Carta de Desfiliação de Alex Lombello Amaral ao PCB e Críticas às Resoluções do XV Congresso Nacional do PCB

Em conversa amigável com a direção estadual do PCB, resolvemos que o correto é minha desfiliação desse Partido, no qual tive o orgulho de militar por dez anos e onde deixo muitos amigos do peito. Eu estava preparando o documento “Críticas às Resoluções do XV Congresso Nacional do PCB”, então resolvi transformar esse trabalho em minha carta de desfiliação, que será, portanto, um tanto quanto diferente das cartas de desfiliação costumeiras. Óbvio que continuo sendo marxista. Ser marxista não é opção política, é conhecimento, como ser alfabetizado. No muito se pode fingir que se desaprendeu a ler.  Também continuo comunista, ou seja, concordo com Marx sobre a necessidade de colaborar para que o proletariado supere a burguesia como classe dominante, pois também acredito que esse é o caminho para o fim das classes sociais e do Estado.
Antes, é necessário informar que o motivo imediato que motivou a direção estadual a fazer o convite para minha desfiliação foi o artigo “Meu posicionamento pessoal a respeito de uma intervenção militar”, publicado neste blog e no Estudos Vermelhos, no qual demonstro que comunistas não devem temer uma intervenção militar nesse momento, mas até desejá-la, e certamente devem se preparar para ela, por exemplo, para salvar os militantes caso minha previsão esteja errada. Mas como constatamos conversando, essa foi somente a gota d’água, pois minhas posições são divergentes das posições atuais do PCB em quase todos os assuntos! Isso ficaria claro nas “Crítica às Resoluções do XV Congresso Nacional do PCB”, como se vê abaixo.
Nem cuidadosas são essas Resoluções. Por exemplo, dizem que “os meios necessários à vida não podem ser apropriados privadamente” (Resoluções, p.43). Não se pode ter um naco de pão??? Obviamente as Resoluções se referem aos meios de produção, o que não é nem semelhante aos “meios necessários à vida”. Esse tipo de descuido dá aos anti-comunistas combustível para alimentar suas caricaturas.
Por vezes parece que essas Resoluções foram escritas por um petista, e não por um comunista. Não é científico, portanto não é marxista, aprovar uma história oficial, mas pior é que as Resoluções afirmam que o Estado burguês se gestou no Brasil sem a participação dos setores proletários (p.32). Que desconsideração pela história do PCB! Então os direitos trabalhistas foram uma dádiva de Getúlio Vargas??? O partido que é citado como tendo tido algum papel histórico positivo é... o PT (p.33).


Um partido sem programa político

Dada a falência política do PT e do PCdoB, o PCB teve “uma oportunidade histórica para se tornar um partido importante no cenário da luta de classes em nosso país”(p.19). O principal impedimento para que isso se realizasse foi e continua sendo a falta de um programa político, citado na Introdução das Resoluções, mas que o PCB não tem, o que é simplesmente surreal nesse momento histórico.
A reforma política seria “mera reforma eleitoral” (p.58), como se as reformas eleitorais não fossem um dos aspectos mais importantes das reformas políticas!?! Mesmo depois de feita a Revolução, camaradas, precisaremos nos preocupar com o formato das eleições. As Resoluções chegam a criticar, corretamente, o presidencialismo de coalizão, mas não se apresenta alternativa (p.58), esquecendo-se que no passado o PCB já defendeu, também corretamente, o parlamentarismo.
Mas para que programas políticos? Mais do que Marx e Lênin, os “dirigentes” do PCB têm a capacidade de prever o futuro, e sabem (!), que a ruptura com o capitalismo “não se dará através de um projeto reformista, mas por uma ruptura radical” (p.40)! Supondo que estejam certos esses oráculos, o que inferem tática e estrategicamente? A única função dessa afirmação é negar a importância de qualquer projeto de reformas, mais uma vez superando Marx e Lênin, que teriam perdido tempo apoiando o Cartismo, apresentando projetos à Duma etc. Diga-se de passagem, é um caso em que uma verdade teórica é apresentada como verdade em um caso específico, o que sempre dá errado, por ser uma redundância. A teoria já nasce do estudo de incontáveis casos práticos, portanto tentar adivinhar a realidade a partir da teoria é como tentar levantar-se do chão puxando os próprios cabelos para cima. Na prática é um erro que custa caro, pois o PCB fica sem propostas de reformas políticas quando o país pede reformas políticas.

