de esquerda, transformar uma entidade dos movimentos sociais (normalmente Sindicatos e entidades estudantis) em meros braços seus, ou para usar outra gíria, essa do período ditatorial, em “aparelho”. Um aparelho, como se sabe, era um esconderijo de militantes, gráficas, armas etc. dos grupos perseguidos pela Ditadura.

Nota-se que o termo “aparelho” deixou de significar algo nobre e decente. Uma entidade “aparelhada”, seja ela um sindicato ou uma entidade estudantil, não pode mais cumprir suas funções, pois acaba abandonada pela sua própria base, que deixa de se enxergar nela. As bases estão certas em sua intuição, pois ninguém serve a dois senhores – ou bem uma entidade é “dos Estudantes” ou “dos Trabalhadores”, como normalmente se diz em seus estatutos, ou bem é o do P isso ou aquilo.

Mesmo que a base não se aperceba do aparelhamento e não abandone sua entidade, os “aparelhistas” precisam excluir essas bases, pois não se pode usar um Sindicato ou entidade qualquer como caixa, gráfica, cabine telefônica e sede na frente de todo mundo! Assim, o aparelhamento significa que uma entidade fica sem base, sem dinheiro e que até sua imagem é roubada. A base, por sua vez, fica sem entidade.

Pelo ponto de vista estratégico, é óbvio que verdadeiros comunistas nunca podem ser “aparelhistas”, pois a revolução socialista não é uma insurreição armada, nem o fruto de uma guerrilha, sendo estas possíveis características de fases de uma revolução. A revolução é o povo trabalhador tomando todo o poder em suas mãos e extinguindo a exploração! Ora, um povo desorganizado está previamente derrotado. Por isso, faz parte do objetivo dos comunistas, prioritariamente, acabar com os “aparelhamentos” e preferencialmente enxotar os “aparelhistas”.

Mas o “aparelhismo” é ainda mais perigoso quanto executado por membros do Partido Comunista, pois então, além de destruir as organizações dos movimentos sociais, destrói o próprio Partido Comunista, como nenhuma ditadura nunca conseguiu extinguir! Para aparelhar uma entidade, um militante tem que tomar atitudes anti-democráticas, e de fato se afastar das bases. Tem que roubar, corromper, esconder, fraudar, resumindo, tem que ter práticas capitalistas repetidas vezes. Isto é, tem que ser formado para destruir por dentro o próprio Partido Comunista.

O “aparelhismo” não é uma questão moral, nem ideológica. Não basta derrubar os “aparelhistas” do controle de uma entidade para por fim ao “aparelhismo”, pois ao ocupar o mesmo posto, qualquer força, por mais convicção e boas intenções que tenha, encaixa-se na engrenagem “aparelhista” e como tal se degenera.

O “aparelhismo” é uma prática política umbilicalmente relacionada à forma liberal de Estado, ou seja, à falsa democracia para a maioria do povo, à democracia do capital. Aplicada aos movimentos sociais essa democracia do dinheiro e do marketing engendra o “aparelhismo”, assim como nas Prefeituras do país todo engendra corrupção.

Portanto, a única forma de combater com eficiência o “aparelhismo” é construindo democracia para valer para a maioria, na tradição da Comuna de Paris e dos Soviets. É substituir o teatro das urnas pela tomada direta de decisões, pela vigilância direta das bases sobre suas entidades, pela transparência completa. Em outras palavras, é lutando por criar obstáculos políticos ao “aparelhismo”, e instrumentos reais de poder das bases.

Só é comunista quem acredita nessa possibilidade, pois se não for possível o poder dos trabalhadores e estudantes sobre suas próprias entidades, como será possível esse poder sobre o país todo? Que tipo de comunista não acredita no poder do povo trabalhador?

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