Algumas questões sobre o Poder Popular

A principal bandeira do PCB tem sido Poder Popular (p.43), que morfologicamente não significam nada diferente de “democracia”, e que sabemos que nesse caso é um eufemismo para poder do proletariado. Não explica o que seria esse Poder Popular, que assim não fica sendo nada mais do que, novamente, as já conhecidas verdades teóricas.
Concordo que a concepção marxista de poder popular (vamos fingir que Marx aceitaria esse tipo de eufemismo) não tem nada a ver com formular projetos de lei de iniciativa popular (p.45), mas as Resoluções esquecem de salientar que enquanto método para inserção social criar esse tipo de projeto pode ser inteligente.
Também concordo que apostar todas as fichas no poder local (p.45) é utópico, mas também é utópico imaginar que o proletariado controlará o Estado se não controlar as cidades, e os Sindicatos. As pessoas vivem é nos municípios, base de toda a vida política.
Logo adiante as Resoluções dizem que o poder popular não deve “substituir as políticas públicas e o dever do Estado” (p.46). Camaradas, nós queremos Ser o Estado! Ou como dizem corretamente as ResoluçõesÉ necessário ir construindo, a partir de agora, a partir da velha ordem, um duplo poder, uma ordem institucional e política própria dos trabalhadores, fundada e fundante de uma nova cultura proletária e popular...” (p.43). Um duplo poder, ou seja, outro Estado. Trata-se do mesmo erro da frase “Um partido revolucionário não pode se apresentar como bom administrador do capitalismo” (p.100). A verdade é que um partido revolucionário não tem motivos para ser de fato um bom administrador do capitalismo, mas para se mostrar como tal, sim! O Partido deve mostrar ao povo que dirigiria o país melhor do que os capitalistas, e isso deve ser feito com propostas práticas, com soluções que os capitalistas não conseguem fornecer.
A proposta mais detalhada que aparece nas Resoluções sobre esse Poder Popular é a criação de “Conselhos ou Comitês Populares” (p.70, 78). Camaradas, os Soviets não vão renascer, muito menos na era da Internet. É necessário pensar em novas estruturas, e mais que pensar, experimentar onde se puder, com as qualidades dos Soviets, mas adaptadas aos tempos da Internet. Na própria URSS os Soviets se dissolveram ainda em 1936, em uma Assembléia Constituinte composta por eles mesmos! Antes já apresentavam problemas, como esvaziamento. Se o designer soviético já fosse bom o suficiente, teria tomado o mundo!
O momento em que as Resoluções são mais científicas nesse assunto é quando afirmam que a Frente contra a Privatização da Saúde é uma experiência de poder popular (p.71). Desconheço essa Frente de perto, não acompanho nem suas atividades, para poder formar uma opinião se é ou não uma experiência de poder popular. Mas a perspectiva de construir novos espaços de poder, com novos designers, é que é correta, pouco interessando se realmente essa Frente está tendo sucesso ou não, visto que os fracassos também fazem parte do esforço científico.
Dizem as Resoluções que o poder popular não pode ser definido de antemão (p.46-47). Não se pode fazer isso em um escritório, mas na prática, nos Sindicatos, em novas organizações de trabalhadores, em DCEs, na Frente acima citada etc. precisa ser definido, e isso é definir de ante-mão, é experimentar (!) o que se proporá para a sociedade. Seria colocar em prática a criação de novas “formas organizativas capazes de se configurar como força política” (p.43), mas veremos adiante qual é a política do Partido para os trabalhadores e os estudantes.

Um partido contra as eleições

Já se advinha que atualmente o PCB negligencia as eleições. Não tem sequer um vereador, em todo o país! É a mais irrealista das negligencias, porque as eleições são a única atividade da qual todos os militantes participam, de dois em dois anos. As Resoluções afirmam (p.39) que os campos institucional e eleitoral são importantes, mas quase não se fala de eleições em todo o parágrafo. Restringindo a participação dos comunistas nas eleições, diz que as alianças devem ser moldadas pela necessidade de superar o capitalismo. Existem alianças estratégicas e alianças táticas. Só as primeiras devem ter tal critério ideológico, mas os autores dessas Resoluções estavam em outro planeta, onde a teoria é separada da prática, ou a ela se sobrepõe. Ou mais provavelmente, queriam dizer que não se deve fazer alianças “só” para facilitar a eleição de algum camarada. Parece existir por parte da direção do PCB um certo receito de que se eleja algum comunista que não é da patota dominante.

Um PC que afasta os comunistas dos trabalhadores e outros erros

O diagnostico do movimento sindical está correto (p.64-65). E é claro que o PCB precisaria “dar um enorme salto qualitativo no seu trabalho de inserção no interior dos movimentos dos trabalhadores, da juventude e das lutas populares...” porque está praticamente ausente de todos esses movimentos. Contudo a solução das Resoluções para isso é mobilizar “todas as energias” e estar sempre em “contraposição às saídas reformistas que não levem às últimas conseqüências à ruptura com a ordem capitalista” (p.41), “alocação de recursos e militantes” (p.59).
Ou seja, só vontade e posicionamento! E essas Resoluções têm coragem de chamar de voluntaristas os que defendem que os Sindicatos sobrevivam das mensalidades dos sindicalizados (p.68)! A vontade não basta e além disso o posicionamento sugerido impossibilita dirigir os movimentos, não os respeita, empurra os comunistas que o seguem para o gueto.
A afirmação leninista “O Partido será capaz de participar da direção da classe trabalhadora se penetrar nas organizações nas quais a massa trabalhadora se agrupa” (p.42) é correta em tese, mas essas organizações não existem entre nós! O índice de sindicalização está em 15%, isso entre as categorias que podem ter Sindicatos, que não somam metade dos trabalhadores. Os subempregados, os desempregados, as donas de casa, os cooperados etc. não podem ter Sindicatos.
Os Sindicatos estão praticamente todos dominados por diferentes tipos de “aparelhistas”, desde partidos até quadrilhas particulares em acordo com os patrões, e libertar um a um, trabalho ao qual não se pode renunciar, demoraria décadas, se essa limpeza estivesse avançando de forma razoável.
Vencer as eleições e tomar as diretorias não basta! É necessário modificar os estatutos, criar novas formas de poder, criar “poder popular”. Somente vencer eleições e substituir as diretorias é somente trocar os parasitas.
As Resoluções orientam a não “aparelhar” (parasitar) os Sindicatos e outras organizações (p.66-67). É correto, mas insuficiente. É necessário que organizações de massas dos trabalhadores sejam o embrião do estado operário, portanto é necessário uma transformação da estrutura sindical (p.67). Sindicatos organizados de forma que as bases realmente o controlem, por meio de uma democracia proletária, ou seja, que atrapalhe o “aparelhamento”, que dificulte a vida dos parasitas, é o que se deve tentar, e tentar, por meio de várias experiências.
As Resoluções fazem as críticas corretas ao imposto sindical, mas não se definem contra ele. Defendem que o imposto vá diretamente para os Sindicatos (p.67), o que obviamente não é realista. Este caso é um bom exemplo de como essas Resoluções parecem terem sido escritas desde sua proposta inicial. Acordos! Que cientistas são esses que negociam o que sabem? Ou que marxismo é esse que ao invés do método científico segue o método das negociações?
Ao falar de Universidade Popular as Resoluções dizem que a Universidade deve ser pensada sob as perspectivas dos trabalhadores e voltada para o atendimento de suas demandas (p.73). Isso não é pensar com classe dominante! Se queremos que os trabalhadores sejam classe dominante, não devemos ensinar-lhes a pensar como classes subalternas. Classes dominantes pensam nos interesses de toda a sociedade como os seus, ou seja, para o proletariado a Universidade deve servir ao conjunto da sociedade, e ser controlada pela mesma sociedade; deve ser eficiente; deve formar os melhores profissionais, e essa formação deve ser voltada para o que a sociedade precisa; deve desenvolver a ciência o mais rápido e intensamente que puder.
Mas de todos os erros que afastam os comunistas dos trabalhadores brasileiros, o pior é seu isolamento dentro da Unidade Classista (p.66). Essa Unidade Classista não é uma central, e também não é tendência pois não está em uma central. Isso é inexistir. Os comunistas são orientados pelo PCB a se fecharem nesse gueto. Ou seja, mesmo que fosse verdade para o Brasil que “O Partido será capaz de participar da direção da classe trabalhadora se penetrar nas organizações nas quais a massa trabalhadora se agrupa” (p.42) o PCB continuaria longe dos trabalhadores, reunindo-se com seus próprios militantes nos encontros de sua não-tendência.

Unidade dos trabalhadores é possível, sim!

As Resoluções consideram que existe um grau de consciência socialista necessário para se conseguir a unidade do proletariado (p.41), mas na verdade até Revoluções foram feitas por massas que tinham níveis de consciência política bem precários. A massa dos russos que lutaram em 1917 o fez por pão, terra e paz, e não pelo poder dos Soviets, muito menos pelo socialismo. A unidade do proletariado brasileiro exige trabalho por parte das vanguardas, por exemplo construindo organizações que unifiquem todos os trabalhadores, ao invés de excluir metade e dividir a outra metade em dezenas de categorias. Além de modificar a democracia dos Sindicatos, é necessário criar “novas formas de associação” (p.46), “novos instrumentos de luta contra o capital” (p.59), pois, por lei, os Sindicatos continuarão excluindo mais de metade da classe trabalhadora. Ademais, os Sindicatos dividem os trabalhadores em categorias, e em Centrais. É indispensável criar organizações de base territorial, que unifiquem todos os trabalhadores, por exemplo, de um município. É aliás a única forma de “inovar na tentativa de organizar os desempregados precarizados e aposentados” (p.67).

Força secundária no Movimento Estudantil

As Resoluções defendem que a UJC tenha bandeiras e projetos próprios para o movimento estudantil (p.74), e estão corretas, mas no momento a UJC tem se comportado como rabo ou do PSTU ou do PSOL, na medida em que reproduz nas eleições de DCE as eleições nacionais, fazendo as mesmas alianças. Tratando-se por vezes de aliados aparelhistas encabeçando as mesmas alianças, é nítido que a UJC vai arcar com os ônus das denúncias de corrupção, sem que o movimento comunista tenha nenhum ganho com isso.
Desde que entrei no PCB, há 10 anos, junto com vários camaradas dos quais eu sou o último a me desfiliar (as cartas de desfiliação estão neste blog), propusemos que a UJC adotasse como bandeira o que tínhamos feito na UFSJ, onde conseguimos reformar o estatuto e entregar o DCE ao Conselho de Entidades de Base, também chamado Conselho de Centros Acadêmicos (vários artigos a respeito neste blog). O poder das entidades de base é uma bandeira com a qual a UJC se destacaria de todas as outras forças, atrairia os militantes mais avançados, inteligentes e honestos. É também uma das poucas formas conhecidas de se dificultar o aparelhismo.
Ao tratar dos jovens trabalhadores as Resoluções propõem “isenção de horário” (p.76) no trabalho, para que possam estudar. Pode até ser, e ao menos os funcionários públicos se beneficiariam, mas mais fácil, e também ótimo para os trabalhadores, é a presença livre. A bandeira mais proletária que pode existir no movimento estudantil é a presença livre, e quando percebo que o movimento estudantil não a levanta sou incapaz de não julgar que seus dirigentes são boys, filhinhos de papai, que não sentem na pele o que é uma aula inútil (ruim) quando se tem pouco tempo disponível.
Acrescente-se a qualidade! A presença obrigatória é refúgio dos professores ruins. As melhores universidades e os melhores colégios do mundo têm presença livre.

O medo de ver a Pequena Burguesia

Se estivéssemos na Rússia em 1917, ou mesmo no Brasil em 1917, o título dessa parte incluiria a palavra “camponeses”, mas como os camponeses são hoje uma parte ínfima de nossa população, temos que tratar da pequena burguesia em geral, e não somente de seu setor agrário, que era gigantesco no início do século XX. Mas os autores das Resoluções não gostam do assunto! Quase sempre as Resoluções citam a pequena burguesia como “camadas médias” (p.100), mesmo sabendo que as fileiras do PCB são constituídas majoritariamente por oriundos dessa classe (p.107). A estrutura de classes do Brasil (!) é descrita sem a pequena burguesia (p.27). A pequena burguesia é citada quando se trata campo inimigo (p.40), mas não quando se trata da formação de um bloco histórico do proletariado. Na formação desse bloco entrariam “trabalhadores urbanos e rurais, os setores médios proletarizados e as massas de proletários precarizados que compõem a superpopulação relativa” (p.40).
Ou seja, seria uma aliança de classes entre proletários, proletários e... proletários! Nem os residuais camponeses (menos de 3% de nossa população), foice das bandeiras comunistas, foram incluídos!?!?
Aliás, sobre os camponeses as Resoluções são muito infelizes! Afirmam que o latifúndio improdutivo foi quase eliminado no Brasil (p.69), o que é descarada mentira. As Resoluções também são contra organismos geneticamente modificados (p.61). Ou seja, o PCB está a favor dos latifúndios e contra o desenvolvimento das forças produtivas! Claro que isso não se aplica aos militantes comunistas, só às Resoluções, e à “direção” que as escreveu. A Embrapa, que deveria ser central em uma reforma agrária séria, e também no debate sobre transgênicos, não é citada! São Resoluções que citam os já extintos Black Bloc e não citam a Embrapa, uma das mais importantes estatais do Brasil.
Os camponeses eram 80% da Rússia, e a rigor eram uma imensa pequena-burguesia rural, cujo destino era a proletarização. Uma minoria desses camponeses enriqueceria explorando os vizinhos que gradualmente perdessem suas terras. O campesinato era uma máquina de produzir burgueses, como sabia Lênin, e fio o que em última instância obrigou Stálin à coletivização forçada. No caso brasileiro o combustível desse processo está esgotado no campo, e na cidade não se dá da mesma forma. A massa de pequenos-burgueses com que temos que lidar é extremamente variada, indescritível em sua multiplicidade, e milhões de casos são de pequenos-burgueses que por seus ramos não têm possibilidade nenhuma de se tornarem burgueses nem em quinhentos anos, como certas categorias de funcionários públicos, artesãos, prestadores de serviço que à semelhança de artesãos têm seus próprios meios de produção etc. incluindo quase todo o mercado de miúdos.
A pequena-burguesia é a segunda classe mais numerosa da sociedade brasileira, superada somente pelo proletariado. Em números a burguesia é desprezível, e sua maior base de apoio é a pequena-burguesia, e a burguesia divide o proletariado, tanto por meio do petismo, quanto diretamente! Além de unir o proletariado, é necessário dividir a pequena-burguesia, ganhando amplos setores dessa classe para o socialismo.
É provável que os autores dessas infelizes Resoluções não possam ver a pequena burguesia por serem traumatizados pelo fracasso petista. Mas a forma trazer parte da pequena burguesia para o socialismo não tem nada a ver com a capitulação petista, feita em nome da ampliação. Os petistas não levaram o socialismo à pequena burguesia, mas o liberalismo da pequena burguesia para o proletariado. Não é preciso ceder! O socialismo é melhor que o capitalismo para a pequena burguesia, e só é necessário explicar isso. Só precisamos garantir que não vamos coibir o mercado de miúdos, que é onde atua a pequena-burguesia quase toda. O capitalismo leva a pequena-burguesia à falência e à proletarização, sem garantir nem saúde, nem educação, nem segurança. O socialismo garante que se falirem terão moradia, alimentação, educação, saúde, segurança etc. O socialismo só não lhes pode fornecer o sonho de virarem burgueses.

Incompreensão sobre as forças históricas

Citamos o bloco histórico do proletariado e falar dessas Resoluções sem tocar nesse assunto seria no mínimo estranho. Nelas o “Bloco Histórico do Proletariado” aparece quase sempre em maiúsculo, como se fosse uma organização e não uma força histórica (p. 39). Começa a definição como “conjunto de ações”!?!? Seria um bloco histórico, de classes sociais, algo dezena de milhares de vezes maior do que um “conjunto de ações”!
O bloco também seria “um projeto político a ser construído” (p. 40)! Quanta pretensão! Ah, se Marx soubesse, que ao invés de estudar e experimentar nas barricadas que o proletariado era a força histórica capaz de derrotar a burguesia e construir uma nova sociedade, ao invés de constatar que a Comuna de Paris foi derrotada entre outros motivos por não ter conseguido a aliança dos camponeses, ele poderia ter construído uma força histórica, com quem estivesse mais a mão.
Para que o PCB foi se meter a falar de bloco histórico se não quer admitir a existência da pequena burguesia? Se o próprio proletariado brasileiro está completamente desorganizado, qual a necessidade, nesse momento, de falar de um bloco dessa classe com outras? O proletariado, quando voltar a ficar de pé, só poderá buscar aliados na pequena burguesia, por falta completa de opções.

Cegueira conjuntural

Não há como esperar análises conjunturais realistas por parte de quem não enxerga a pequena burguesia brasileira! Ainda mais quando a conjuntura se complica.
Lembrando que foram escritas há 3 anos, as páginas 53 e 54 contem uma análise correta, mas falta a conclusão, que já era clara há 3 anos – a 5ª ou 6ª República (cada um que conte como quiser) está morrendo. Teremos uma nova fase da República, e dada a completa desorganização do proletariado não será socialista.
A direção do PCB não vê nenhuma dessas duas coisas. Faz declarações pelas quais parece que o socialismo está às portas, enquanto, como vimos acima, não chegou nem perto de resolver o problema da unidade do proletariado, de sua mais básica organização! E não percebe que o que está caindo ainda não é o capitalismo, mas um regime político. A fase da República iniciada em 1985-1988 entrou em crise desde 2013, e é mesmo provável que aconteçam novas ondas de descontentamento (p.59), apesar do erro de previsão sobre acontecerem durante a Copa do Mundo de Futebol.
Regimes políticos caem o tempo todo, e parece mesmo que envelhecem e morrem, mas modos de produção, como o capitalismo, duram bem mais, e são muito mais resistentes. A rigor, segundo Marx, o capitalismo cairá mundialmente quando precisar represar quase totalmente o desenvolvimento das forças produtivas. O capitalismo ainda está permitindo, talvez por não ter ainda inventado a forma de conter, o desenvolvimento da robótica e de outras tecnologias igualmente interessantes. Sua queda, portanto, não é eminente. Décadas, anos, meses? Logo o capitalismo não suportará a robótica, e barrará seu desenvolvimento. Até lá não falta trabalho, pois além de chegar ao seu limite, o capitalismo terá que ser derrubado, e o proletariado não está nem de longe preparado para isso.
As Resoluções subestimam o capitalismo quando afirmam que a reforma agrária e outras reformas não serão mais realizadas sob o capitalismo (p.37). O capitalismo, em caso de necessidade, exatamente para sobreviver por mais tempo, pode sim realizar a reforma agrária e diversas outras reformas.
Sobre se a Revolução será anti-imperialista ou socialista, se terá etapas ou não (p.48), é de fato uma falsa polêmica. Todos sabemos que as Revoluções de nossos dias que começam anti-imperialistas são logo empurradas para o socialismo, como aliás as próprias teses concordam (p.49).
É verdade, que “o Brasil se tornou um país capitalista completo” (p.24), o que é corretamente desenvolvido. Contudo as elites sócio-economicas do país, e as forças políticas que as representam, ainda pensam e agem de forma escravocrata e colonial, problema, diga-se de passagem, comum a toda a América Latina. As forças ditas reformistas, ditas socialdemocratas, os petistas e seus aliados, é que são de fato capitalistas, e sequer são firmes em seu anti-imperialismo. Apesar de nosso gigantesco proletariado, ainda é necessário criar um campo socialista no Brasil.
Embora seja um detalhe conjuntural que não devia nunca ter entrado nas Resoluções, precisamos abordar a análise dos Black Block. Não é verdade que utilizam “táticas anti-capitalistas” (p.56). Enfrentamentos de rua existem desde o mundo antigo, e talvez continuem existindo séculos depois de enterrado o capitalismo, não são, portanto, uma “tática anti-capitalista”. Os Black Block realmente “imaginam estar contribuindo” (p.56), mas o importante, que as Resoluções irresponsavelmente não ensinam, é que esse tipo de movimento é usado com facilidade pela polícia e pela imprensa. A polícia tem facilidade de infiltrar agentes ou provocadores, que estimulam os jovens animados a cometerem crimes, para daí os perseguir. A imprensa faz coro às ações provocadas pelos infiltrados.
É por isso que é muito “necessário um intenso trabalho de informação, de formação política e de ação cultural” (p.43) Sobretudo agora, que o Partido está crescendo a olhos vistos, a formação é fundamental. Militantes bem formados têm uma chance a mais de não caírem em armadilhas.

A polêmica da liberação da maconha

A liberação da maconha está em pauta em nossa sociedade, e é simplesmente impossível para qualquer Partido não ter posicionamento sobre o assunto. A posição adotada nas Resoluções é tímida, insuficiente, pois não acabaria com o tráfico, na verdade é conservadora e desinformada. Fala, por exemplo, de apoio aos usuários (p.63), o que é risível tratando-se de maconha. Propõem uma estatal da maconha, que monopolizaria o setor, mantendo, portanto, o tráfico ilegal. Já existe uma empresa estatal para lidar com vegetais, e se chama Embrapa, e não deve ter o monopólio de nenhum produto final, só desenvolver melhores sementes e espécies diferentes da erva. Se não conseguiram entender lendo o Manifesto e o Capital, deviam ter entendido com as experiências que tentaram “superar” Marx durante o século XX – é o capitalismo que socializa a economia, e aos comunistas só resta socializar o controle!!! Em outras palavras, setores não socializados da economia, tais quais jardinagem, cultivo de hortalícias, a produção dos pequenos agricultores, as pequenas fabriquetas, não podem ser socializados por nós, porque ainda não chegaram à fase industrial. Quando surgir um grande monopólio em algum setor da produção e distribuição de maconha, ai sim, nós devemos pedir a estatização e o controle público. Então, por exemplo, a Ambev devia ser controlada pelo Estado, porque já é um monopólio, já está atrapalhando o mercado, atrapalha as pequenas cervejarias artesanais porque quer cobrar um preço exorbitante sobre a água que vende. Devia ser estatizada, o que permitiria ao governo que o fizesse reduzir ou congelar os preços, atingindo enorme popularidade. Mas as pequenas cervejarias artesanais devem ser deixadas sempre livres, enquanto puderem sobreviver.
As Resoluções não citam as enormes conseqüências econômicas da liberação! Primeiro, deixaríamos de perder bilhões em divisas com importação de maconha todos os anos. Segundo, toda a planta, não só a parte usada como fumo, é matéria prima de primeira qualidade. A proposta de uma estatal da maconha obviamente não leva em conta esses aspectos. O moralismo venceu os interesses econômicos nas Resoluções de um PC! Deve ser o Partido Comunista da Lua, ou mais exatamente, Lunático!

Democratismo Autoritário

Conforme as tradições leninistas as Resoluções afirmam que “Quanto mais democrático, mais forte e revolucionário o PCB se tornará” (p.105). O estatuto fala de “extensa e profunda discussão”, mas os militantes (cuja militância em alguns casos se reduz a policiar os outros militantes) acrescentaram a essa regra que essa discussão só pode acontecer nos tais fóruns apropriados, que são só reuniões físicas (na era da Internet), de forma que para um debate sequer estadual é necessário o deslocamento até a capital, o que já é um limite censitário (só as passagens entre São João e BH são mais 100 reais, mais de 10% do salário mínimo, excluindo os militantes pobres). O tempo desses fóruns é limitado, de forma que nenhuma discussão pode ser “extensa e profunda” conforme o estatuto. Em nossos dias, falar de debate “extenso e profundo” excluindo a Internet é extensa e profunda hipocrisia!
O “verdadeiro centralismo democrático, que ainda não vigora plenamente entre nós” (p.101). Na verdade o que vigora no PCB é uma imitação muito distorcida e oposta mesmo ao centralismo democrático. O centralismo democrático que nos interessa é o que deu certo, o que permitiu a criação de organizações vitoriosas, que conseguiram fazer Revoluções ou ao menos derrubar regimes ditatoriais. Quando observamos a prática dos bolcheviques, quando lemos seus jornais e livros, percebemos que o debate era constante, franco, sem limites. Nos mesmos jornais do Partido as idéias da direção eram publicadas lado a lado com idéias opostas! O debate até ajudava a formar os quadros. O debate, sem controles que o distorçam, gera lideranças verdadeiras, respeitadas, capazes de praticarem o centralismo. Essas lideranças conseguem mudar a tática em 24 horas se a realidade mudar em 24 horas! A pseudo direção do PCB não consegue mudar a tática nem em 24 dias, porque precisa reunir o CC, e demora a fazer isso. Mas mesmo se conseguisse, quem a seguiria? Sem conseguir (ou saber) dirigir o Partido, a “direção” confunde dirigir com policiar e podar.
É portanto um Democratismo Autoritário! Democratismo de cima a baixo! As bases impõem cada moda que passa à “direção”, e as direções são em seu funcionamento democratistas. Democratismo e autoritarismo sempre andam juntos, e não só a direção vive interferindo, atrapalhando o trabalho das bases, como direções intermediárias se tornam verdadeiros tribunais, em que comunistas julgam se comunistas são comunistas!?!?
O resultado é que as Resoluções notam a “falta de iniciativa própria” (p.102) dos militantes e do Partido, e constata, corretamente, que comunistas precisam ser “militantes que sejam formadores, organizadores e agitadores” (p.101). O que (de)forma esses “militantes” que não têm iniciativa é exatamente uma prática de constante autocensura, autocontrole, autolimitação. Verdadeira fórmulas para se criar topeiras.
Curioso é que as Resoluções defendem “a liberdade de criação e de pesquisa, e a autonomia científica” (p.85). Se esse “dirigentes marxistas” compreendessem que o marxismo é ciência, entenderiam que é necessária a mesma liberdade entre comunistas. Mas muito pelo contrário, confessa-se a preocupação com “disciplinar” a produção de jornais, boletins, revistas, blogs, sites, redes sociais (p.87), comprovando uma cultura de autocensura e policiamento ideológico. Ao invés de multiplicar, de fortalecer, a preocupação é limitar, como se fosse a polícia que votou essas resoluções e não os militantes do Partido.
O PCB assume “compromisso com a mais ampla e irrestrita liberdade de manifestação do pensamento nos campos científico, cultural, intelectual e artístico” (p.85), e afirma que deseja “contribuir decisivamente para a recuperação da rica, complexa, multifacética e longeva contribuição dos intelectuais e artistas comunistas ao desenvolvimento da arte, da cultura, e do pensamento brasileiro...” (p.85), mas ao mesmo tempo diz que é preciso dar uma “diretriz para o trabalho artístico e cultural”!?! É o choque entre o politicamente correto, que as bases impõem, e a cultura policialesca vigente, permitida e as vezes estimulada pela “direção” que fazem as próprias Resoluções desmentirem as Resoluções.
O verdadeiro centralismo democrático produzia gênios em todas as áreas do conhecimento e das artes, pois estimulava o debate de tudo sem limites, estimulava a inteligência, a criatividade. Já o democratismo autoritário gera dissidências!
O verdadeiro centralismo democrático tinha por base a liberdade de expressão, que gerava líderes verdadeiros, e daí poder central de fato. No democratismo autoritário lideranças fracas cerceiam o debate e mesmo assim não conseguem dirigir ninguém!

Autocrítica

Conforme a tradição leninista as Resoluções rezam que “A crítica e a autocrítica constituem uma prática indispensável a um partido revolucionário” (p.116), e que o Partido necessita de “intenso processo de crítica e autocrítica, pessoal e coletiva” (p.100). Contudo, adiante, nota-se que a preocupação é sobretudo com a crítica e autocrítica dos militantes, portanto como um instrumento de direção (p.116)! É muito importante que militantes façam autocrítica, sendo até saudável para quem o faz, mas muito mais importante é a crítica do Partido, pois é o que é decisivo. A autocrítica é similar ao método científico, é eficiente, gera progresso, gera fortalecimento, e o importante é fortalecer o Partido.

Comunicação

Para Lênin, como se nota no artigo Por Onde Começar?, e no livro Que Fazer?, assim como em sua prática militante, a imprensa era a organizadora do Partido, a principal arma do Partido, e grande parte do Partido estava voltado para sustentar a imprensa. Em Outubro de 1917, Lênin dirigia 11 jornais diários. Pelas fotos parece que as Revolução Soviética foi feita com fuzis, mas antes disso ela foi feita com jornais.
Tentando imitar Lênin, como aliás fazem várias organizações ditas leninistas do Brasil, as Resoluções dizem que o jornal deve ser vendido (p.114). Querem vender jornais na época da Internet! Quando tanto jornal é jogado gratuitamente debaixo das portas, querem vender jornais!!! Que ridículo! Limita a tiragem, limita o público alvo, e nunca consegue sustentar o jornal! Estamos nos tempos da Internet, e o jornal de papel deve ser uma propaganda da página, portanto deve ser gratuito, pequeno (no muito uma folha A3 ou A2), de grande tiragem.
Antes de abordarmos a Internet, se o objetivo da revista Novos Tempos é atuar nos meios intelectuais “principalmente no público universitário” (p.84), devia seguir as regras que vigoram no meio acadêmico, com edital, conselho editorial composto por doutores, e versão online gratuita, visando pontuação Qualis.
O que Lênin propôs em Por Onde Começar?, agora só pode ser feito pela Internet. Mas o Partido se autolimita nesse espaço porque teme a interatividade. Internet É interatividade! As pessoas buscam interatividade, e sem isso a Internet seria somente uma TV com mais opções. Além disso qualquer internauta percebe que é hipocrisia falar de poder popular, de Revolução, de Conselhos Populares, e não permitir interatividade no site.
Nem precisava ser uma interatividade muito aberta. Era só tornar permanente a Tribuna de Debates que já existe durante os Congressos, e criar um ambiente interno para os militantes. Também seria inteligente fornecer e-mails para os militantes.
Porém, que muitos camaradas ainda não aceitaram que estão na época da Internet, temos a prova na arcaica figura do “assistente” (p.113)! As Resoluções ainda afirmam que o “assistente não é o dirigente do organismo assistido” (p.113), porque é óbvio que os “assistentes” cumpriam esse papel. Com Internet todos os militantes podem participar de eventos nacionais; os dirigentes podem conversar cara a cara com cada uma das células do Partido, gratuitamente; cada célula poderia ter contato diário e gratuito com a direção. Mas que pérola encontramos nas Resoluções de 2014? Assistentes!?!?!

Conclusão

Por fim, voltemos a minha desfiliação. Lembremos de que o motivo final foi meu artigo em que disse que estava me segurando para não pedir “Constituinte sob a proteção das Forças Armadas”. Os camaradas do PCB temem que os militares tomem o poder para fazerem não uma Constituinte, mas para o mesmo que fizeram em 1964. É nitidamente uma análise sentimental, irracional, um medo, como procurei demonstrar no artigo.

Medo irracional, pois o próprio PCB já faz o que a polícia política desejaria e nunca conseguiu! A polícia política sempre quis os comunistas longe dos trabalhadores, e o PCB o faz prendendo os comunistas na já citada Unidade Classista, que está afastada dos Sindicatos. A polícia política sempre quis reduzir a influencia dos comunistas nos meios intelectuais, e o PCB consegue fazer isso comportando-se como uma caricatura que a direita faz dos comunistas, que seriam proibidos de terem opinião própria; com bandeiras lunáticas e sendo sempre força secundária. A polícia política sempre tentou acabar com a imprensa comunista, mas não teria muito o que fazer com a imprensa do PCB, que já quase não existe. Aliás, vimos que o próprio PCB deseja “disciplinar” os blogs comunistas, mais uma vez fazendo o trabalho da polícia! A polícia política sempre quis os comunistas calados, e o PCB os cala com uma cultura de auto-censura, e auto-policiamento.

Alex Lombello Amaral. São João del Rei. Minas Gerais. 11 de Outubro de 2017

Comentários

André Luan disse…
"Os petistas não levaram o socialismo à pequena burguesia, mas o liberalismo da pequena burguesia para o proletariado."
Sua dialética aqui foi muito sagaz!